Tubos de ensaio. Líquidos borbulhantes. Barulhos de máquinas funcionando. Um rapaz tira a umidade do experimento com uma pistola de ar quente. Pessoas de branco manuseando frascos. Esse é o ambiente cotidiano dos laboratórios do prédio 18 da Universidade Federal de Santa Maria. A sala 2424, com apenas 25 metros quadrados e três vidraças, é um dos lugares da Universidade onde a bioquímica acontece.
Também é nessa sala que se revela o Prêmio Pesquisador Gaúcho 2017. Uma honraria feita pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS) para o trabalho de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Não se trata da premiação de um trabalho específico, mas de todo percurso do pesquisador. E é por sua história como cientista que a professora doutora em Ciências Biológicas do departamento de Bioquímica, Cristina Wayne Nogueira, é uma das premiadas deste ano.
“Esse prêmio reconhece o meu trabalho ao longo desses vinte e dois anos. Eu oriento mestrandos, doutorandos e alunos da iniciação científica. É isso que está sendo premiado: a minha trajetória, a minha capacidade de formação de recursos humanos, a minha capacidade de produzir dados que são utilizados em outros grupos de pesquisa”, afirma ela.
Professora da UFSM desde 1995, Cristina faz parte do grupo de pesquisa “Síntese, reatividade, avaliação toxicológica e farmacológica de organocalcogênios” desde 2000, juntamente com os professores João Batista Teixeira da Rocha, também da área de bioquímica, e Gilson Zeni, da química. Neste grupo, obesidade, memória, velhice e depressão têm algo em comum: o selênio. É que nas salas dos laboratórios são feitos experimentos com esse elemento. Os alunos do laboratório de química inserem o elemento em moléculas orgânicas, ou seja, eles conferem a essas moléculas propriedades farmacológicas. Já do outro lado do corredor, no laboratório de bioquímica, os estudantes da Profª Cristina testam essas moléculas em modelos animais de doenças citadas acima. O grupo de pesquisa de bioquímica é composto por 19 alunos que trabalham com algumas linhas de estudo. Uma dessas linhas é a obesidade e o glutamato monossódico é o modelo animal de teste. Com isso, os pesquisadores utilizam o modelo para estudar as alterações metabólicas nas cobaias e as moléculas de selênio são usadas na tentativa de reverter essas alterações. “O elemento selênio está muito relacionado ao processo de regulação metabólica”, explica Cristina.
Quando é questionada sobre a possibilidade de esses estudos resultarem em um medicamento, a Profª Cristina é precisa e reveladora. Ela diz que, apesar de ter a intenção de um dia poder desenvolver algum fármaco com esses estudos, a bioquímica é sobretudo uma ciência básica, isto é, está na base da formação de cursos como medicina, farmácia, enfermagem, odontologia, veterinária. Quer dizer, o objetivo é a educação: “A gente não trabalha com foco no produto. A minha preocupação é com a formação dos alunos. Além disso, testamos uma molécula sob o ponto de vista farmacológico, mas sem esquecer que tudo que tem efeito farmacológico, também tem efeito toxicológico. As moléculas de selênio são bastante promissoras, mas ainda não podemos dizer que podem ser usadas para humanos” diz ela, convicta.
Ao fim da entrevista, a cientista premiada se mostra uma professora apaixonada por ensinar ciência. Com 21 doutores formados sob sua orientação, Cristina fala sobre seu fascínio por fazer e espalhar ciência: “Nós somos docentes, além de pesquisadores. Então, tem toda a questão de formar mestres, doutores… Esse é um retorno que a gente dá para a sociedade. A disseminação do conhecimento”.
Repórter: Vitor Rodrigues
Fotografia: Rafael Happke
Arte: Giana Bonilla