São constantes as notícias que anunciam a apreensão, por parte da Receita Federal, de bebidas alcoólicas recolhidas em condições ilegais ou sem o selo do Imposto de Produto Industrializado (IPI). No final de contas, são milhares de litros que precisam de um destino, pois não podem permanecer para sempre estocados em depósitos. Legalmente, são três as formas pelas quais o material apreendido pode ser destinado: encaminhamento para leilão, doação para entidades sem fins lucrativos ou órgãos públicos e destruição ou inutilização.
Escolher a forma mais adequada, no entanto, exige analisar cada situação específica. No caso de Santa Maria, o delegado da Receita Federal do Brasil, Alexandre Rampelotto, destaca que a natureza fragmentada das apreensões inviabiliza, técnica e economicamente, a obtenção dos laudos que garantem que os produtos são próprios para o consumo. Sem esses laudos, não é permitido que os produtos apreendidos sejam doados. Além disso, o delegado cita as políticas governamentais de combate ao consumo de drogas lícitas, como o álcool, que vão na linha contrária à possibilidade de doação do mesmo. Já o encaminhamento das mercadorias para leilão foi descartado ao se considerar o impacto negativo que poderia gerar na economia local, ao criar concorrência com as empresas do ramo já estabelecidas na cidade.
Assim, a opção que se mostrou mais viável foi a destruição das mercadorias. O modo escolhido para que isso acontecesse havia sido, inicialmente, o despejo das bebidas em redes de tratamento de efluentes. Essas redes são locais em que produtos líquidos ou gasosos produzidos por indústrias ou resultantes dos esgotos domésticos são tratados e então lançados no meio ambiente. No entanto, a solução nem sempre se mostrava completamente eficaz. O despejo de uma quantidade tão grande de bebidas alcoólicas poderia dificultar o processo de tratamento e causar um problema ambiental. Consciente disso, o delegado viu na Usina Piloto de Etanol do Colégio Politécnico da UFSM uma alternativa. É o que ele destaca:
– No momento em que soubemos da existência de um projeto do Colégio Politécnico que utilizava uma destilaria modelo, iniciamos os contatos com a Universidade para saber do interesse em formar uma parceria no sentido de utilizar o resíduo da destruição de bebidas para a produção de álcool.
A PARCERIA
A Usina Piloto de Etanol entrou em funcionamento em 2009, ano em que começou a processar álcool a partir de resíduos de arroz, mandioca, batata, batata doce, entre outros. Em geral, o espaço serve para a realização de experiências e pesquisas de alunos dos mais diversos cursos da UFSM e do próprio Colégio Politécnico. Porém, essa demanda nem sempre mantinha as máquinas ocupadas, como seria o ideal. Com a parceria firmada entre a microdestilaria e a Delegacia da Receita Federal (DRF) de Santa Maria, em 2011, esse problema foi resolvido e o trabalho é contínuo.
Só no ano inicial do acordo, foram aproximadamente 30 mil litros de bebidas entregues à Usina. O delegado Alexandre explica como ocorre esse processo:
– Na prática, a destruição das bebidas ocorre ainda dentro do Depósito da Receita Federal na cidade, quando as garrafas são abertas e o conteúdo é misturado em recipientes de mil litros, o que descaracteriza completamente as mercadorias. É essa mistura que é entregue à Usina e depois passa pelo processo de destilação. As garrafas são quebradas e, juntamente com as embalagens, são destinadas a associações de coletores de materiais recicláveis da cidade.
Os resíduos entregues na Universidade são resultado, principalmente, de bebidas apreendidas em ações realizadas pela DRF de Santa Maria na sua área de abrangência, que compreende a região central e as fronteiras norte e oeste do Rio Grande do Sul. Entretanto, ao entenderem a importância da parceria, outras unidades da Receita Federal no estado também têm direcionado bebidas para serem entregues à destilação.
OS RESULTADOS
Todo o conteúdo recebido é redestilado e dá origem a novos produtos, como álcool gel e álcool etanol. O último dá origem ainda ao álcool de uso doméstico (50GLº), utilizado no dia a dia para limpeza e desinfecção. A quantidade de álcool redestilado depende, no entanto, da concentração das bebidas recebidas, que possuem uma variação considerável na graduação alcoólica. Quanto mais alta esta for, maior é o volume produzido. O coordenador da Usina, professor Cícero Nogueira, destaca que a geração de combustível tem sido tão satisfatória que há uma nova ação em fase de implementação:
— Nós estamos implementando um posto de abastecimento, com sistema de filtro, bomba… Estamos com um estoque grande de álcool e, no momento em que isso ficar pronto, vamos fazer uma doação desse produto para a Brigada Militar e o Corpo de Bombeiros. Isso porque tanto nós quanto a Receita não estamos utilizando todo o combustível gerado.
Após redestilados, parte dos produtos é entregue à Receita Federal e o restante fica armazenado na UFSM, onde é utilizado no próprio Colégio Politécnico, na desinfecção de laboratórios, limpeza do Restaurante Universitário e abastecimento da frota de veículos. O professor Cícero destaca o quão importante é a tomada de iniciativas como essa:
— A Receita Federal é uma instituição pública que tinha um problema ambiental a ser resolvido. A Universidade tinha a Usina instalada, porém com falta de matéria-prima. Esse é um exemplo de como é importante e necessária a ação da UFSM para além de seus muros. É uma ponte entre o meio acadêmico e a sociedade.
O sucesso da iniciativa despertou, inclusive, a atenção de outras unidades da Receita Federal. É o caso da DRF de
Divinópolis (MG). Alexandre conta que o delegado da cidade mineira esteve em Santa Maria, conheceu o projeto e já encaminhou parceria semelhante com uma universidade de sua região. São atitudes que pouco a pouco se disseminam e criam soluções simples para problemas que podem ter grande impacto.
Repórter: Daniela Pin Menegazzo
Ilustração: Projetar