Março de 2020: a Organização Mundial da Saúde decreta que estaríamos enfrentando uma pandemia de Covid-19. Já presente no Brasil desde fevereiro do mesmo ano, não levou muito tempo até ser evidente que o novo coronavírus seria a causa de uma crise no âmbito da saúde pública no país. Ainda assim, essa não era a única preocupação que assolava a população brasileira e diversos estudos têm buscado entender outra questão fundamental: quais seriam os impactos socioeconômicos desta pandemia?
Foi a partir disso que os professores Nelson Guilherme Machado Pinto e Daniel Arruda Coronel idealizaram o “Observatório Socioeconômico da COVID-19: Uma análise do impacto da pandemia em questões econômicas e sociais por meio de uma perspectiva estadual, regional e nacional” (OSE). O projeto faz parte do Grupo de Estudos em Administração Pública, Econômica e Financeira (GEAPEF) da UFSM, coordenado pelos dois, e é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).
Além de mapear e divulgar dados referentes aos impactos socioeconômicos da realidade do estado, das macrorregiões e da economia do país como um todo, ele tem como objetivo promover reflexões – dentro da academia e para a comunidade – a partir de análises de conjuntura e de estudos e discussões que tratam dos mais diversos aspectos da vida dos brasileiros. Para isso, o OSE conta com a colaboração de pesquisadores da UFSM, da UFV (Universidade Federal de Viçosa), da Unipampa, da Universidade de Lisboa, e da IMED-Passo Fundo.
Juntamente aos coordenadores, a equipe é formada por nove pessoas da área executiva – que tem a finalidade de colocar em prática as decisões colegiadas dos membros das instituições participantes -, e 24 pessoas da área operacional – composta pelos bolsistas do projeto, alunos de graduação, mestrado e doutorado da UFSM, responsáveis pela coleta e atualização dos dados e do site, entre outras questões.
O combate à desinformação
De acordo com um estudo da Avaaz – uma comunidade de mobilização online -, sete a cada 10 brasileiros (73%) entrevistados acreditaram em, pelo menos, um conteúdo falso sobre a pandemia de Covid-19. Esses dados foram os mais preocupantes comparados aos dos outros dois países envolvidos na pesquisa – Estados Unidos e Itália – que obtiveram, respectivamente, porcentagens de 65% e 59%. A pesquisa, que foi conduzida virtualmente, contou com pessoas entre 18 e 65 anos, tendo 2001 participantes no Brasil, 2002 na Itália e 2000 nos Estados Unidos, e chegou à conclusão de que a principal fonte de informações falsas viriam de redes sociais.
O combate à desinformação também é uma das preocupações do Observatório Socioeconômico da Covid-19, segundo Daniel Coronel – doutor em Economia Aplicada e coordenador do projeto -, na medida em que uma questão fundamental que norteou as ações do grupo foi fornecer informações sólidas, de maneira didática e transparente: “Esse foi um dos principais pontos. Até por isso umas das seções do site visa trazer decretos, leis e informes oficiais dos governos brasileiro e do Estado do Rio Grande do Sul para que a população possa ter acesso claro, preciso e sem assimetrias dessas informações, bem como análises técnicas e com acuidade sobre os impactos desta pandemia nas principais variáveis econômicas e sociais, corroborando também para a diminuição das fake news, as quais contribuem para a desinformação e a fragmentação da sociedade.”
Para Andressa Pettry Müller, doutoranda em Administração pela UFSM e membro da equipe operacional do projeto, esse aspecto é um dos que representam a importância do OSE. O projeto, ao proporcionar uma maior segurança e agilidade na divulgação de informações que afetam a realidade dos brasileiros, destaca o acesso à informação como um direito legal de todo cidadão: “No momento que estamos vivenciando, as pessoas estão à procura de informações, para saber o que está acontecendo, como devem proceder, precisam de um aparato que lhes traga conhecimento e também que dê segurança quanto à veracidade dos dados. Assim, um projeto como o OSE se mostra de extrema relevância para toda a sociedade, pois traz, de forma transparente, diversas informações que são pertinentes para serem utilizadas por indivíduos, por governantes, por empresas, a fim de identificar o cenário que está sendo vivenciado, podendo ser estimados contextos que podem vir a ocorrer, além de inteirar os mesmos de questões de extrema relevância, como a quantidade de respiradores e UTI’s, por exemplo, que o município ou o estado que a pessoa reside possui.”
Além de desenvolver pesquisas e oferecer suporte para os demais membros da equipe operacional, uma das tarefas da Andressa é a coleta de dados. No site do OSE, há uma sessão que oferece perspectivas municipais – com variáveis mensais e acumulativas do número de habitantes, do total de repasse do Programa de Apoio Financeiro a estados e municípios, da receita total arrecadada, da despesa empenhada, da quantidade de respiradores existentes, do uso exclusivo do Sistema Único de Saúde (SUS) e das Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s) -; estaduais – com tabelas referentes a trabalho e emprego, a desemprego e seguro-desemprego, a empresas constituídas e extintas, a quantidade de respiradores, a criminalidade e a índices de atividade econômica e avaliação de mercado – ; e nacionais – referentes a trabalho e emprego, ao desemprego e ao seguro-desemprego, a inflação IPCA, ao Salário Mínimo Real, à taxa Selic e Câmbio, ao Rendimento Médio da População, aos respiradores e leitos de UTI, ao PIB mensal, e a indicadores econômicos e empresariais.
