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Professora de História da UFSM concorre ao Prêmio Açorianos

Arco Entrevista Nikelen Witter, indicada ao Prêmio Açorianos na categoria ‘Conto’



Criado em 1977 pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, o Açorianos é uma das mais importantes premiações culturais do Rio Grande do Sul e que, além da literatura, também reconhece os trabalhos de destaques nas áreas de música, teatro, dança e artes plásticas. O prêmio Açorianos de Literatura contempla obras de dez categorias: Conto, Crônica, Ensaio de Literatura e Humanidades, Especial, Infantil, Infanto-Juvenil, Narrativa Longa e Poesia. O vencedor de cada categoria concorre ao Livro do Ano.  

 

A premiação desta edição, que ocorre em 17 de fevereiro de 2022, tem na lista de indicados dois docentes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM): Nikelen Witter e Andre Zanki Cordenonsi. Na reportagem de hoje, a Revista Arco  entrevista a escritora e professora Nikelen Witter.

Colagem horizontal e colorida. Na direita da imagem, fotografia de uma mulher, em preto e branco, de perfil; ela olha para baixo e segura uma caneta em uma das mãos; tem pele clara, cabelos escuros, curtos e cacheados; usa óculos e veste casaco escuro; na gola do casaco, ilustração da gola glorida em azul claro. Abaixo da caneta, pedaço de papel rasgado com escritos. Ao lado esquerdo, colagem de flores nas cores amarelo, branco, laranja e rosa, um livro aberto, um olho e um mosquito. Na parte inferior, colagem de texturas: lisa na cor marrom e branco e preto quadriculado, juntadas por pedaços de fita. Acima, ao fundo da fotografia, um sol laranja, duas nuvens pequenas, uma borboleta laranja, ilustração de revoada de 12 pássaros roxos sobre fundo de textura amarela. o fundo é roxo.

Nikelen é graduada em História pela UFSM, tem mestrado em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e é doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É autora do livro ‘Dizem que foi Feitiço: as práticas de cura no sul do Brasil (1845-1890)’. Atualmente, é professora do Departamento de História da UFSM e se dedica a investigações de questões que envolvem Gênero e História das Mulheres na época contemporânea. É também escritora com diversas obras de ficção como ‘Guanabara Real e a Alcova da Morte’; ‘Territórios Invisíveis, Viajantes do Abismo’ e ‘Dezessete mortos’, livro com o qual ela concorre ao Prêmio Açorianos de Literatura. Confira a entrevista a seguir:

ARCO – Qual foi sua primeira reação ao receber a notícia da indicação ao prêmio?

 

NIKELEN WITTER – Quase descrença. Vou te dizer que, no [Prêmio] Jabuti, havia uma categoria em que era possível concorrer, a categoria do romance de entretenimento. No Açorianos, eu achava mais difícil que uma coletânea com textos góticos fosse colocada entre os finalistas. Então minha reação foi “Nossa, como assim?”. Mas foi muito legal.

 

ARCO – Quais livros formaram a professora e a escritora que você é hoje?

 

NIKELEN- Eu sempre fui muito leitora, então é muito difícil selecionar alguns livros. Quando eu tinha treze anos, minha família se mudou, eu saí de um bairro para outro, saí de um lugar onde eu tinha vivido a minha infância, em que tinha amiguinhas na rua, para outra região de Santa Maria. Quando eu tinha 17 anos, perguntaram para minha mãe se eu era visita, porque ninguém me via, eu ia do colégio para casa e em casa eu estava no meu quarto lendo o tempo todo. Quando eu tinha dez anos, meu presente de aniversário foi um dicionário de mitologia grega e eu acho que ele foi um dos livros mais importantes que eu já tive. Até hoje, 38 anos depois, eu me sirvo dele para pegar bases para histórias que eu estou escrevendo. E quem já teve aula comigo sabe que eu uso muito a mitologia como exemplo ou alegoria de várias coisas, então acho que esse é um livro bem fundamental na minha vida.

