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Ilhados em prol da ciência

Pesquisadores da UFSM participam de expedição em arquipélago amazônico para realizar experimentos com peixes da região



Em dezembro de 2014, cinco pesquisadores canadenses, um austríaco, uma belga e 16 brasileiros participaram de uma expedição a Anavilhanas, arquipélago localizado no rio Negro, no estado do Amazonas.

Organizada pelo professor Adalberto Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a expedição teve o objetivo de estudar a fisiologia de peixes amazônicos. O professor do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFSM Bernardo Baldisserotto e sua orientanda de doutorado Ana Paula Almeida estavam entre os pesquisadores que passaram 14 dias alojados em um barco, envolvidos com experimentos realizados com peixes da região.

O professor Bernardo lidera na UFSM o Laboratório de Fisiologia de Peixes, que estuda extrativos vegetais como anestésicos, antiparasitários e antibacterianos em animais aquáticos. Ana Paula pesquisa o efeito de dois óleos essenciais na anestesia de peixes e foi até a Amazônia para verificar se esses óleos, que tiveram bom efeito no jundiá (peixe utilizado nas pesquisas realizadas em Santa Maria), podem ser utilizados também em peixes daquela região.

Sol escaldante, vento forte, pesquisadoras mordidas por peixes, inexistência de acesso a internet e telefone: a rotina do grupo de pesquisadores, as dificuldades e as curiosidades foram relatadas pelo professor Bernardo, dia a dia, a pedido da Arco.

DIA 1 (1/12)
Após a chegada em Manaus no dia anterior, vamos ao laboratório do Dr. Val, no Inpa, em Manaus, para conferir se todos os materiais necessários para nossos experimentos e análises estão prontos. Nos reunimos com os demais participantes para acertar os últimos detalhes da expedição. Toda a discussão é feita em inglês para que os pesquisadores estrangeiros possam entender. Funcionários do Inpa iniciam o carregamento dos materiais e equipamentos a serem transportados para o barco que nos levará até o arquipélago.

DIA 2 (2/12)
Dois caminhões contendo os equipamentos, material para a excursão e alguns peixes para os experimentos seguem até o local onde o barco está ancorado. A pesquisadora belga vê uma traíra saltar da caixa de onde está sendo transportada e corre para pegá-la e colocá-la de volta. Leva uma mordida no dedo, que sangra e tem de ser tratado.

Ao final do dia, saímos em direção à estação Lago do Prato, do Ibama, no arquipélago de Anavilhanas. Nosso barco leva cerca de 8 horas para ir de Manaus até a estação, subindo o rio Negro. Faço a última ligação telefônica para a família, pois fomos informados de que no local onde atracaremos não há sinal de telefone nem de internet. A cidade mais próxima é Novo Airão, que está de 1 a 3 horas de viagem, dependendo da velocidade do barco. O nosso barco contém cabinas com ar-condicionado e banheiro, nas quais os pesquisadores e alunos são instalados dois a dois.

DIA 3 (3/12)
O barco chega de madrugada junto à casa flutuante da estação Lago do Prato, onde alguns pesquisadores (inclusive nós) colocarão seus equipamentos para fazer os experimentos. Não temos problemas para dormir, pois o barco não balança nada nas águas calmas do rio Negro. Ao nosso redor há apenas o rio e as margens cobertas pelas florestas. Além do guarda e do fiscal da estação, não há mais ninguém nos arredores. Após o café da manhã, os pescadores do Inpa saem para pescar – atividade que repetirão três vezes por dia enquanto estivermos aqui.

No momento da instalação de um fotômetro de chama para análise da concentração de íons na água, não consigo fazê-lo funcionar. Após conversar com outros colegas, recebo ajuda do Dr. Chris Wood, meu orientador de pós-doutorado no Canadá, e ele coloca o equipamento em funcionamento. Em torno das 11 horas, todo nosso material está pronto e aguardamos a chegada dos peixes, que são trazidos ao final da manhã.

Em função da grande quantidade disponível em Anavilhanas, escolhemos trabalhar com piranha branca e piranha preta. São peixes muito agressivos, com dentes afiados, e é preciso ter cuidado no seu manuseio. Trabalhamos com piranhas de 10 a 20 centímetros, mas algumas piranhas pretas capturadas pelos pescadores tinham até 45 centímetros.

Uma pesquisadora de outro grupo levou uma mordida de uma piranha, mesmo tendo usado sempre uma luva de metal para manuseá-las. Nós, felizmente, não tivemos problemas.

Após o almoço, iniciamos os experimentos de anestesia, testando diferentes concentrações dos óleos essenciais que trouxemos de Santa Maria. À tarde, o sol bate no local que escolhemos para trabalhar, embora tivessem nos dito que isso não ocorreria. Um dos funcionários do Inpa instala uma lona plástica para nos proteger dos raios solares, mas o calor continua forte, em torno de 34ºC. É necessário tomar água continuamente. Seguimos trabalhando até 20h30min, quando paramos para a janta e depois dormimos. Ficamos sabendo que existiria um local específico na casa flutuante onde às vezes é possível captar sinal no celular. Não conseguimos sinal.

DIA 5 (5/12) 
Iniciamos uma nova série de experimentos com as piranhas brancas, em que os peixes são expostos por quatro horas aos anestésicos, mas numa concentração bem baixa, apenas para deixar os peixes mais calmos. Os peixes são filmados durante alguns segundos a intervalos de tempo definidos. É um experimento para ver qual concentração dos anestésicos seria mais adequada para o transporte dos peixes.

Apesar do calor e da água convidativa (30-32ºC) do rio Negro, ninguém pensa em entrar na água, porque o local está infestado de jacarés, que nadam periodicamente a poucos metros da casa flutuante.

DIA 6 (6/12)
No final da manhã, alguns turistas portugueses chegam num barco vindo de Novo Airão e vêm olhar os peixes e perguntar sobre nossos experimentos. Ao final do dia, combinamos com alunos e pesquisadores do Inpa um novo experimento a ser feito nos próximos dois dias, quando o equipamento para medir consumo de oxigênio dos peixes estará disponível. Faremos essas medidas com o objetivo de verificar se os anestésicos em baixas concentrações alteram o metabolismo dos peixes. Quanto maior o metabolismo do peixe, maior o consumo de oxigênio.

Na janta há a comemoração do aniversário de um dos pesquisadores, com direito a brinde com vinho, “Parabéns a você” em português e inglês, bem como bolo de aniversário. Esse foi um dos nossos poucos momentos de folga. Durante toda nossa estadia, apenas paramos de trabalhar durante as refeições, e após a janta conversamos por alguns minutos com os demais pesquisadores. Nesses momentos de folga é que existe alguma interação entre os brasileiros e estrangeiros, pois durante o dia cada um está envolvido com seu próprio experimento ou análises.

Não há nenhuma diversão disponível no barco, e mesmo que houvesse, não haveria tempo ou disposição. Depois de trabalhar o dia inteiro, o único desejo é dormir. Alguns alunos e pesquisadores continuam executando experimentos e análises durante a madrugada.

DIA 7 (7/12)
São quase três horas para ajustar o equipamento para medir o consumo de oxigênio dos peixes. A primeira espécie de peixe que tentamos era muito grande para o equipamento. Como precisamos em torno de 30 peixes, não temos muitas opções de espécies.

Consigo um rápido sinal de celular na minha cabine e aproveito para fazer uma ligação de dois minutos para minha esposa. No início da tarde, há um vento forte e somos obrigados a ajustar as lonas, que estavam presas apenas na parte de cima, para evitar que batam no nosso sistema de filmagem e ele seja derrubado. Pequenas ondas se formam no rio, mas o nosso barco nem chega a balançar. Logo após, uma chuva torrencial cai por cerca de uma hora, mas não há problema, porque o vento diminui. As medidas de consumo de oxigênio prosseguem durante a noite, pois uma das pesquisadoras do Inpa, Daiani Kochhann, formada em Ciências Biológicas na UFSM, deverá voltar na manhã do dia 9 de dezembro para Manaus.

DIA 8 (8/12)
Avistamos um casal de botos cor-de-rosa e seu filhote nadando perto do barco. É possível apenas avistar rapidamente os dorsos cor-de-rosa quando emergem para respirar.

As medidas de consumo de oxigênio, que seguiram durante todo o dia, terminam apenas na madrugada.

DIA 9 (9/12)
Um bote a motor leva uma pesquisadora e duas alunas de pós-graduação do Inpa para Novo Airão, onde um carro as levará de volta a Manaus. O bote retorna trazendo vegetais e frutas para nossa alimentação. Três cozinheiras preparam nossas refeições diárias: café da manhã, almoço, café da tarde e janta. No almoço e na janta, o cardápio é bastante variado. À medida que vamos terminando nossos experimentos, levo algumas piranhas para as cozinheiras aproveitarem nas refeições, pois durante a expedição comemos peixe apenas quando sobram dos experimentos.

DIA 10 (10/12)
No final da manhã, terminamos os experimentos com as piranhas brancas. Chove boa parte do dia, aliviando o calor. Nós achamos a temperatura de 26º agradável, mas algumas pessoas da expedição, que são da região Norte, colocam camisas de manga comprida ou casacos leves, pois sentem frio. Iniciamos um experimento complementar com exposição de piranhas pretas a baixas concentrações dos anestésicos testados por 15 minutos, filmando em alguns tempos para verificar possíveis mudanças de comportamento. Iniciamos as medidas de algumas amostras de água que havíamos coletado nos nossos experimentos com as piranhas brancas. Ao final do dia, terminamos todos os experimentos com as piranhas pretas, pois os pescadores conseguem neste dia pescar todas as que necessitávamos.

DIA 13 (13/12) 
De manhã, empacotamos os equipamentos que estavam na casa flutuante e, à tarde, eles são carregados para o barco. Ainda de manhã, continuamos a análise dos dados obtidos. À tarde, o Dr. Val sai com um bote a motor para registrar as coordenadas geográficas dos locais onde os peixes foram coletados e vamos junto. Descemos um pouco e entramos em terra firme para visualizar a floresta, cujo chão estava cheio de folhas e troncos em decomposição. Quando a água subir e cobrir essa parte, toda a matéria em decomposição será arrastada para dentro do rio, contribuindo para dar a sua cor negra.

DIA 14 (14/12)
Com o fim da expedição e dos experimentos, o barco retorna a Manaus.

Repórter: Luciane Treulieb

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