Mãos negras firmes seguram um longo pedaço de madeira. Suor na testa e força nos braços, o milho logo ali embaixo, esperando ser moído. Era neste utensílio, feito de tronco de árvore, que as escravas esmagavam os mais diversos alimentos: pilão, testemunha da força das mulheres negras.
Não por acaso esse também é o nome de um importante projeto de extensão da UFSM, o Programa Pilão — Presença negra no campo, coordenado pela professora Beatriz Rigon. Idealizado por integrantes do Grupo de Trabalho Cidadania em Ação, o projeto iniciou em 2005, com uma proposta bem diferente da atual.
Tudo começou com visitas às comunidades quilombolas próximas a Santa Maria. Idealizadora e coordenadora executiva do projeto, Vania Paulon conta que eram inúmeros os problemas existentes nas comunidades, desde a ausência de infraestrutura básica nas casas até a falta de alimentos.
O primeiro projeto do Pilão foram as “Ações contra a fome”, em que cestas básicas foram doadas à comunidade quilombola Arnesto Penna, localizada em Palma, 8º distrito de Santa Maria. Logo foi percebido, no entanto, que aquela comunidade, como outras que viriam a ser atendidas, não precisava apenas de comida.
“Não adiantava a gente ir lá e doar uma cesta básica que no final do mês acabava; eles precisavam conseguir se manter sozinhos. Algo mais precisava ser feito”, argumenta Vania.
O PILÃO EM AÇÃO
Algo mais o quê? Oficinas de crochê, de artesanato? Não, eles queriam mexer na terra. “Eles estavam acostumados a lidar com a vida no campo, é isso que eles queriam fazer: plantar, colher…”, analisa a idealizadora do projeto.
Diferentes oficinas começaram, então, a ser realizadas junto a cursos da UFSM nas comunidades de Palma, Restinga Seca e Formigueiro. Em parceria com o Colégio Politécnico, por exemplo, foram desenvolvidas oficinas de fruticultura, hortigranjeiros, e piscicultura.
Logo vieram os resultados, para mostrar que o projeto estava no caminho certo: a senhora que, pela primeira vez, pôde pagar sua conta na farmácia com o dinheiro adquirido com a venda das ervilhas que ela mesma plantou, ou o jovem que criou os pintinhos que lhe foram dados até virarem galinhas poedeiras e, hoje, sustenta-se com a venda dos ovos.
O Pilão também busca melhorar a educação dos quilombolas. O mais novo projeto é o de alfabetização de adultos em Palma, coordenado pela professora do curso de Pedagogia Débora de Leão. Em um pequeno espaço construído pelo projeto, Débora e a pedagoga Jaqueline Brondani ensinam as letras, juntam as sílabas e formam palavras.
Na plateia, os alunos, com lápis nas mãos e olhos curiosos, atentam para cada volta do “c”, cada traço do “e”. E no final sai, com a dificuldade prazerosa de quem está aprendendo algo novo: ce-bo-la. Mais uma palavra no caderno dos alunos.
Vilmar Penna não tem dúvida sobre o que vai fazer quando aprender a ler.“Assim que eu souber mais um pouco, eu vou tirar a carteira de motorista”, comemora o senhor de 61 anos.
Consultas odontológicas e perfurações de poços artesianos também fazem parte da história do Pilão. Mais do que um projeto assistencial, o Programa Pilão é um canalizador de recursos. Através de atividades voltadas à saúde, educação ou capacitação, o foco vai ser sempre o mesmo: a qualidade de vida dos quilombolas.
Repórter: Natascha Carvalho
Fotografias: Pedro Porto