Dentre as contribuições de Ferdinand de Saussure para o estudo da linguística, há que se destacar os conceitos da língua como uma ciência histórica. Saussure nasceu em 1857 e morreu em 1913, na Suíça, e é considerado o responsável pelo “desenho” da Linguística enquanto ciência da linguagem contemporânea.
A língua, essa que falamos hoje, através da qual nos comunicamos e que permite, por exemplo, que você leia estas palavras, não passa de criação humana. Um conjunto de representações. A língua é diferente da realidade, pois somos nós, a partir de nossas interpretações, que damos nomes às coisas e relacionamos ideias e objetos – e, por isso, a linguagem só existe no meio social. Perceber a historicidade da língua é compreendê-la como o mais poderoso “depósito” de tradições de uma comunidade.
“Tudo na língua é histórico”, observa José Luiz Fiorin. Um dos mais importantes cientistas da linguagem do Brasil, especialista em Pragmática, Semiótica e Análise do Discurso e professor do Departamento de Linguística da USP, Fiorin esteve na UFSM para encerrar a semana de debates do XII Encontro do Círculo de Estudos Linguísticos do Sul. Fiorin propôs discutir a atualidade de Saussure, fundador da linguística moderna, para os estudos da língua. A Arco conversou rapidamente com ele, entre seus compromissos na UFSM, e esse papo você confere agora:
Qual é a importância de estudar um teórico como Saussure nos dias de hoje?
Eu diria que, de um lado, Saussure tem uma importância histórica, pois é considerado pai da linguística moderna. Mas, mais do que isso, no momento em que se procura reduzir todos os fatos sociais a fatos físicos ou fisiológicos, é importante reler um autor que coloca o primado do social para explicar fatores sociais e não razões fisiológicas.
No livro “Saussure e a invenção da linguística”, organizado pelo senhor e outros autores, fala-se que o texto de Saussure abre caminho para novas descobertas. Quais são elas? Essas descobertas vêm ocorrendo?
Essencialmente, as descobertas de novas leituras dos fatos linguísticos. E, digamos assim: considerar que os fatos sociais têm razões sociais. Estamos numa época em que cada vez mais procuramos explicar os fatos sociais por razões fisiológicas. Por exemplo: por que os homens traem? Para espalhar os genes? – Não! Existem razões sociais que levam à diferença do comportamento social entre homens e mulheres.
Saussure fala que a linguística “bebe” conhecimento de várias outras ciências, assim como, contribui para a formação de várias delas. O senhor concorda com isso?
Na realidade, o que Saussure quer é estudar a língua em si mesma e por si mesma. O problema é que a linguística ainda faz parte de uma ciência mais geral que estuda todas as linguagens: desde a linguagem das bandeiras, dos navios… Enfim, todas as linguagens. Saussure dava para essa ciência o nome de Semiologia, ou seja, o estudo de todos os sistemas. A Linguística seria parte desse sistema mais geral – a Semiologia. Por sua vez, a Semiologia faria parte da Psicologia Social, que faria parte da Psicologia Geral. Então, Saussure percebe que há uma interdisciplinaridade, e ela é importante na medida em que a linguística fornece conceitos e métodos para outras ciências e toma delas conceitos e métodos para seus estudos.
Na sua conferência, o senhor falou muito da historicidade da língua e de como ela é considerada um aspecto social. O que o senhor pensa do aspecto individual língua? Como ela pode ser uma experiência única?
A língua é coercitiva ao ser humano. É lógico que nós não mandamos na língua e não podemos fazer o que quisermos com ela pois a utilizamos para manter relações com outras pessoas, dado o fato de que a língua é um fato social. Isso significa que a língua é coercitiva ao falante. Ou seja, o falante vai analisar a realidade de acordo com a língua que ele fala, mas isso não quer dizer que eu esteja impossibilitado de entender e aprender outras línguas. O que a língua faz é me dar padrões de pensamento, o que não significa que eu não possa pensar de outra maneira e aprender de outras línguas. Um exemplo: a concordância nos faz pensar nos seres sempre como feminino e masculino. Ou seja, sou levado a pensar coisas de acordo com as categorias da língua, mas isso não significa que eu não possa pensar diferente.
Reportagem: Bárbara Elisa Marmor
Infográfico: Nicolle Sartor
Fotografias: Rafael Happke