Considerado uma das premiações culturais mais importantes do Rio Grande do Sul, o Prêmio Açorianos de Literatura está em sua 27ª edição e tem, entre os indicados, dois professores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Nesta quarta-feira (16), a Arco começou o mini dossiê sobre o prêmio com a entrevista da historiadora Nikelen Witter. Hoje, o Arco Entrevista é com o professor Andre Zanki Cordenonsi, da Arquivologia.
Andre Cordenonsi é graduado em Informática pela UFSM, tem mestrado em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutorado em Informática na Educação também pela UFRGS. Atualmente, é professor do Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural e do Mestrado Profissional em Tecnologias Educacionais da UFSM. É escritor e autor de livros sobre o mais famoso detetive de todos os tempos: Sherlock Holmes. Entre suas obras, estão ‘Sherlock e os Aventureiros’ – indicada nesta edição ao Prêmio Açorianos -, além de ‘Le Chevalier’; ‘O Selvagem do Himalaia’ e ‘A Irmandade do Olho do Corvo: as crias de Hastur: 1’. Confira a entrevista a seguir:
ARCO – Qual foi sua reação ao receber a notícia da indicação ao prêmio pela segunda vez?
ANDRE CORDENONSI – Na verdade, fiquei bastante surpreso, porque o livro indicado é o terceiro livro da série. Não é uma coisa muito comum: normalmente, quando você lança uma série, o primeiro livro chama mais atenção, não é tão usual os demais serem indicados a prêmios. O primeiro, ‘Sherlock e os Aventureiros – O mistério dos planos roubados’, foi indicado a três prêmios: o Minuano, o Açorianos e o da Associação Gaúcha de Escritores (AGES). Ele ganhou o Minuano e perdeu o AGES para mim mesmo, porque fui indicado com outro livro, o ‘Guanabara Real’. Mas fiquei bastante feliz, a indicação já é um prêmio muito grande. Como é o maior prêmio do Rio Grande do Sul, ficar entre os três melhores do ano já é um sinal muito positivo, e para série também – afinal de contas, uma série com três livros que contém quatro indicações mostra a qualidade do trabalho.
ARCO – Quais livros formaram o escritor e o professor que você é hoje?
ANDRE – Na infância, os livros que me marcaram foram a coleção ‘Cachorrinha Samba’ e ‘A Montanha Enfeitiçada’, ambos da Maria José Dupré. Eram livros que misturavam História do Brasil com a fantasia e ficção.
O livro que me marcou na juventude foi ‘Os Meninos da Rua Paulo’, de Ferenc Molnár, porque um dos protagonistas morria no final do livro e foi a primeira vez que eu vi, em um livro infanto-juvenil, o protagonista morrer, e aquela ideia de uma criança morrer me chocou. Eu já estava lendo livro policial, mas, em um livro infanto-juvenil, uma criança morrer, na época me deixou perplexo: “dá para fazer isso no livro? Eu posso matar um protagonista tão jovem assim?”. Um pouco depois, entra Agatha Christie e eu começo a me interessar por histórias policiais, do gênero fantasia. A maior parte das literaturas infanto-juvenil acaba brincando com fantasia, de alguma forma ou outra, apesar de ter muita coisa realista. Então eu entro na literatura de gênero com a Agatha Christie e, mais tarde, com Sherlock Holmes.
ARCO – Vários autores já se inspiraram no personagem Sherlock Holmes, das mais diversas formas. O que levou você a construir a narrativa da história voltada para o público infanto-juvenil na coleção de livros ‘Sherlock e os Aventureiros’ ?
ANDRE CORDENONSI – Quando eu concebi a história, já foi como uma série de cinco livros – ou seja, não é uma coisa pequena -, então eu queria mostrar para a editora que o projeto estava bem construído. Eu fiquei um bom tempo pesquisando e lendo sobre Sherlock Holmes, criando a história, para entregar algo mais encaminhado. Eu já tinha escrito os três primeiros livros, mostrei para eles e foi aprovado.
Antes de as obras sobre Sherlock Holmes entrarem para o domínio público, pagavam-se royalties para os sobrinhos-netos do Arthur Conan Doyle, família indireta que cuidava dos títulos do autor. Quando entrou em domínio público, a grande maioria dos autores e projetos trabalhavam com o Sherlock adulto, mas houve algumas iniciativas para explicar o Sherlock jovem. O grande problema é que se sabe muito pouco sobre ele jovem, pois em todos os contos e romances, o Conan Doyle dá pouquíssimas informações sobre a juventude do personagem. Tem um conto que o próprio Sherlock narra – um dos poucos que ele é o narrador e não o Watson – um dos casos da juventude, que ocorreu enquanto ele frequentava a universidade. Ali temos o maior número de informações, e ele não era tão jovem, o meu Sherlock é mais jovem que isso. As pessoas começaram a tentar descobrir como poderia ter sido a juventude e, com isso, surgiram biógrafos.
Quando pensei em começar a produzir a série, sabia que queria escrever sobre a juventude dele, porque era uma coisa que me intrigava, assim como à maioria dos fãs. Estava pensando em escrever para o público infanto-juvenil, mesmo que a maior parte do meu trabalho não tenha esse público como alvo. Queria que meus livros pudessem ser trabalhados em escolas.