A responsabilidade do poder público
A disponibilização desses dados e a elaboração de análises feitas pelo projeto também tem como objetivo subsidiar políticas públicas que combatam os efeitos negativos da pandemia no Brasil. Entre os diversos temas trazidos através das análises de conjuntura propostas pelo grupo, está o papel e a importância de medidas como a disponibilização de auxílios durante o período em que vivemos. Um exemplo é o texto “Ampliação do programa Benefício de Prestação Continuada (BPC): essencial para amenizar a pobreza e urgente em tempos de pandemia”, de autoria da doutora em Economia Aplicada e professora do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM, Kalinca Léia Becker.
Em sua análise, Kalinca comenta de maneira favorável sobre as medidas de flexibilização do limite de renda familiar per capita para acessar o Benefício de Prestação Continuada. Ainda, ela retoma um tema já comentado na revista Arco, o auxílio emergencial – na época do texto da pesquisadora, ainda em R$600 -, o qual, de acordo com a Organização das Nações Unidas, tirou temporariamente 32% da população da situação de extrema pobreza. Porém, mesmo naquele momento, o valor da cesta básica já se encontrava maior do que o valor oferecido pelo governo – cerca de R$654, em janeiro de 2020, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) – e os principais reflexos da perda de renda das famílias foram no âmbito da alimentação.
“O auxílio emergencial é uma medida importante para amenizar os efeitos imediatos do desemprego. Porém, no médio prazo, tem efeitos deletérios sobre o orçamento público no caso de queda na arrecadação ocasionada pela diminuição da atividade econômica. As restrições da atividade econômica geram desemprego, diminuem a arrecadação e a oferta, pressionando os preços”, comenta Kalinca.
Em 2021, houve a criação da Medida Provisória nº 1.039, publicada em março, a qual reduziu o valor do auxílio para R$250, em média. Esse corte, juntamente com o aumento dos preços dos produtos de subsistência no mercado – o preço dos alimentos subiu 15% em 12 meses de pandemia, segundo dados do IBGE de março – torna a situação socioeconômica do país ainda mais preocupante.
Segundo a professora, a redução dos impostos em produtos de alimentação básica é uma alternativa viável e importante. “Os impostos são em torno de 30% do valor, dependendo do produto, o que poderia ser consideravelmente reduzido. A principal consequência negativa é a queda na arrecadação, porém, a medida justifica-se por beneficiar, principalmente, a população de baixa renda, além de incentivar a demanda por outros produtos, uma vez que uma parcela menor do orçamento fica comprometida com a alimentação básica, incentivando a atividade econômica.”
No sentido de políticas públicas, o auxílio emergencial se coloca como uma solução a curto prazo, “são necessárias ações e incentivos direcionados para o retorno seguro da atividade econômica, capazes de gerar emprego e renda para a população. Quanto às políticas de renda, essas devem ser desenhadas com mecanismos para que a pessoa consiga alcançar autonomia para sair do programa, como por exemplo, o Bolsa Família […] criando incentivos para que, no longo/médio prazo, as famílias saiam da situação de pobreza e deixem de depender do programa. Ao reduzir o número de famílias beneficiárias, é possível aumentar os recursos para aqueles que recebem o benefício, melhorando o atendimento.”.
Assim, também entra o papel do Observatório Socioeconômico da UFSM, para Daniel Coronel, “O OSE, juntamente com as universidades, os institutos de pesquisa e demais órgãos, visa contribuir para a construção do conhecimento e informações precisas para subsidiar os formuladores de políticas públicas. Além disso, o observatório objetiva que a sociedade, consciente de seu papel de protagonista das decisões políticas e de suas responsabilidades, possa cobrar e fiscalizar as políticas públicas visando mitigar os efeitos deletérios desta pandemia. Esperamos que, com esta pandemia, os agentes políticos, a sociedade civil e os demais atores sociais valorizem o papel das universidades e institutos de pesquisa para a construção do conhecimento, para a transferência de tecnologia e para o desenvolvimento econômico e sustentável”. A ideia do grupo é lançar um livro, ainda em 2021, com o objetivo de deixar um registro para a sociedade das ações e dos materiais desenvolvidos pelo projeto.
Expediente
Repórter: Esther Klein, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Ilustrador: Filipe Duarte, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista
Mídia Social: Nathalia Pitol, acadêmica de Relações Públicas e bolsista; Eloíze Moraes e Martina Pozzebon, estagiárias de Jornalismo
Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas