A Slow Medicine é uma filosofia de trabalho que considera como essencial para a prática médica a valorização da conversa e do tempo dispensado na relação entre médico e paciente. Ela tem as mesmas bases científicas da medicina convencional, porém resgata valores que, ao longo do tempo, a medicina tradicional deixou de lado.
A “Medicina Sem Pressa”, como é a tradução do termo, vem de encontro ao modelo exercido pela medicina atualmente, na qual consultas rápidas e prescrição de medicamentos têm sido a regra. “A Slow Medicine não é uma filosofia de trabalho que valoriza unicamente o tempo da consulta, mas também o tempo necessário para fazer com que médico, paciente e família do paciente tenham certa convivência e intimidade que permita uma relação consistente”, explica o geriatra José Carlos Campos Velho, um dos principais entusiastas da Slow Medicine no Brasil. Campos é graduado em Medicina pela Universidade Federal de Santa Maria e, atualmente, trabalha em São Paulo, atuando em hospitais de grande porte, consultório particular e assistência domiciliar. Ele veio à UFSM em setembro para apresentar à comunidade acadêmica as convicções da Slow Medicine, das quais destacamos algumas para os leitores da Arco:
A importância da fala no processo de cura
Muitas vezes, a própria escuta é terapêutica. Na Slow Medicine, é trabalhado primeiramente o ato de conversar com o paciente para, a partir daí, tecer uma hipótese de tratamento. A conversa também tem efeitos físicos, quando a pessoa compreende melhor o que está acontecendo com ela e isso, muitas vezes, já inicia a cura.
A decisão compartilhada, que é a decisão que o paciente toma junto com o médico a respeito do próprio tratamento, também é considerada na Medicina Sem Pressa: “não é o médico, ou um profissional da saúde, que decide pelo paciente, mas, uma vez em que o paciente esteja consciente de qual é o problema dele e quais alternativas ele tem para cuidar desse problema, ele pode tomar essa decisão compartilhada. Então, nesse sentido, a conversa é essencial”, comenta Campos.
A tecnologia de procedimentos invasivos
Outro tema básico da Slow Medicine é o questionamento do papel da tecnologia na medicina atual. A tecnologia na medicina tem vários aspectos, como a tecnologia diagnóstica (exames de laboratório, ressonância magnética, eletrocardiograma, …), e a tecnologia terapêutica, que caracteriza-se em intervenções como colocação de stent cerebral e colocação de próteses. Campos comenta que milhares de intervenções desses tipos acontecem cotidianamente em que a indicação/benefício não são tão precisos e que podem causar problemas sérios. A maioria desses procedimentos são invasivos e não são isentos de riscos.
“Se você não conversar adequadamente com o paciente, não examiná-lo com a sensatez e cuidado necessário, você pede exames, recebe os resultados e você trata os exames, não o paciente.”
“Não é que eu questione a eficiência da tecnologia para auxiliar o diagnóstico do médico, o problema é o exame ter preponderância sobre o raciocínio clínico”, fala Campos sobre a postura crítica quanto a esses métodos. “Se você não conversar adequadamente com o paciente, não examiná-lo com a sensatez e cuidado necessário, você pede exames, recebe os resultados e você trata os exames, não o paciente.”
Polifarmácia nossa de cada dia
Também é um ensinamento da Medicina Sem Pressa o uso racional de medicamentos. Campos conta que a maneira ideal do uso de medicamentos é avaliar aqueles que efetivamente tragam benefícios no sentido de preservação da saúde, controle das doenças e que permitam a melhor qualidade de vida possível. Porém, a realidade é bem diferente: “o que eu vejo com idosos, que é minha área de atuação, é que eles tomam muitos medicamentos que, na maioria, são receitados por muitos médicos, e boa parte desses medicamentos não trazem benefícios efetivos”, explica Campos.
Além disso, eles podem trazer problemas. A polifarmácia, que é o uso de múltiplos medicamentos, é um dos principais problemas na geriatria. Estima-se que a reação adversa a medicamentos esteja entre a quarta e sexta maior causa de mortalidade nos Estados Unidos. “O uso exacerbado de antibióticos, por exemplo, pode levar a um padrão de resistência bacteriana, de forma a criar germes cada vez mais agressivos, que é um dos grandes problemas que estaremos enfrentando em pouco tempo. Além disso, também há riscos para o doente. O antibiótico, às vezes, causa problemas gástricos, diarreia e, com muita frequência, também alergia”, esclarece o geriatra.
Repórter: Aline Witt
Foto: slowmedicine.com.br