A psicologia social feminista é um subcampo da psicologia que se dedica tanto à pesquisa acadêmica quanto à prática profissional e leva em conta a intersecção do campo com as compreensões de gênero, de identidades de gênero e de orientações sexuais. Um grupo de pesquisadoras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) ofereceum curso sobre Psicologia Feminista com o objetivo de familiarizar os participantes com os conceitos do campo feminista, além de fomentar uma compreensão da psicologia que esteja implicada com o contexto social, político e cultural. O curso se destina tanto à comunidade acadêmica quanto ao público externo e as vagas são limitadas. As inscrições estão abertas até sábado (19) e podem ser feitas por meio deste link.
O curso é desenvolvido e ministrado pelas doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) Caroline Matos Romio, Mariana de Almeida Pfitscher e Mirela Sanfelice. Caroline atua como psicóloga na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFSM e tem graduação em Psicologia e mestrado também na instituição. Mariana é docente e coordenadora do curso de Psicologia da Ulbra de Santa Maria, é formada em Psicologia pela mesma instituição e licenciada pelo Programa Especial de Formação de Professores da UFSM. Mirela tem mestrado em Ciências Sociais pela UFSM e experiência em psicologia de emergências e desastres. A coordenação da iniciativa é da professora Adriane Roso, docente no Curso de Psicologia, no PPGP, no curso de Especialização em Estudos de Gênero e coordenadora do Núcleo VIDAS, de Pesquisa, Ensino e Extensão em Psicologia Clínica שםל Social. De acordo com a doutoranda Caroline Romio, esses caracteres em hebraico que interligam as palavras clínica e social indicam a palavra complementaridade.
A Revista Arco conversou com as doutorandas responsáveis pelo curso para saber mais sobre ele e as teorias que articulam psicologia e feminismo. Confira:
Arco – De onde surgiu a ideia de montar e ofertar um curso sobre a Psicologia Feminista? Poderiam falar sobre a iniciativa?
Caroline, Mariana e Mirela – Nós somos psicólogas e feministas, o interesse surgiu do desejo de promover, através de uma atividade de extensão, o compartilhamento de conhecimentos científicos e experiências acerca dos feminismos, enfatizando as possíveis intersecções entre feminismo e psicologia. O curso também está articulado à disciplina de Estágio de Docência Orientada previsto pelo PPGP.
Arco – Os dois primeiros módulos do curso abordam teorias feministas. Qual a importância de primeiro ter esse conhecimento teórico básico para, posteriormente, abordar a intersecção entre psicologia e feminismo?
Caroline, Mariana e Mirela – O nosso propósito é disponibilizar o curso para todas as pessoas que se interessarem pela temática e, para isso, consideramos indispensável apresentar como estamos compreendendo o feminismo, a pluralidade de expressões do movimento, suas reivindicações históricas, desde a ampla conquista do voto pelas mulheres até as temáticas emergentes e atuais. Após a apresentação dessa base, propomos algumas intersecções com o campo da psicologia. Lembrando que uma vez que o curso não se dedica exclusivamente a psicólogas e psicólogos, as articulações propostas são conceituais e abrangentes.
Arco – A intersecção entre feminismo e psicologia é uma linha de pesquisa/estudo na área? Poderiam explicar um pouco sobre isso?
Caroline, Mariana e Mirela – Sim, é uma linha de estudos. É importante dizer que a psicologia é um campo de conhecimento plural. Nós compreendemos o feminismo em intersecção com a vertente da psicologia social. A psicologia social apresenta alicerces para pensarmos a intervenção da psicóloga e do psicólogo comprometidos com a escuta do sujeito integrado à sua realidade social, buscando produzir conhecimentos que contribuam para a superação das iniquidades e injustiças sociais.
As epistemologias feministas se integram com a psicologia produzindo saberes que fomentem relações mais equitativas e respeitosas entre todas as pessoas, indiferente de sua identidade de gênero ou orientação sexual.
Arco – O que é a psicologia social feminista?
Caroline, Mariana e Mirela: A psicologia social feminista é um subcampo da psicologia que se dedica à pesquisa acadêmica e à prática profissional dedicada à compreensão do gênero, das identidades de gênero e orientações sexuais. A psicologia social feminista também questionou modelos de produção de conhecimento na psicologia centrados em uma compreensão que seria supostamente neutra e universal, destituída de contexto histórico e político. A psicologia social feminista desafiou crenças culturais sobre a natureza feminina inata e, também, estereótipos sobre vários grupos de mulheres. As psicólogas feministas também estudaram e destacaram o papel que o gênero desempenha na distribuição de poder na sociedade.