O principal objetivo era dar uma resposta à pergunta de como ele se torna o maior detetive de todos os tempos. E como tinha a ideia de ser usado em escolas, criei uma concepção que se perpetua em toda a série: como ele se torna o maior detetive de todos os tempos? É porque ele tem bons professores. E quem são esses bons professores? São personalidades intelectuais importantes da época, que convivem com ele e também são jovens. No primeiro livro, é o Nikola Tesla, engenheiro que se tornou um dos aventureiros e o acompanha até o quinto livro. No segundo livro, é a Ada Lovelace, matemática e uma das mães da computação moderna. No terceiro, ele se aproxima da Química com Louis Pasteur, francês que cria o sistema da pasteurização. É sempre isso: ele encontra alguém jovem, próximo da sua idade, que o ajuda a entender algum aspecto de algo que o auxilia a se tornar detetive.
ARCO – ‘O Selvagem do Himalaia’ e ‘A Irmandade do Olho do Corvo: as crias de Hastur: 1’ são livros de aventura, fantasia e ficção científica. O que te inspira para escrever livros com essa temática e narrativa?
ANDRE CORDENONSI – Eu sempre gostei de literatura de gênero. Comecei com a história do detetive, depois fui para ficção científica, terror e assim por diante. As três vertentes do fantástico, que são fantasia, terror e ficção científica, foram o que eu mais consumi durante a infância e adolescência. Com o ‘Le Chevalier’, que tem os livros e os quadrinhos, eu caí na ficção científica. ‘O Selvagem do Himalaia’ vai para ficção científica de novo, mistura um pouquinho de fantasia e ficção científica. O jovem Sherlock é um detetive, mas flerta um pouco com ficção científica e fantasia. Essas três vertentes são formas de contar histórias, mas, no final das contas, o que temos e o que importa é o que acontece com os personagens principais. Eles vão enfrentar problemas, situações em que não vão saber o que fazer, vão ocorrer problemas com seus familiares. No final das contas, o livro é sobre os personagens principais que emulam nós mesmos, sempre estamos falando sobre nós mesmos ou nossa sociedade, eu sou produto do meu tempo.
“Eu gosto de trabalhar com o passado. Primeiro, porque gosto de história de época e, segundo, porque trabalho muito tempo no futuro – como sou professor de computação, passo o dia inteiro falando sobre o futuro. Então, todas as minhas histórias são temporalmente no passado.”
ARCO – Com relação a sua área de atuação, a Arquivologia, existem nas obras elementos que contemplam a área? De que maneira eles são inseridos na narrativa?
ANDRE CORDENONSI – A minha área de formação é a Computação, mas eu fiz concurso para Arquivologia para trabalhar com a área de documentos digitais, que é onde atuo. Como estou há 15 anos lá, aprendi muitas coisas que acabam dentro da minha narrativa. Por exemplo, no livro ‘Le Chevalier’, eu tenho um personagem que é arquivista, que aparece nos romances e nos quadrinhos, que talvez fosse algo que eu não pensaria se não estivesse inserido aqui dentro. Na Arquivologia, se trabalha muito com a ideia de preservação de documentos e informações, e documentos envolvem diversos tipos, como o de papel, áudio, vídeo e fotografias. Tudo isso eu trabalho no formato digital e tive que mostrar no analógico, tive que pesquisar para as aulas e, de vez em quando, aparece algo das pesquisas nas minhas histórias.
ARCO – A literatura se insere em seus objetos de pesquisa? De que forma?
ANDRE CORDENONSI – Sim, já fiz alguns trabalhos com alunos que pesquisaram em arquivos de autores ou em arquivos pessoais que envolviam autores. De alguma forma isso interfere, porque a literatura mexe com essa área. Por exemplo, eu estou com uma aluna no mestrado que está estudando formas de ensinar literatura para crianças. De vez em quando, dá para brincar utilizando jogos digitais, eu consigo colocar alguma coisa de literatura nisso, mas não sempre. Mas, por causa da minha área de formação, eu tenho trabalhado com pensamento computacional, que é ensino de lógica para jovens, o que se afasta bastante da área [literatura], mas, de vez em quando, conseguimos inserir alguma coisa.
ARCO – Para finalizar, gostaria de saber: o que significa a literatura para você?
ANDRE CORDENONSI – Literatura, como todas as artes, é uma forma de se expressar, de mostrar o que você pensa e acha sobre o mundo. Todos os livros que o autor escreve, de alguma forma, são autobiográficos. Não quer dizer que você esteja contando sua própria história ou se colocando como protagonista, mas ele representa aquilo que você acha, como um sujeito naquela situação vai se comportar, então ele diz algo sobre você.
“Todas as obras, em qualquer arte, inclusive na literatura, são um espelho do autor. Às vezes, precisamos entender as escolhas dos protagonistas para entender as nossas próprias escolhas.”
Uma das principais funções da literatura é ajudar as pessoas a terem empatia sobre as situações alheias, porque você passa pelo ciclo completo, você entende a história inteira e começa a imaginar os impactos que ocorrem nas pessoas. Pode ser que, quando você passar por algo semelhante na vida real, compreenda melhor o que está acontecendo A literatura nos deixa pessoas melhores.