A má destinação de resíduos urbanos que são produzidos diariamente é um dos maiores problemas ambientais enfrentados na atualidade. De acordo com o portal do Governo Federal, metade dos resíduos sólidos produzidos no Brasil não tem tratamento correto e vai parar em lixões, de 30 a 40% desses produtos são depositados em aterros sanitários regulamentados, e apenas 10% são reciclados. Conforme o Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento de 2014, cada pessoa produz em média 1,04kg de resíduos sólidos por dia. Porém, apenas 23,7% dos municípios brasileiros possuem coleta seletiva para dar outro fim a todos esses materiais descartados.
A coleta seletiva, além de ajudar na preservação do meio ambiente, é também uma forma de sobrevivência para muitos cidadãos. Os resíduos que são descartados todos os dias em locais inapropriados podem ser fonte de renda para pessoas que trabalham em associações de coleta seletiva, como Paulo Roberto Moraes da Silva, 49 anos, fundador da Associação Noêmia Lazzarini, de Santa Maria. Ele comenta as dificuldades da atividade e a importância da separação dos resíduos: “O incentivo é muito difícil, ninguém se importa. Acho que o pessoal não se importa com nada. São poucos os que contribuem.Tá indo muita coisa pro lixo, enquanto tem gente que precisa, que sobrevive, que vive desse material”. Paulo é um dos 400 mil trabalhadores brasileiros que se declaram como selecionadores de resíduos, de acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) em 2014, e tem a coleta, apesar das dificuldades, como fonte de renda há 42 anos.
Algumas iniciativas têm sido tomadas com o objetivo de fortalecer a coleta seletiva e a reciclagem no país. Um exemplo é o Decreto Federal 5940, aprovado em 2006, que prevê a Coleta Seletiva Solidária em todos os órgãos federais, o que inclui as Universidades. Na UFSM, desde então, existiam algumas ações isoladas de separação dos resíduos gerados. Mas, somente no mês de maio de 2016, foi oficialmente implantada a Coleta Seletiva Solidária, que visa integrar essas ações.
O projeto é vinculado à Pró-reitoria de Infraestrutura (Proinfra) e organizado pelos professores membros da Comissão de Planejamento Ambiental da UFSM (Complana), Marta Tocchetto, Everton Behr, Marilise Krügel, e pelo engenheiro Upiragibe Pinheiro. Desde maio, a coleta é realizada semanalmente, nas segundas e quartas-feiras, por quatro associações da cidade, habilitadas em processo público aberto pela UFSM. São elas: Associação de Selecionadores de Materiais Recicláveis (ASMAR), Associação de Materiais Recicláveis Pôr do Sol (ARPS), Associação de Reciclagem de Seletivo Esperança (ARSELE) e Associação Noêmia Lazzarini.
A professora do departamento de Química, Marta Tocchetto, que também é coordenadora da Complana, destaca a importância da Coleta Seletiva Solidária como uma maneira de a Universidade Pública mostrar sua responsabilidade socioambiental e entende esse processo como uma forma de sensibilização da comunidade para as questões ambientais. “A própria resolução diz como fazer [a coleta seletiva], ‘papel é aqui, metal é ali’. Mas não é só isso, você tem que sensibilizar, motivar, fazer com que as pessoas passem a encarar aquilo também como um processo seu”.
Como a coleta é realizada?
Com o auxílio de um caminhão com motorista e uma equipe de apoio, disponibilizados pela Universidade, a cada semana, uma das associações realiza o trabalho em 41 pontos do campus, coletando materiais recicláveis dispostos nos contêineres verdes.
De acordo com dados de pesagens feitas pela ASMAR (única associação que possui balança), foram coletados, no mês de julho, 1,5 toneladas de resíduos por semana, um aumento de 50% em relação ao mês de junho. Mesmo com apenas três meses de atividade, a comunidade universitária já tem percebido a importância da ação e está contribuindo para seu sucesso. Na Imprensa Universitária, livros com defeito ou que foram escritos com base no antigo Acordo Ortográfico, que antes seriam simplesmente descartados, agora são coletados pelas associações para posterior reaproveitamento. Além disso, cerca de 8 toneladas de disquetes que estavam depositados no Almoxarifado também vão para a reciclagem, já que os selecionadores conseguem recuperar o alumínio e o plástico desses materiais eletrônicos.
Embora boa parte da UFSM já tenha aderido à coleta, há muito o que se ampliar. Segundo a professora Marta, a ideia é atingir 100% da Universidade e, para isso, a organização vem realizando apresentações sobre a ação nos cursos e setores. “Nesta semana nós ampliamos [a coleta para o] CPD (Centro de Processamento de Dados) e para a PROGEP (Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas). Já se integrou, também, o curso de Zootecnia. A gente vai ampliando assim, aos poucos”, conta Marta sobre os novos locais que integram o programa a cada semana. O pró-reitor de Infraesturura, Eduardo Rizzati, afirma que um dos próximos passos da Proinfra vai ser verificar os contratos feitos com os restaurantes localizados no campus, para ver se neles está prevista a coleta seletiva. Caso não esteja, em contratos futuros será adicionada uma cláusula específica para a separação dos resíduos gerados pelos restaurantes.
Para onde vão os resíduos?
Todo material coletado é, posteriormente, levado no caminhão da Universidade para as associações, onde acontece a separação completa e o tratamento dos resíduos, que depois são comercializados pelos selecionadores.
Como posso participar?
Para participar da Coleta Seletiva Solidária é necessária a separação de resíduos recicláveis dos demais materiais cujas condições de aproveitamento estão esgotadas, os rejeitos. Porém, além da separação, é necessária a correta disposição dos resíduos. Para isso, duas cores de contêineres estão sendo utilizadas: verde para resíduos recicláveis e preto ou cinza para rejeitos e resíduos orgânicos.
Alguns resíduos mesmo sendo recicláveis estão sendo destinados como rejeito, devido à ausência de mercado próximo para comercialização. É por esse fato que Marta Tocchetto ressalta a importância da redução do uso de materiais como copos de isopor e materiais escolares, e do reúso destes quando forem utilizados. Como a Universidade ainda está se adaptando à Coleta Seletiva, outros resíduos também dispostos como rejeitos, até a aquisição de contêineres marrons, são os resíduos orgânicos.
Além de contribuir para a conscientização da comunidade acadêmica em relação aos impactos causados no meio ambiente pelos resíduos urbanos e desempenhar um papel socioambiental dentro da Universidade, a Coleta Seletiva Solidária é também uma forma de valorizar o trabalho feito pelos selecionadores e aumentar sua geração de renda, já que as associações de coleta têm muito pouco incentivo econômico e sofrem com a desvalorização do trabalho, o que muitas vezes leva a um preconceito sobre os produtos reciclados.
O selecionador Paulo Roberto Moraes da Silva, da Associação Noêmia Lazzarini, comenta a estrutura precária que eles têm disponível: “Tudo o que temos lá foi construído com as nossas próprias mãos. Construímos um galpão que não tem piso, mas nós trabalhamos na rua. Tudo o que fica lá dentro é para não molhar. Colocamos o material no chão, na frente do galpão, fazemos a separação e a limpeza e depois o colocamos lá dentro. Pode fazer chuva, sol, inverno, verão, é na rua”. Silva ainda ressalta os resultados da participação na Coleta Seletiva Solidária da UFSM: “Cada mês que passa, e que a gente pega esse material, a gente vê que tá tendo uma melhora muito grande. O material que sai da Universidade, se for todo separado e entregue para as associações, vai ser uma baita de uma ajuda. Uma baita de uma mão”.
Uma iniciativa para dar visibilidade à problemática dos resíduos e ao trabalho dos selecionadores foi realizada na terceira edição do Descubra UFSM, que aconteceu entre os dias 15 e 17 de setembro de 2016. Uma central de triagem foi colocada no campus para que as quatro associações que participam da Coleta Seletiva Solidária possam fazer a separação dos resíduos coletados no evento. A intenção foi de que os participantes do Descubra, que em sua maioria eram estudantes de ensino médio da região central do estado, tivessem a oportunidade de entrar em contato com as associações, conversar com os selecionadores, além de conhecer os processos de coleta e separação.
Reportagem e Fotografias: Camila Lourenci e Iander Porcella
Infográficos: Nicolle Sartor