O Global Teacher Prize, considerado o prêmio Nobel da Educação, tem uma novidade na edição deste ano: um brasileiro na lista dos finalistas. Entre os milhares de concorrentes de 148 países, apenas 50 foram indicados e Márcio de Andrade Batista é um deles. O professor é formado em Engenharia Química pela Universidade de São Paulo (USP) e dá aulas na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), na cidade de Barra do Garças (MT). Apesar de não ter ganhado o prêmio (que teve a palestina Hanan Al Hroub como ganhadora) a indicação serviu para “chamar atenção para uma coisa importante, que é a questão da educação no nosso país”, salienta o professor.
Desde 2011, Batista desenvolve trabalhos que relacionem ciência e sustentabilidade no ensino médio. Umas dessas experiências resultou na conquista do prêmio Jovem Cientista de 2013 para a aluna Bianca Valeguzki de Oliverira. Ele também incentiva que mulheres desenvolvam pesquisas científicas, além de realizar trabalhos em escolas públicas voluntariamente. Todas essas contribuições lhe renderam a indicação ao prêmio.
A iniciativa do Global Teacher Prize, criado pela fundação internacional Varkey, premia professores que tenham desenvolvido contribuições significativas para a educação com o valor de 1 milhão de dólares.
Como você reagiu à indicação do prêmio? Você teve um reconhecimento pelo seu trabalho e por ser o único brasileiro indicado ao prêmio?
Realmente aconteceu bastante coisa bacana e bastante reconhecimento nesse sentido. Depois de uma exposição maior ao prêmio, por exemplo, recebi uma moção de aplausos aqui da minha cidade, fui recebido pelo governador, fui citado na Câmara dos Deputados. O prêmio também serviu para chamar atenção para uma coisa importante, que é a questão da educação no nosso país. A imagem do professor anda um pouco desgastada e a profissão do docente acabou perdendo um pouco daquela referência, daquele prestígio. Então, o prêmio acabou sendo um evento importante para chamar atenção para essas questões.
Se você tivesse ganhado o prêmio, o que teria feito com o dinheiro?
Criado a escolinha de soldadores. Formei a primeira soldadora mulher de Barra do Garças.
Você trabalha muito com meninas, principalmente na iniciação científica, certo? Por quê? E qual é o perfil das suas orientadas?
Bom, primeiro porque eu acredito em empoderamento feminino. E aqui eu posso falar pela minha região, o que nós percebemos? Que as meninas têm mais dificuldade ao acesso, mesmo a laboratório, pesquisa… esse tipo de coisa. Elas têm mais restrição, mesmo a trabalhos de pesquisa e isso não é só um diálogo… é o que nós vemos na prática aqui da região.
Você desenvolve trabalho voluntário há quanto tempo? Esses trabalhos foram em escolas públicas? Como foi essa experiência?
Há cerca de 5 anos… Sim alguns em escolas públicas. Eu estudei a minha vida toda em universidades públicas, nunca paguei por nenhum estudo em nível superior e eu acho que já era hora de devolver para a sociedade aquilo que eu recebi na forma de educação acadêmica. E então, o que aconteceu? Quando eu fui às escolinhas de segundo grau, eu percebi que tinha, sim, uma lacuna no ensino de sustentabilidade, até porque não tem uma disciplina específica de sustentabilidade. Eu acho que nós temos que começar a pensar na questão muito cedo. Ensinar para o aluno de ensino médio, logo, o que é a sustentabilidade, quais as questões de importância envolvidas…
Sim. E para os alunos isso faz uma diferença muito grande, principalmente nas escolas públicas, onde a realidade é diferente e o estímulo tem um peso maior…
Você vai numa escola pública, às vezes você não tem um bom laboratório, não tem reagentes,. você não tem professores disponíveis “full time”… então é diferente. O que nós vemos é que esses jovens, como não acham perspectiva, não acham caminhos, começam a pender para coisas não muito boas… começam a ter um dia inteiro ocioso. O que era minha ideia? Tentar dar alternativas para esses jovens ocuparem a cabeça. Tanto que antes, muito antes de sair a minha nomeação eu já venho falando sobre criar escolinhas de soldagem – eu falo em soldagem porque é a minha área de formação, meu doutorado é nisso. Porque assim, você ensinando um oficio para esse menino, ele não vai ficar na rua, mas vai achar um mecanismo, aprender um ofício, fabricar sua cadeirinha, vender, dar uma manutenção numa maquininha de solda, fazer seu dinheiro, entendeu? Então são essas alternativas que eu queria criar quando eu fiz essa primeira experiência com a Bianca [aluna que ganhou um prêmio de inciação à ciência, em 2013]. Eu tinha certeza que ao mostrar essa conquista, esse resultado dela, ia replicar isso em tudo quanto é escola. Mas daí não teve esse efeito que eu queria. Ainda não chegou nisso.