Arco – Existe uma diferença de abordagem da psicologia feminista para outros métodos de atuação na área? Poderiam citar características específicas que a prática da psicologia feminista engloba?
Arco – O que são terapias feministas? Poderiam citar um exemplo?
Caroline, Mariana e Mirela – Terapias feministas tratam de práticas de intervenções psicossociais que se fundamentam nas teorias feministas e nos referenciais teóricos/técnicos da psicologia. Entre os diferentes contextos de intervenções, podemos citar o trabalho com grupos, uma prática importante nas instituições, tais como escolas, organizações, políticas públicas e intervenções comunitárias. No contexto das terapias feministas, práticas grupais de escuta podem ser desenvolvidas voltadas a vivências de mulheres vítimas de violência; grupos voltados às experiências com a maternidade; grupos com adolescentes sobre direitos sexuais e reprodutivos, entre outras demandas. Destacamos que o Núcleo VIDAS desenvolve um projeto de extensão que realiza atendimentos à comunidade acadêmica e externa que são periodicamente planejados e divulgados a quem se interessar em participar. Além disso, cabe lembrar que, além de intervenções grupais, existem outras metodologias terapêuticas que podem ser desenvolvidas e planejadas no contexto feminista, como práticas de acompanhamento. As terapias feministas somam o campo do fazer psicológico, indicando o compromisso ético e político da profissão que deve acompanhar a história da nossa sociedade e as necessidades subjetivas de uma cultura, os reflexos das desigualdades sociais e as práticas excludentes.
Arco – Pode falar sobre a intersecção entre feminismo e psicanálise?
Caroline, Mariana e Mirela – A teoria psicanalítica consolidada por Sigmund Freud no final do século 19 e por mais de três décadas do século 20 marca a descoberta e os estudos sobre o inconsciente. As investigações psicanalíticas partiram da escuta das mulheres e suas manifestações de sofrimento psíquico que se refletiam no corpo. Nesta perspectiva, o ponto de encontro da psicanálise e do feminismo se constitui na medida em que as teorias propõem um olhar para a cultura, os destinos atribuídos à mulher e ao seu corpo, os ideais sociais e sua posição nos espaços públicos. Assim, a intersecção entre os dois campos se constitui em encontros que se somam e potencializam o lugar de fala das mulheres, descortinando um silenciamento histórico e cultural.
Arco – De que forma uma abordagem feminista pode contribuir no tratamento psicológico?
Caroline, Mariana e Mirela – Acreditamos que integrada a essa pergunta está a pergunta sobre qual a finalidade de um tratamento psicológico. Ignácio Martin-Baró, um importante intelectual e psicólogo social que morreu reivindicando a garantia dos direitos humanos em El Salvador sinalizava a importância da construção de uma psicologia capaz de produzir saberes que dialoguem diretamente com as demandas vivenciadas pelas pessoas.
Quando pensamos no tratamento psicológico, podemos dizer que ele objetiva construir possibilidades para as pessoas produzirem espaços de fala sobre si e seus sofrimentos, da elaboração das suas narrativas de vida, e da construção de novas experiências de vida sustentadas em um referencial de autonomia, respeito e cuidado.
Dessa forma, a abordagem feminista contribui para compreender os sofrimentos, especialmente das mulheres e meninas, localizando esses sofrimentos em uma realidade social perpassada por iniquidades de gênero. Ainda, a abordagem feminista oferece saberes que podem auxiliar a toda a sociedade no processo de superação dessas iniquidades.
Arco – A abordagem feminista no tratamento psicológico pode auxiliar mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência, qualquer que seja seu escopo? De que forma?
Caroline, Mariana e Mirela – A abordagem feminista pode contribuir para que a atuação da psicóloga e do psicólogo em todos os seus âmbitos seja comprometida com a construção de uma sociedade mais equitativa. Quando pensamos especificamente no tratamento psicológico, a profissional estará presente no atendimento para escutar toda a complexidade da experiência subjetiva vivenciada pela pessoa em atendimento que foi vítima de violência. Mas a compreensão que a profissional produzirá sobre a experiência dessa pessoa também será amparada no reconhecimento das dinâmicas de poder que tornam mulheres, crianças e adolescentes mais suscetíveis a enfrentarem violências em nossa sociedade.
Expediente:
Entrevista: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Design gráfico: Cristielle Luise, acadêmica de Desenho Industrial e bolsista;
Mídia social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Rebeca Kroll. acadêmica de Jornalismo e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; Gustavo Salin Nuh, acadêmico de Jornalismo e voluntário; Ana Carolina Cipriani, acadêmica de Produção Editorial e voluntária;
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Edição geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas.