Ir para o conteúdo Revista Arco Ir para o menu Revista Arco Ir para a busca no site Revista Arco Ir para o rodapé Revista Arco
  • International
  • Acessibilidade
  • Sítios da UFSM
  • Área restrita

Aviso de Conectividade Saber Mais

Início do conteúdo

Artesanato e identidade territorial

Estudo de casos relaciona o Artesanato com o desenvolvimento econômico da Quarta Colônia e da Costa Doce, territórios gaúchos.



Como o artesanato atua como expressão de identidade territorial em um contexto de globalização? A professora de Desenho Industrial da UFSM, Carolina de Mello, buscou responder essa pergunta durante o seu doutorado, que tratou sobre a produção artesanal em duas regiões do Rio Grande do Sul: a Quarta Colônia, próxima a Santa Maria, e a Costa Doce, tendo como principal foco o município de Pelotas.

Defendida e aprovada em 2016, a tese Território Feito à Mão: Artesanato e Identidade Territorial no Rio Grande do Sul não tinha, segundo Carolina, a pretensão de  fazer um estudo comparativo. No entanto, os  dois casos apresentaram situações que permitiram comparações enriquecedoras ao trabalho.

O Artesanato na Quarta Colônia

No caso da região central do estado, desde 1990 existem ações com o objetivo de estabelecer uma identidade territorial visando fortalecer o seu desenvolvimento. “Os aspectos como as práticas religiosas, a paisagem arquitetônica e os hábitos alimentares têm tido sucesso. As tentativas de reconverter o artesanato da Quarta Colônia em identidade territorial, no entanto, não têm alcançado o mesmo êxito que o produzido na Costa Doce”, explica Carolina.

Uma das características do artesanato nesse caso é a utilização da palha, prejudicada pela mudança do território que diminuiu a matéria prima utilizada na confecção de chapéus e outros produtos. “Uma das entrevistadas disse que demora muito para fazer os materiais, o que eleva o produto a um preço que o consumidor não se dispõe a pagar”, diz Carolina.

Na região central do estado, foi realizado o Projeto Faber, em que jovens estudantes de arquitetura, design, artes plásticas – selecionados por um conjunto de profissionais da área vinculados ao SEBRAE – se reuniram com artesãs locais durante um ano para criar produtos que serviram para campanhas publicitárias. No entanto, foi uma experiência dos alunos que não tinha foco na comunidade. “Foi um projeto descontinuado. Surgiram algumas associações, mas que se separaram e deram continuidade ao que já era feito nos seus locais isolados”, conta.

Trabalho continuado na Costa Doce

Auxiliado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em 2006, o Artesanato do Mar de Dentro visa ampliar a produção e a comercialização de produtos artesanais que deem conta não só de aumentar a renda para os artesãos, mas também de reforçar a identidade com a cultura da região no artesanato produzido.

O SEBRAE, desde o início, foi importante para reunir designers aos artesãos com o objetivo de promover capacitações e oficinas de criação de produtos, durante as quais foram desenvolvidas coleções orientadas também por biólogos. Essa parceria visava a profissionalização dos artesãos para que, junto à preocupação com os quesitos mercadológicos, conseguissem alçar o projeto de forma diferenciada ao mercado. “Hoje, caminhamos por conta própria, definimos ações e produtos a serem lançados, mas também mantemos um ótimo relacionamento com nossos designers”, relata Aurea Avila, artesã do grupo Bichos do Mar de Dentro.

O Artesanato do Mar de Dentro conta com três grupos: Bichos do Mar de Dentro, Redeiras e Ladrilã. Aurea destaca que o primeiro deles desenvolve produtos que retratam principalmente os animais que vivem na região da Costa Doce:  “A associação Bichos do Mar de dentro tem como foco reproduzir no seu artesanato a beleza de nossos animais, além de incentivar a conservação e a preservação da nossa rica fauna e flora”.

As artesãs do Redeiras, por sua vez, produzem artesanato com matéria-prima existente no território – redes de pesca, escamas, couro de peixe.  Já o grupo Ladrilã se utiliza de lã natural em produtos que também se preocupam em retratar a cultura do território, como os ladrilhos hidráulicos e as lendas gaúchas. Segundo Carolina, a Costa Doce é um território turístico em que o artesanato, além de expressar a identidade territorial, “é submetido a um processo de mescla que reforça sua identificação com o território e garante uma melhor inserção no mercado”.

Por isso, a inserção de entidades como a Sebrae é considerada importante. “Ao ter profissionais buscando mais visibilidade e maior valorização do artesanato, o projeto consegue fazer seus produtos se inserirem no mercado não só pelo preço, mas também porque os produtos têm uma identidade local, um fator de proximidade com a população”, afirma Carolina.

O ponto de venda do Artesanato do Mar de Dentro se dá em uma loja no Mercado Público de Pelotas. Nela trabalham cinco artesãs atendentes, além de contar com um representante de cada Associação no gerenciamento financeiro. Os produtos, por sua vez, ficam a cargo de cada artesão, que tem a responsabilidade de repor o estoque. “A sociedade pelotense aos poucos vem acreditando em nosso potencial. Somos referência no artesanato de Pelotas e, por estarmos localizados em um ponto Histórico e Turístico de Pelotas, recebemos clientes de todas as partes do Brasil e do Mundo”, conta Aurea.

Artesanato e mercado

O projeto, que participa de diversas feiras a nível nacional, já foi premiado como um dos 100 melhores em artesanato do Brasil. Além disso, produziu um livro infantil chamado “Aventuras do Mar de Dentro”. Aurea defende que o artesanato passa por uma valorização em relação à produção industrial. “O artesão, ao fazer sua arte, deposita nela seu momento de criação, emoção e paixão que, ao ser passada ao cliente, passa por um processo de desapego, sem saber seu destino”, reforça.

Segundo Carolina, a globalização possibilita a construção de novas identidades a partir da interação entre o global e o local, de modo que o artesanato, ao se tornar expressão de uma territorialidade, possa disputar vantajosamente um lugar no mercado- o que contribui para o seu desenvolvimento. “O discurso de valorização do artesanato vem ao encontro da noção de desenvolvimento territorial. É preciso levar em conta os aspectos culturais do território para que seja possível um desenvolvimento com protagonismo desses atores locais”, ressalta.

Dessa forma, o estudo conclui que o artesanato tem a capacidade e o potencial para ser utilizado como forma de desenvolver as regiões, mesmo naquelas em que ele se encontra enfraquecido, como é o caso da Quarta Colônia.  Entretanto, ressalta a professora, “o acionamento deve ter limites, de modo que o ponto de vista econômico não se sobreponha aos aspectos sociais e culturais da prática artesanal”.

Repórter: Germano Molardi
Fotografias: Divulgação

Divulgue este conteúdo:
https://ufsm.br/r-601-475

Publicações Relacionadas

Publicações Recentes