Você, enquanto professor de universidade federal, acha que a universidade tem conseguido estabelecer e manter laços com a comunidade?
Isso é uma coisa que nós vemos há muito tempo, que existe um distanciamento entre o que a sociedade local clama e a universidade. Ou seja, os problemas sociais são pouco levados para serem resolvidos na universidade. O que eu acho é que quando a comunidade chama a universidade tem que responder à altura. Por exemplo, tem trabalhos que eu já fiz, em cidades aqui no interior do estado, como Castanheira, onde a comunidade produtora de leite precisa estudar as técnicas de transporte, de assepsia precisa agregar um pouco mais de valor ao leite… então são coisas que eu acho que a universidade poderia estar agregando um pouco mais.
Você desenvolveu trabalhos com resíduos do soro de leite e da castanha do baru. Você poderia explicar melhor como eles funcionam?
O que eu faço é o seguinte, eu tento estimular o aluno a fazer perguntas. Mas perguntas relacionadas ao que ele tem disponível na sua realidade, tanto social, quanto ambiental. O projetinho do soro do leite e do pão de castanha é justamente porque nós estamos numa região que tem esse produto disponível e o que nós precisávamos fazer? Achar um destino para isso. Então, uma das nossas ideias foi pegar com os pequenos assentados rurais aqui da região que produzem o seu queijo e jogam o soro no meio ambiente, e esse soro acaba se tornando um passivo ambiental… Será que nós não acharíamos outra alternativa, outro uso para isso? E o que nós fizemos? Pegamos esse soro, separamos a caseína – que acaba dando alergia em alguns tipos de pessoas – e com o soro nós enriquecíamos o pão. E fizemos esse projeto na escola Maria de Lurdes, que é uma escola pobre e de periferia aqui da região, e apresentamos para o diretor, apresentamos o projeto de pesquisa em sala de aula para os alunos, com a proposta de que isso até pudesse virar, talvez, um produto da merenda estudantil. Com a castanha foi a mesma coisa, porque nós sabíamos que a castanha era muito rica em zinco, proteína e fibra… e nós começamos a estimular os alunos a questionar onde aplicar isso e até enriquecer a própria alimentação. Ficou uma coisa muito interessante, porque o aluno conhecia a castanha, mas não conhecia todo o seu potencial de uso e, uma vez que ele entendia que ela era rica em proteínas, ele mesmo passava a colocar esses macronutrientes na própria dieta, na forma do paõzinho, na forma da farinha… Com a casca é a mesma coisa. O pessoal, por exemplo, quebra, tira a castanha e deixa o ouriço no mato. E o ouriço acaba sendo um passivo também, então nós pensamos: “será que nós não achamos um caminho para essa casca?”, foi quando tentamos fazer primeiro o briquete e percebemos que esse briquete ficava aromatizado, devido aos resíduos de castanha, e, nesse caminho, descobrimos também que dada à resistência mecânica da casca, tanto do baru, quanto da castanha, poderíamos transformar isso num piso. Então, as propostas que nós fizemos foram como trabalhar com o que tínhamos disponível para tentar achar soluções. Soluções adequadas.
Reportagem: Gabriele Wagner de Souza e Clara Sitó
Fotografia: Divulgação