Entre microscópios, tubos de ensaio e provetas, encontram-se pesquisadores em busca de avanços para a humanidade. A rotina de trabalho consiste em produzir relatórios, analisar estatísticas e obter resultados, por vezes, não satisfatórios, na maioria das vezes, e assim repetir o processo até chegar no caminho certo.
A ciência está presente na rotina dos estudantes, dos professores e dos técnicos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pesquisas realizadas na Instituição, como a investigação da resposta de analgésicos no organismo ou a eficácia de determinados tratamentos para doenças neurológicas, exigem o uso de roedores do Biotério Central em suas etapas experimentais.
A relação da ciência com o Biotério
A UFSM tem, desde a década de 1980, o Biotério Central de criação. Os roedores – uma colônia de Rato Wistar e duas linhagens de camundongos: Swiss e C57BL/6 – são produzidos de forma controlada em áreas que entram apenas pessoas autorizadas e com a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs):luvas, máscaras hospitalares, jalecos, toucas e propés – material de proteção para calçados.
Também existem outros tipos de biotério: o de manutenção, local onde os animais permanecem para se ambientar com as pessoas que vão manuseá-los e com o novo local antes de serem realocados para o de experimentação. Como o nome já diz, esse último é a instalação onde os animais permanecem para a realização dos estudos científicos. Na UFSM, além do Biotério Central de criação – que também é de manutenção -, existem mais de 10 experimentais, de roedores e de lagomorfos – mamíferos de porte pequeno, como coelhos e lebres -, cadastrados no Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA).
Ética no bem-estar animal
O Conselho (CONCEA) foi criado a partir da Lei Arouca, de Nº 11.794, de 2008, que regulariza os procedimentos de experimentação animal no Brasil. Com a Lei, as principais mudanças foram a introdução de métodos alternativos que possam substituir a utilização de animais; a proibição de produzir animais para uma pesquisa mais que o necessário; o tratamento em relação ao bem-estar animal e toda a instituição de ensino e pesquisa vinculada à atividade de experimentação precisa de uma Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA).
Na UFSM, a CEUA é vinculada à Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PRPGP). É composta por 34 profissionais, 17 titulares e 17 suplentes, entre eles biólogos, médicos veterinários, zootecnistas, farmacêuticos, estatísticos, além de representantes da Sociedade Protetora dos Animais.
Diante disso, a implementação da Lei indica os compromissos da comunidade científica com o uso de animais, seguindo o Princípio dos 3 R’s: substituição (replacement), redução (reduction) e refinamento (refinement). Assim, deve-se buscar reduzir o número de animais nos processo de experimentação, substituí-lo sempre que possível e aprimorar os métodos para minimizar o desconforto e estresse animal.
De acordo com a médica veterinária do Biotério Central, Lígia Gomes Miyazato, a ciência que envolve animais de laboratório está em constante evolução e exige cada vez mais a garantia do bem-estar animal e que sejam criados em lugares apropriados, com manejo e cuidado adequado. O programa de bem-estar animal executado dentro do Biotério inclui um conjunto de técnicas como o cuidado com a alimentação, forração da cama, higienização da gaiola e o chamado “enriquecimento ambiental”, um método para tornar o ambiente em que os roedores vivem mais desafiador, interativo e atrativo, com estímulos físicos e mentais similares aos da natureza. Entre os objetos fornecidos que contribuem para seu bem-estar estão bolinhas de algodão, rolinhos de papelão, sementes de girassol e materiais para fazerem ninhos.
Da criação à experimentação
A obtenção do roedor por parte dos pesquisadores para o desenvolvimento das pesquisas também segue uma série de etapas. O primeiro passo é a elaboração do projeto de pesquisa com detalhes sobre os objetivos e os protocolos experimentais a serem realizados. Após isso, o projeto é submetido à Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da UFSM, que o avaliará de acordo com os critérios estabelecidos pelas leis que regem a experimentação animal. Se o projeto for aprovado, o pesquisador estará apto para solicitar os roedores ao Biotério e dar início aos experimentos.
A docente do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFSM e integrante do Laboratório de Neurotoxicidade e Psicofarmacologia (LabNeuro), Sara Marchesan de Oliveira, dedica-se ao estudo da dor que ocorre em diversas doenças. Além de investigar o efeito analgésico de diferentes substâncias, tanto de origem sintética (fabricado) como de origem natural, nessas situações.
Nos últimos anos, seu grupo de pesquisa buscou estudar os possíveis mecanismos envolvidos na dor da fibromialgia – uma síndrome caracterizada por dor crônica e generalizada que se manifesta especialmente nos tecidos musculares e nas articulações. Para isso, foram testados em camundongos possíveis tratamentos capazes de reduzir a dor causada pela doença. Os pesquisadores observaram resultados promissores indicando que o bloqueio de proteínas envolvidas em situações dolorosas – chamadas receptores B1 e B2 -, poderia diminuir a dor em pacientes fibromiálgicos. Essa é apenas uma das etapas do estudo científico, que ainda necessita de testes clínicos em humanos para comprovar a ação de um possível bloqueador dessas proteínas no tratamento de pacientes diagnosticados com esta doença.
Sara destaca que o uso de organismos vivos na pesquisa é fundamental, pois graças a isso é possível conhecer de forma mais detalhada como ocorrem determinadas patologias e também a melhor forma de tratá-las. “Eles são de grande relevância, pois a maioria dos medicamentos disponíveis para o tratamento dos mais diferentes tipos de doenças são oriundos de pesquisas realizadas em laboratório com animais experimentais”, afirma a pesquisadora.
Outro estudo desenvolvido na UFSM com o uso de experimentação animal em seus processos acontece na área de exercício físico e de tratamento de doenças. O professor do Departamento de Métodos e Técnicas Desportivas e coordenador do Laboratório de Bioquímica do Exercício (BioEx), Luiz Fernando Freire Royes, explica que em uma das linhas de pesquisa o grupo observa a contribuição do exercício físico como ferramenta terapêutica em casos de pessoas com doenças neurológicas, sobretudo Traumatismo Crânio Encefálico (TCE). Segundo ele, isso se dá a partir da interpretação das respostas a diferentes estímulos motivados em modelos animais. “Acreditamos que os resultados em modelos experimentais até o momento possibilitem um melhor controle e monitoramento das intensidades de exercício estabelecidas em programas de pós TCE em humanos”, ressalta o professor.
Métodos alternativos
Os roedores são os modelos mais comuns em experimentos científicos, pois apresentam similaridade genética com os humanos. Ou seja, os genomas – sequência completa de DNA de cada organismo – são parecidos. Assim, com a importância do uso de animais para a ciência, é necessário cada vez mais a busca por métodos alternativos para a sua substituição. Segundo a médica veterinária do Biotério Central, Fernanda Soldatelli Valente, na UFSM, já são utilizados, por exemplo, o cultivo de células (in vitro), análise de resultados por programas computacionais, utilização de vídeo-aulas para demonstração de técnicas e procedimentos.
Ademais, como forma de reduzir a utilização de modelos vertebrados, os pesquisadores, quando possível, conseguem realizar a experimentação animal em apenas algumas etapas da pesquisa. A Pró-Reitora de Pós-graduação e Pesquisa, Cristina Wayne Nogueira, desenvolve estudos na área da bioquímica toxicológica, com ênfase no potencial farmacológico de moléculas inéditas que contenham os átomos de selênio ou de telúrio. A primeira parte do estudo são testes pré-clínicos in vitro e depois, com a obtenção dos resultados, começa-se a manipulação dos roedores.
Em 2012 foram criados o Centro Brasileiro para Validação de Métodos Alternativos e a Rede Nacional de Métodos Alternativos com o objetivo de estudar e de verificar novas estratégias para a substituição do uso de animais. A cosmética é um exemplo de área que, cada vez mais, procura reduzir ou acabar com a utilização, pautada nos princípios do bem-estar animal.
Inovações na UFSM
Para manter um espaço como o Biotério Central são necessários constantes investimentos que refletem na qualidade da ciência desenvolvida na Universidade. Além disso, o espaço atende à demanda da UFSM por animais experimentais, mas também de outras instituições que não dispõem de um biotério de criação ou que simplesmente necessitam de outras linhagens. Pensando nessas necessidades, é projetado, na UFSM, a construção de uma nova infraestrutura para contemplar os processos de experimentação de forma integrada e multiusuária ao prédio que já aloja a criação. Isto é, reunir as atividades que, atualmente, estão dispersas em biotérios de experimentação descentralizados nas diferentes unidades de ensino.
Conforme Cristina Nogueira, a construção da nova estrutura também busca uma melhor adequação às normas vigentes que tratam da produção, manutenção e utilização de animais para atividades de ensino ou de pesquisa científica. Com isso, será possível o fornecimento de animais com alto grau de excelência, qualidade genética e sanitária. “O atendimento a esta demanda possibilitará pesquisas na fronteira do conhecimento e garantirá o aumento na qualidade e produtividade científica na UFSM”, afirma Cristina.
A adequação, prevista para ser realizada no decorrer do ano de 2022, vai possibilitar a realização de estudos com animais geneticamente modificados e pesquisas de infecção com patógenos – agentes biológicos que provocam infecções no homem ou nos animais – da classe de risco dois, o que representa um passo importante para pesquisas de desenvolvimento de vacinas e fármacos, por exemplo.
Expediente:
Reportagem: Eduarda Paz, acadêmica de Jornalismo e bolsista; e Caroline de Souza Silva, acadêmica de Jornalismo e voluntária;
Design gráfico: Noam Wurzel, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista;
Mídia social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Ana Carolina Cipriani, acadêmica de Produção Editorial e bolsista; Ludmilla Naiva, acadêmica de Relações Públicas e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; e Gustavo Salin Nuh, acadêmico de Jornalismo e voluntário;
Relações Públicas: Carla Isa Costa;
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Edição geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas.