Ao imaginar uma pessoa gaúcha, é comum que se pense em um indivíduo cisgênero, heterossexual e branco. Essa representação normativa perturbou o artista Márcio Cardozo, que passou a vida tentando se encontrar em cenas do seu cotidiano, ora no Centro de Tradições Gaúchas (CTG), ora na arte e, infelizmente, nunca com sucesso.
A partir da angústia de não se sentir representado nos espaços que ocupava, Márcio propôs uma reconstrução artística para preencher lacunas existentes na imagem de peões e prendas. O pintor utilizou-se da tela de algodão e da tinta a óleo de linhaça para criar corpos negros gaúchos com expressividade e irreverência.
A intenção de Márcio com seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Artes Visuais, intitulado Representatividade Pictórica Negra: Ressignificações de Cenas Características da Cultura Gaúcha, foi a de fazer uma provocação e incitar um novo olhar sobre a cultura gaúcha. Para atingir esses objetivos, ele criou uma narrativa repleta de personagens negros intelectuais, famílias pretas bem estruturadas (rompendo com o estereótipo de família preta brasileira sem estruturas) e cenas típicas do pampa sul-riograndense.
Para eliminar a marginalização de pessoas negras e trazer o elemento do intelecto às suas obras, Márcio buscou retratar nas pinturas o jornal O Exemplo, um noticiário pós-abolicionista gaúcho financiado por pessoas negras e antirracistas. “A arte é uma válvula para recontar a história com uma potência transformadora que possibilita uma nova postura e reflexão”, pontua Márcio sobre os elementos que compuseram sua criação artística.
Além disso, ele foi responsável por fabricar grande parte do material de pintura durante a criação das telas. Como vegano, ele não utilizou nenhum utensílio que prejudicasse animais, fez uso de tintas naturais, madeira, algodão cru e pincéis de fibra. Confira algumas das obras resultantes do trabalho de Márcio neste Ensaio.
Reportagem: Isadora Pellegrini
Diagramação: Noam Wurzel