Em 2019, Rodrigo Borille fez uma compra inusitada na internet: adquiriu algumas larvas de tenébrio, a fase jovem de uma espécie de besouro que possui alto valor proteico. Mal sabia ele que, a partir dali, aquelas larvinhas direcionariam suas pesquisas realizadas no Departamento de Zootecnia e Ciências Biológicas do campus de Palmeira das Missões, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Desde então, Rodrigo começou a estudar os insetos como alternativas inovadoras e sustentáveis para a nutrição animal. Anos antes, ele percebeu que a produção de diversas espécies para fins comerciais estava ganhando força na Europa. Em 2011, a Organização das Nações Unidas tinha lançado um programa para incentivar a criação de insetos: os pequenos animais poderiam ser uma resposta para a luta contra a fome no mundo, já que têm proteínas de alta qualidade na sua composição e são um ingrediente barato. Diante desse cenário, resolveu pesquisar esse ingrediente alternativo – mesmo que nunca tivesse criado um inseto antes: “a não ser aqueles que ficam embaixo dos nossos móveis, não é?”, brinca.
“Eu decidi trazer algo novo para o Brasil. Poucas instituições pesquisam insetos no país e a minha meta é tornar Palmeira das Missões uma referência nesse quesito”, revela o pesquisador. A espécie escolhida foi o Tenebrio molitor, uma larva que se refere à fase jovem de um besouro. Com o objetivo traçado e a espécie estabelecida, Rodrigo comprou larvas do tenébrio na internet, montou um grupo de estudos sobre insetos alimentícios e deu início à pesquisa que busca gerar um produto de alta qualidade para ser introduzido na nutrição de animais.
O tenébrio se alimenta essencialmente de trigo (e seus derivados), que é um ingrediente nobre de produção sazonal, ou seja, acontece apenas em determinadas épocas do ano. Então, no momento em que há menos oferta, o preço sobe. Por isso, a pesquisa liderada por Rodrigo procura sair da dependência exclusiva do farelo de trigo e introduzir ingredientes alternativos como resíduo de cervejaria (composto pela cevada), borra de café, sobra de frutas e bagaço de oliva – que são descartados após o uso. O objetivo é transformar esses componentes em uma proteína boa por meio da bioconversão feita pelo tenébrio – processo em que se utiliza matéria orgânica como fonte de energia. Assim, o estudo verifica o crescimento das larvas e a capacidade de incorporar essas substâncias na alimentação do tenébrio.
Rodrigo destaca que o foco da pesquisa é encontrar a alimentação ideal e mais barata possível para enriquecer o tenébrio com mais nutrientes. “O uso de ingredientes alternativos, como a borra do café, barateia o processo produtivo. E ao transformar a espécie em uma proteína de alto valor biológico, eu faço um serviço ambiental ao reciclar materiais que iriam para aterros sanitários ou virariam adubo na lavoura”, afirma. O professor explica que as larvas têm a habilidade de transformar resíduos de baixa qualidade em alimentos de alta qualidade, ricos em energia, proteína e gordura. A borra do café, por exemplo, enriquece a farinha do tenébrio com ácidos graxos poli-insaturados – ricos em ômega 3 e ômega 6, ácidos graxos importantes para a nutrição humana e animal.
Até o momento, um dos resultados da pesquisa realizada no Laboratório de Nutrição Animal mostrou que a introdução de 10% de borra de café na alimentação do tenébrio resultou em um importante ganho nutricional à farinha feita a partir das larvas do tenébrio. “O bom de estudar o tenébrio é que ele se modela conforme a nutrição. Por isso, a gente tem um potencial muito forte de estudo. Podem-se encontrar no tenébrio os nutrientes necessários para a alimentação de várias espécies perto de nós, a partir da sua criação”, completa.
Produção em larga escala
Paralelamente a isso, o grupo desenvolve uma fórmula de produção de tenébrios em larga escala. Ou seja, estuda-se cada fase específica do ciclo de vida da espécie para tornar o processo mais eficiente, veloz e econômico. Para isso, foram desenvolvidos métodos de reprodução com um casal de besouros, observados o número de ovos gerados, formas de acelerar o processo de postura dos ovos e analisar qual é o melhor ambiente para que os ovos se transformem em larvas e cresçam até o momento da colheita. Esta se refere à fase da pesquisa em que as larvas são coletadas e transformadas em farinha.
Parte do tempo do grupo também é dedicado à produção de equipamentos como aquecedores, umidificadores e ventiladores, essenciais para o cultivo do tenébrio – que precisa de 65% a 70% de umidade relativa do ar, além de cerca de 27 graus de temperatura ambiente. “São nossas gambiarras produtivas”, comenta Rodrigo. O professor ainda revela que busca incentivar os alunos no desenvolvimento de startups, pois é uma área inovadora no Brasil e ainda pouco explorada no mercado. “Eu estou ensinando um método de produção que tem potencial, seja qual for o foco. Assim, os alunos podem ser beneficiados porque têm a oportunidade de montar negócios em cima disso”, completa.
Testes em Ração de Peixe
Próximo ao Laboratório de Nutrição Animal, onde atua Rodrigo, fica o Laboratório de Piscicultura – também localizado no campus de Palmeira das Missões. Nele, a pesquisa sobre o uso do tenébrio entra em nova fase: os testes em ração de peixe. O estudo é coordenado pelo docente do Programa de Pós-Graduação em Agronegócios, Rafael Lazzari, e tem como objetivo usar o tenébrio como fonte alimentar para peixes a partir das rações. A iniciativa também é resultado da pesquisa da zootecnista Joziane Soares de Lima para o mestrado em Produção Animal que foi concluído em 2022.
Conforme o último levantamento divulgado pela Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR), o Brasil produziu, em 2021, aproximadamente 850 mil toneladas de peixes nativos e exóticos, o que representa um aumento de 4,7% em relação ao ano anterior. Diante desse cenário, o estudo da UFSM busca oferecer alternativas para a produção de peixes com o uso do tenébrio na ração, reduzindo a utilização de ingredientes mais caros como o farelo de soja e mantendo o crescimento do peixe em condições adequadas.
A espécie pesquisada foi o jundiá, que há anos é trabalhada na UFSM como uma espécie nativa prioritária e que apresenta grande potencial na região central do Rio Grande do Sul. “Nessas rações, costumamos usar fontes tradicionais como soja, milho e trigo. E o tenébrio é uma opção mais sustentável e que, ao mesmo tempo, apresenta uma boa composição nutricional”, destaca Rafael.
A obtenção da farinha das larvas do tenébrio é a primeira fase realizada pela pesquisa. Nesta etapa, realiza-se a secagem das larvas e, em seguida, o processamento é realizado para obter a farinha – que ainda passa por uma técnica de desengorduramento até estar pronta para a fase de testes. Essa fase da pesquisa, com duração de 49 dias, consiste em adicionar a farinha em cinco rações diferentes. Uma é a ração controle com a fórmula tradicional feita de cereais. E o restante das rações contém a adição de 10%, 20%, 30% e 40% da farinha do tenébrio. “É como se fosse uma dieta. Na medida em que vamos aumentando a quantidade de farinha de tenébrio, o percentual dos ingredientes tradicionais da ração foi diminuindo”, explica o professor Rafael.
Assim, foi possível comparar o crescimento dos peixes a partir de diferentes fórmulas em relação à ração controle. Com o uso de parâmetros de crescimento como peso final, comprimento total e ganho de peso, o estudo comprovou um caminho possível para inovação e sustentabilidade na nutrição animal: ao final dos testes, a farinha de tenébrio se mostrou um ingrediente de alta qualidade. A pesquisa revelou que, independentemente da porcentagem de farinha adicionada, os peixes crescem da mesma forma. “Em todas as rações que testamos, o crescimento foi exatamente igual. Na prática, significa o seguinte: o professor Rodrigo e eu provamos para a indústria que usar tenébrio em fórmulas de ração é uma boa alternativa, especialmente pela qualidade nutricional”, completa Rafael. Com o estudo aprovado, e que deu o título de mestra a Joziane, o objetivo é expandir a pesquisa, mas dessa vez trabalhando com a espécie de peixe tilápia.
Ingrediente do futuro
Para os professores Rodrigo e Rafael, o ingrediente do futuro tem nome: Tenebrio molitor. Essa perspectiva se dá a partir de características como baixo custo de produção e sustentabilidade. Isso porque os insetos apresentam vantagens nutricionais associadas a um menor impacto ambiental, o que introduz sustentabilidade à cadeia produtiva. Além disso, a produção do tenébrio faz pouco uso de água em seu processo e há menor emissão de gases de efeito estufa. “É como se fosse uma reciclagem daquilo que a gente não usa, de produtos que a gente não dá valor, que o tenébrio converte em alimentos de alta qualidade”, observa Rodrigo.
Segundo projeções elaboradas pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), agência que trabalha no combate à fome, o mundo terá cerca de 9 bilhões de pessoas em 2050 e, para alimentá-las, a produção de alimentos precisará dobrar. Em consequência disso, o mesmo relatório aponta que alimentar as populações futuras vai exigir o desenvolvimento de fontes alternativas de proteína como algas, feijões, fungos e insetos.
Na Europa, o uso de insetos já tem sido usado na alimentação humana. Em 2021, a Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) aprovou a larva do besouro Tenebrio molitor como o primeiro inseto seguro para o consumo humano no continente. No Brasil, ainda não há legislação para o uso, mas, para o professor Rodrigo Borille, há chances de ser autorizado no futuro. “E, quando for possível o uso do tenébrio na alimentação humana, já vamos ter estudos como esse desenvolvido na UFSM, com produtos ricos em nutrientes para a saúde”, completa.
Para que o uso do tenébrio e outros insetos possa ser visto como o ingrediente do futuro também no Brasil, Rodrigo afirma que o primeiro passo é a quebra de preconceitos. “Precisamos desconstruir a imagem que os inseticidas criaram de temos que “ser totalmente contra os insetos”. Todos eles têm um papel no planeta e alguns podem servir como alimentos”, afirma.
Expediente:
Reportagem: Thais Immig, acadêmica de Jornalismo;
Design gráfico: Lucas Zanella, estagiário de Desenho Industrial
Fotografias: Isabel Malheiros/Assessoria de Comunicação UFSM-PM
Edição geral: Luciane Treulieb, jornalista