Mas te dizer qual foi o livro que me fez pensar “eu quero ser escritora ou eu quero ser professora, eu quero trabalhar com História” é difícil, porque foram coisas que eu sempre quis: escrever livros e estudar História.    

 

 
 

ARCO – ‘Dezessete Mortos’ é um livro de contos com uma pegada de terror. De onde surgiu a inspiração para a escrita e o que te motivou a escrever sobre essa temática? 

 

NIKELEN- Eu não curto filmes de terror, mas eu sempre gostei de livros de terror, especialmente esse terror não declarado, gótico, que não é simplesmente assassinato, mas que tem uma sombra. Sempre foi uma coisa que eu curti muito, ainda mais quando mescla  com elementos históricos, lendários, com histórias que contamos à noite para crianças. Eram as histórias que eu ouvia e essas histórias sempre me povoaram. Quando aparecia algum edital, alguma coisa que pedisse contos nessa linha, eu recuperava essas ideias lá do fundo e escrevia.

“Acho que sempre foi algo que me habitou, eu curto esse imaginário gótico, escuro e não bem definido: a coisa de você entrar em um quarto escuro e não saber o que tem lá e, em geral, não é nada vivo.”

ARCO – Qual o estilo que você mais gosta de utilizar na escrita?

 

NIKELEN- Eu gosto da escrita do fantástico, daquilo que não é absolutamente realista, talvez até para diferenciar da minha escrita para a História. Desde a primeira história de ficção que escrevi, durante a 7ª série,  me voltei para esses elementos fantasiosos e fantásticos. Depois, à medida que fui me desenvolvendo na área da História, o meu tema de trabalho, pelo menos nos primeiros dez anos como pesquisadora, foi a questão da saúde. E ela envolve doença e morte, não é um tema leve, é um tema que me exigia como pesquisadora e como escritora; e que usa muito o sofrimento humano como base para pesquisa, para tentar entender como as pessoas lidavam com isso. Quando eu decidi que queria escrever de forma profissional, me sentia mais confortável colocando na escrita esses elementos fantásticos e fantasiosos.  Isso também tem a ver com a minha leitura de passatempo e de entretenimento, com a literatura que costumo consumir. Minha leitura é voltada para esse tipo de livro, então escrevo sobre isso, tenho muito mais dificuldade de me apegar a um livro de ficção que seja realista. 

 

ARCO – Em 2019, você ofertou uma disciplina que pensava a inserção da História em livros distópicos e de ficção, a exemplo de Harry Potter. Pensando nisso e nos seus livros, existe uma intersecção entre o lado professora e o lado escritora? De que maneira?

 

NIKELEN- Acho que sim. ‘Dezessete mortos’, por exemplo, tem muitos elementos de História, até mesmo uma história quase alternativa. No conto ‘O terror dos teus inimigos’, eu uso um personagem do Rio Grande do Sul, o Moringue, que foi um dos líderes legalistas durante a Revolução Farroupilha, então acho que ali tem muitas conexões. O próprio ‘Viajantes do Abismo’, livro que foi um dos finalistas do Jabuti, partiu de um processo crime, e a partir dele fui trabalhando com elementos que envolviam o caos ecológico que vivemos e que, como professora, eu historicizo esse momento e como nós chegamos a ele. Acaba sendo uma alegoria para falar de diversos elementos que são absolutamente realistas, só que escritos de forma muito alegórica.

“Eu acho que é nesse caminho que eu vejo a minha intersecção entre a professora-pesquisadora e a escritora. A escritora se alimenta desses elementos e os transforma em um texto ficcional que alfineta alguns pontos sensíveis da nossa percepção da realidade. ” 

ARCO – A literatura se insere em seus objetos de pesquisa? De que forma?

 

NIKELEN- Eu defendi meu doutorado em 2007 e, quando saímos do doutorado, não queremos olhar aquele material porque estamos muito cansadas. Mas, depois de dois anos, decidi que queria estudar e pesquisar outras coisas. Aí surgiu a ideia da História da Leitura, como as pessoas leem e colocam o livro como um material fundacional delas. A partir daí, não consegui mais me separar da literatura, eu uso como base de pesquisa, de aula e de formação. A literatura nos dá um alcance da mentalidade de uma determinada época que nenhum livro de História te dá, tanto com o conteúdo do livro quanto com a forma com que as pessoas leram e receberam aquele livro.

Eu fiz um projeto de extensão no ano retrasado [2020], em que lemos autoras brasileiras que estiveram de fora do cânone, e as perguntas eram: Por que estavam fora do cânone? Por que elas foram esquecidas pelo cânone?  Por que não foram lidas? Por que foram alijadas pelos leitores, crítica da época e pelo próprio mercado? Isso diz muito da época em que elas escreveram e também diz muito sobre a gente, uma vez que estamos resgatando e lendo elas. A partir daí, faço a minha análise histórico-social, que envolve uma “marca” da minha pesquisa que é a questão do gênero. Um exemplo são perguntas como: Por que ainda encontramos homens que dizem não ler livros escritos por mulheres?; ou Por que a leitura de determinadas mulheres modifica a forma como determinados homens atuam no mundo? Isso é muito legal e eu acabo interseccionando esses elementos nos meus afazeres de pesquisadora. 

 

ARCO – A literatura pode ser considerada uma ferramenta para o ensino? Por quê?

 

NIKELEN- Acho que sim, na verdade eu acho que ela é fundamental. Eu sou daquele tipo de leitora que acredita o seguinte: eu vivo coisas tão maravilhosas e incríveis lendo, que fico muito triste de conhecer uma pessoa que não lê, porque eu penso o que essa pessoa está perdendo de viver, saber e se divertir. Quando pequena, eu não entendia quando as pessoas me diziam que eu não estava fazendo nada, só lendo. Como assim não estou fazendo nada? Eu estou em outro lugar, em outra época, navegando os sete mares, puxando espada, eu estou fazendo milhões de coisas!

E acho que é algo importante para mim, como professora e formadora de professores, mostrar o quanto essa paixão pode ser enriquecedora no processo de ensino e aprendizagem. Nas minhas disciplinas correntes, atualmente História Contemporânea do Século 20, eu sempre peço um ensaio acadêmico de um livro escrito na época que estamos estudando. Isso é usado para destrinchar livros,  textos  e debates que fizemos em aula, e os resultados são sempre fantásticos e incríveis. Alunos já me disseram que encontram o livro da sua vida nessa leitura, outros que foram fazer seu Trabalho de Conclusão de Curso sobre os livros que escolheram.

Então acho que, se eu conseguir formar professores que se apaixonem pela leitura da ficção, eles vão levar isso para seus alunos também, vão envolver seus alunos no processo.

Eu não sou das Letras, sou da História, mas acho que isso não precisa ficar restrito às Letras, pode estar em qualquer disciplina que tenha uma professora ou professor que use essa paixão, porque a literatura nos permite passear por todas essa nuances. Sempre tem uma forma para puxarmos a História e isso é riquíssimo. Por exemplo, a própria ficção científica,  o que tem a ver  com a História? Não podemos esquecer que, embora a ficção científica imagine o futuro, ela é escrita do presente e são as angústias do presente que ela vai responder.

É isto que eu penso que é legal e interessante  trabalhar: que você pode trazer mais estudantes a se encantarem com a sua disciplina – em vez de chegar com aquele conteúdo quadradinho sempre -, por isso me interessa formar professores que tenham essa bagagem, porque eles serão mais efetivos em sala de aula, na hora de conquistar e levar coisas diferentes para seus alunos.

 

ARCO – Para finalizar, gostaria de saber: o que significa a literatura para você? 

 

NIKELEN WITTER – Viver mais, com mais profundidade, amplitude e horizonte. Literatura para mim é isso. 

 

Expediente:
Entrevista: Karoline Rosa, acadêmica de Jornalismo e voluntária;
Design Gráfico: Ana Carolina Cipriani, acadêmica de Produção Editorial e voluntária;
Mídia Social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; Gustavo Salin Nuh, acadêmico de Jornalismo e voluntário;
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas.
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