No Brasil, celebrar o Dia do Livro Infantil, em 18 de abril, é necessário, já que apenas 56% da população se declara leitora, segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Ibope. A pesquisa divulgada em maio de 2016 ainda aponta que em média o leitor brasileiro consegue ler 4,96 livros por ano.
Dessa forma, para incentivar a leitura desde cedo, o Dia do Livro Infantil foi criado em 2002. A data foi escolhida em homenagem ao aniversário de Monteiro Lobato, precursor da literatura infantil no Brasil. Da imaginação de Monteiro Lobato surgiram diversos personagens que marcam a infância de muitas pessoas. Criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo, Lobato imortalizou personagens como a boneca de pano Emília e a espiga de milho Visconde de Sabugosa.
Mas há um lado em nossa literatura infantil que ainda não é devidamente explorado: a questão racial e a representação de pessoas negras nas histórias. Incomodada com essa situação, Maria Rita Py Dutra, escritora e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, lançou em 2003 a sua primeira obra infantil: Os Problemas de Júnior, baseado em uma história real presenciada pela autora. O livro conta a história de Júnior, um garoto de quatro anos que foi chamado de negro por um de seus colegas na escola. Em virtude disso, Júnior desiste de voltar à escola e decide tomar leite para não ficar tão escuro. O problema apenas é resolvido quando sua avó, Ada, ensina o garoto a ter orgulho de ser afro-brasileiro.
Para Maria Rita, é muito importante existir uma literatura para essa faixa etária que trate das questões raciais. “ É na escola que a criança vai se perceber negra. É na escola que ela vai sentir o estranhamento. Como é também nesse ambiente que as crianças devem aprender a lidar com as diferenças”. No total, a autora já escreveu seis livros com esse mesmo viés, buscando trabalhar a temática de forma didática, envolvente e de fácil entendimento. Os títulos colocam em evidência o racismo existente na sociedade. Em O Sonho de Jamile, a protagonista, uma menina de 12 anos, sonha em ser a rainha da escola, mas tem o sonho negado por uma jurada do concurso, que dá como explicação o fato de Jamile ser negra para impedi-la de participar.
Para exemplificar a questão da participação negra (ou a falta dela) na literatura brasileira, Maria Rita costuma fazer as seguintes perguntas: “Que escritores negros você conhece?”; “Que livros que você leu são de escritores negros?”. Tendo a mesma preocupação, a professora Regina Dalcastagné, da Universidade de Brasília, analisou os romances publicados, entre 1990 e 2003, pelas três maiores editoras brasileiras catalogando 1245 personagens. Desses, apenas 2,7% eram mulheres negras. Dentre elas, 70% desempenhavam papéis como empregadas e prostitutas.
Monteiro Lobato sob um outro olhar
Na literatura infantil, o próprio Monteiro Lobato é acusado de racismo em alguns trechos dos livros relacionados ao Sítio do Pica-Pau Amarelo. A polêmica gira em torno da personagem Tia Nastácia, cozinheira de Dona Benta, a matriarca do sítio. Trechos como “negra de estimação” e “Nastácia é aquela horrenda galinha preta que mais parece urubu” reforçam essa tese. “Essas obras foram escritas no começo do século passado, quando o termo racismo ainda nem existia. Mas as posturas, as posições dele são extremamente racistas”, afirma Maria Rita. “Para as crianças brancas ele demonstra que existe uma inferioridade de algumas pessoas e para as crianças negras ele vai legitimar a inferioridade racial”, completa. A leitura dessas obras necessita de uma contextualização para a época em que foi escrita ainda mais quando se pensa na influência de Lobato. “As crianças não só podem, como devem ler Monteiro Lobato, mas não podem ler sozinhas. É necessário o acompanhamento de um professor, é preciso fazer uma releitura daquela obra”.
Com seus livros, Maria Rita busca mudar essa situação, e também aponta outras iniciativas. “Agora já vemos livros que tratam de diversidade. Temos excelentes livros e coleções que trabalham o tema desde a aprovação da lei nº 10639 de 2003” (que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira). Para a escritora, toda essa produção de livros e outros materiais de histórias infantis visa trabalhar o tema com a sociedade. Essa movimentação busca formar uma sociedade mais justa e igualitária. A literatura infantil é uma poderosa ferramenta para formar cidadãos mais conscientes de seu papel na sociedade.
Livros infantis publicados por Maria Rita:
- O Sonho de Jamile. Santa Maria: Editora Pallotti, 2006
- A Turma de Layla. Santa Maria: Multipress, 2006
- O Aniversário de Aziza. Santa Maria: Multipress Editora, 2005
- Os Problemas de Júnior. Santa Maria: Gráfica Multipress, 2005
- Dia dos Negros. Santa Maria: Multipress Gráfica, 2005
- Os Problemas de Júnior. Cachoeira do Sul: Gráfica Jacuí, 2003
Repórter: Felipe Backes
Foto: Rafael Happke e divulgação autora