Circulam nas redes sociais alegações de que as vacinas contra a Covid-19 não são seguras, podem causar sérios problemas, inclusive a morte da mãe e/ou do feto. A professora Rossana Pulcineli, chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr), garante que essas narrativas são criadas sem nenhum respaldo científico.
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi criado em 1973 e é reconhecido internacionalmente, além de integrar o plano da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ainda na década de 1970, um calendário vacinal da gestante foi elaborado para contemplar vacinas essenciais que prevenissem problemas graves para a saúde da mãe e do bebê. Conhecida como imunidade passiva, as doses de proteção aplicadas na mãe durante a gravidez estarão presentes ao longo da amamentação e dos primeiros meses de vida do bebê. Isso garante a proteção da criança até que ela tenha idade para receber sua própria dose das vacinas recomendadas no calendário vacinal do recém-nascido.
A vacinação contra qualquer doença faz parte da medicina preventiva, que se tornou ainda mais importante com a pandemia de Covid-19. Em abril de 2021, o Ministério da Saúde autorizou a vacinação para o grupo de gestantes. Em maio do mesmo ano, o órgão suspendeu a aplicação de doses e, com isso, surgiram muitas dúvidas sobre a seguridade do imunizante mesmo após o ministério autorizar novamente a aplicação nos meses seguintes.
Qual a importância da vacinação em gestantes?
Segundo a OMS, nem toda vacina pode ser aplicada durante a gestação, mas todas aquelas recomendadas pelo órgão são comprovadamente seguras e, por isso, existe um calendário a ser seguido. As gestantes são consideradas integrantes do grupo prioritário em campanhas de vacinação, uma vez que o ato beneficia a mãe e o bebê, particularmente os menores de seis meses de idade. Segundo o mesmo órgão, fazem parte da carteira de vacinação das gestantes três tipos de vacinas:
as que integram o calendário nacional de vacinação: hepatite B, dupla adulto (dT), tríplice bacteriana (dTpa);
as indicadas em situações especiais;
as pertencentes às campanhas de imunização, como é o caso da influenza.
Essas vacinas integram o calendário de recomendações básicas, elaborado pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Além dessas, campanhas especiais em casos de epidemias e pandemias – como a da Covid-19 – devem ser incluídas.
Integrantes do grupo de risco para doenças respiratórias, as gestantes foram incluídas pelo Ministério da Saúde no PNI contra Covid-19 em abril de 2021. Porém, em maio, o mesmo órgão aconselhou a suspensão temporária da vacinação de gestantes sem comorbidades. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, explicou, em nota, que a liberação ocorreu após análises técnicas, debates com pesquisadores e avaliação dos dados epidemiológicos. Estimativas apresentadas naquele mês mostravam que, no Brasil, a letalidade da Covid-19 em grávidas era de cerca de 10%, enquanto a da população em geral era em 2%.
Em agosto de 2021, o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), o Centers for Disease Control and Prevention e a Society for Maternal-Fetal Medicine – três institutos reconhecidos internacionalmente – recomendaram que todas as gestantes passassem pela vacinação contra Covid-19. A partir de então, novas descobertas que envolviam o funcionamento dos antígenos forneceram evidências tranquilizadoras sobre a segurança das vacinas contra a Covid-19, em especial aquelas fabricadas a partir de mRNA.
Rossana Pulcineli afirma que, no Brasil, não há registro de caso clínico de aborto, má formação do feto ou parto prematuro relacionado à vacinação contra o coronavírus. Pelo contrário, a vacina é capaz de trazer benefícios ao bebê ainda dentro da barriga da mãe, como a transmissão de anticorpos.
Segundo dados do Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 Vacinação (OOBr Vacinação), que realiza análises dos casos de vacinação contra Covid-19 em gestantes e puérperas, em 2021, cerca de 15% das gestantes que precisaram de internação e não eram vacinadas vieram a óbito. O número de mortes cai para 5% entre as vacinadas com a primeira dose, e 3% entre aquelas com a vacinação completa. O OOBr não registrou nenhum caso de morte da mãe ou do feto relacionado à vacinação.
Conforme informa Rossana, não existe tempo gestacional correto para a imunização. “Se a mulher descobre que está grávida e ainda não se vacinou, deve tomar a vacina hoje mesmo, ou amanhã – se hoje não der tempo”. Caso a gestante não tenha se vacinado no início da gestação, ela poderá procurar a vacina mesmo que já esteja próximo à data do parto. A estatística de complicações no parto e a possível prematuridade do bebê aumentam caso a mãe contraia Covid-19 e evolua para um quadro grave, situação que pode ser evitada a partir da vacinação.
Quanto à marca da vacina, Letícia Bellusci, ginecologista obstetra, explica que há dois tipos de vacinas que são recomendadas para gestantes: a Coronavac e a Pfizer. Para ambas, devem ser respeitados os mesmos prazos de aplicação entre primeira e segunda dose recomendados para o restante da população. Da mesma forma, após a aplicação é possível sentir alguns efeitos colaterais, como febre, indisposição e dor no corpo e no braço que recebeu a vacina, mas nenhum deles afeta a saúde da mãe ou do feto. Os efeitos não devem causar preocupação e geralmente desaparecem em dois ou três dias, segundo Letícia. Para ela, “a única forma para reduzir a mortalidade materna, sem dúvidas, é vacinando o maior número de gestantes possíveis.”
Como agem as vacinas autorizadas para gestantes
A Pfizer e a Coronavac são, atualmente, as vacinas autorizadas para aplicação em gestantes no Brasil. A especialista Rossana Pulcineli ajuda a explicar como cada uma age no organismo humano.
O imunizante do Laboratório Pfizer/BioNTech teve sua segurança, qualidade e eficácia aferidas e atestadas pela equipe técnica de servidores da Anvisa ainda em 2020. Produzido a partir do RNA mensageiro (RNAm), ele age nas seguintes etapas:
Utilizando uma fita de RNA mensageiro – molécula que leva instruções para a síntese de proteínas e para outras funções biológicas, a vacina codifica um antígeno específico da doença, neste caso, o coronavírus.
Quando o RNAm é inserido no organismo, as células usam a informação genética para produzir o antígeno, ou seja, o vírus é desativado.
O antígeno se espalha pela superfície das células e é reconhecido pelo sistema imunológico, que entende que a proteína não faz parte do organismo, e passa a produzir anticorpos para combater a doença.
A vacina de RNA mensageiro, portanto, educa o organismo a responder ao vírus, quando esse for infectado. Rossana Pulcineli baseia suas falas em pesquisas do OOBr e declara que a vacinação com a Pfizer é segura e não oferece riscos à gestante, assim como a vacina da Coronavac.
A tecnologia empregada na Coronavac, vacina produzida pelo Instituto Butantan, é a do vírus inativado, que também é utilizada na vacina contra a poliomielite. Para produção do imunizante, o vírus é inativado – ou seja, morto – com o uso de substâncias químicas, irradiação ou calor, e torna-se incapaz de causar infecção ou efeitos patológicos nas pessoas.
Anticorpos de mãe para filho
Rossana Pulcineli explica que, após tomar as duas doses da vacina, o sistema imunológico produz anticorpos do tipo IgG, ou imunoglobulina G, classificados como de memória, uma vez que protegem o organismo de invasões futuras. Esse tipo de defesa pode passar pela placenta e chegar até o bebê. Com isso, há grandes chances de o feto adquirir anticorpos. Rossana ressalta que ainda não se sabe por quanto tempo e qual o nível de eficácia desses anticorpos no sistema imunológico da criança. Além disso, anticorpos do tipo IgA, ou Imunoglobulina A, também são gerados e podem ser transportados até o recém-nascido por meio do leite materno.
Quase metade das crianças e adolescentes brasileiros mortos por Covid-19 em 2020 tinham até dois anos de idade; um terço dos óbitos até 18 anos ocorreram entre os menores de um ano, e 9% entre bebês com menos de 28 dias de vida. As informações são de um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que analisa dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade Infantil (SIM), do Ministério da Saúde.
De acordo com a pesquisadora, ainda que tenha curta duração, tal proteção é fundamental no início da vida, enquanto o sistema imunológico do bebê ainda “aprende” a lidar com as ameaças externas.
Veredito final: Comprovado
A vacinação contra Covid-19 é segura e necessária. Não há comprovação científica de que as vacinas apresentam riscos à saúde da gestante ou do feto.
Expediente:
Reportagem: Tayline Alves Manganeli, acadêmica de Jornalismo e voluntária.
Ilustração: Cristielle Luise, acadêmica de Desenho Industrial e bolsista.
Mídia Social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Alice Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e bolsista; e Martina Pozzebon, acadêmica de Jornalismo e estagiária
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Edição geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas
Referências de dados utilizados:
Ministério da Saúde. Calendário de Nacional de Vacinação: adolescente [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020. Disponível em: https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/vacinacao/calendario-vacinacao#adolescente
[1] Francisco, Rossana Pulcineli Vieira, Lucas Lacerda, and Agatha S. Rodrigues. ‘Obstetric Observatory BRAZIL-COVID-19: 1031 maternal deaths because of COVID-19 and the unequal access to health care services.’ (2021). Disponível em: https://observatorioobstetrico.shinyapps.io/vacinacao-covid19/
Instituto Butantan. Vacina Coronavac: tecnologia. São Paulo (SP): 2021. Disponível em: https://butantan.gov.br/covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-noticias/vacina-coronavac-tecnologia