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Ensinar e servir

Conheça o núcleo de assistência jurídica da UFSM



Na região central de Santa Maria, mais precisamente ao lado da antiga Reitoria da Universidade Federal, um pequeno prédio amarelo abriga o Núcleo de Assistência Judiciária Gratuita, órgão que presta serviço à comunidade santa-mariense há mais de 30 anos. A casa é um dos espaços onde os alunos dos cursos de Direito, Psicologia e Serviço Social podem exercer prática complementar ao ensino de sala de aula.

A assistência judiciária gratuita surgiu no ano de 1978 a partir da Pró-Reitoria de Extensão, para que a Universidade prestasse um importante papel para a sociedade e também para se adequar a Lei 1.060 de 1950, a qual previa que as instituições públicas de ensino superior deveriam conceder a assistência gratuitas a quem não pudesse arcar com os custos. Hoje o núcleo conta com dois professores orientadores, que ministram uma disciplina de estágio da grade curricular do curso de Direito no prédio. Todas as terças e quintas-feiras, das oito às dez da manhã, lá estão os alunos matriculados na disciplina de estágio.

O Núcleo está localizado ao Lado da Antiga Reitoria, na Rua Marechal Floriano

Para estar no núcleo de prática jurídica, o aluno deve cursar o último ano de faculdade, de modo que já possua preparo técnico para exercer algumas ações da advocacia. Dentre as funções exercidas pelos alunos do curso de Direito está atender o público, redigir petições iniciais, consultar e conduzir o processo durante sua estadia no núcleo. Vale ressaltar que todos os processos são acompanhados e as peças devidamente assinadas pelos professores, que possuem carteira da Ordem dos Advogados do Brasil.

 

“ O papel do professor é de orientar os alunos e, ao mesmo tempo, atuar como advogado. Os acadêmicos fazem o ajuizamento de ações, elaboram a petição inicial e propõem a ação. Por conta disso, é muito improvável que os alunos consigam acompanhar o processo do inicio ao fim, pois o tempo que permanecem é menor que a duração das ações, geralmente.”

Completam o núcleo alunos dos cursos de Psicologia e Serviço Social tão essenciais quanto os juristas para administrar o processo de mediação. Esta intervenção é uma tentativa de acordo prévio entre as partes de um processo, de modo a evitar a ida às vias judiciais, normalmente demoradas. Um detalhe relevante é que a maioria dos casos recebidos pelo Núcleo são de cunho familiar, o que transforma o trabalho de conciliação em um estágio importante para que as ações não precisem chegar ao poder judiciário e as relações familiares sejam preservadas.

 

Experiência que muda o aluno

Estagiar é uma prática comum e popular entre os estudantes de Direito, que desde muito cedo já ocupam vagas nos mais diversos órgãos públicos. Para alguns, a surpresa e o abatimento inicial com os casos, com o tempo, dá lugar ao comodismo e ao distanciamento das histórias que preenchem as linhas dos milhares de processos afogados no mar do Poder Judiciário brasileiro.

No núcleo, após se ver envolto em todo o processo durante o curso das ações, o crescimento pessoal foi o sentimento mais elencado pelos estudantes que lá atuam. Para estudante Bernardo Sangoi, do 9º semestre, o envolvimento direto do aluno com o assistido faz com que se perceba um lado positivo da prática do Direito.

“Aqui dentro não é o número de casos que tu peticiona que conta, como na Justiça lá fora, onde as pessoas se tornam números de processos. Como advogado tu acaba fazendo um pouco de tudo, precisa ter esse outro lado pra prestar o atendimento, que é muito gratificante. Envolve esse outro lado de ajudar as pessoas, que é o que tu procura no curso.”

Outro marco importante a ser mencionado é o choque social entre os atendidos e alunos da Universidade. Para ser elegível a requisitar assistência gratuita, a pessoa deve comprovar renda menor que três salários mínimos. Na contramão deste fator, o curso de direito possui alto ponto de corte e é considerado “tradicional” na instituição, o que eleva o número de inscritos nos vestibulares, e consequentemente a disputa por vagas. Não é nenhum segredo que, apesar de ser uma Instituição Federal de Ensino Público, a universidade é composta, em sua maioria, por estudantes da classe média, o que agrava essas diferenças.

 

Em um mundo ideal, a igualdade de condições faria com que apenas o estudo fizesse a diferença – posicionamento raso, ao pensarmos o contexto pessoal de quem pleiteia a vaga no Direito.

“Tinhamos uma elite, sem a menor noção do que é a realidade lá fora, as vezes até por falha de não mostrarmos essa realidade (sic). Havia um choque grande dos alunos ao lidar com as pessoas. Hoje com as cotas a realidade é outra, o acesso de alunos é mais diversificado, muda a cara do curso.”

 

O relato é do professor Paulo Inhaquite, que ministra os estágios dos alunos no Núcleo de Assistência Judiciaria juntamente com a professora Maria Ester Bopp.. Este cenário é reforçado pelas alunas do 9º semestre, Ana Luiza Espindola e Alice Streit, de 22 anos. Ambas atuaram na promotoria na Vara de Infância e Juventude de Santa Maria, órgão que lida com milhares de casos sensíveis. Para elas, o preparo obtido antes foi positivo, mas o contato com as pessoas torna única a experiência na Assistência.

 

“Elas (as pessoas) sentam exatamente onde tu estás. Nos contam os problemas da vida, as vezes elas chegam para desabafar sobre coisas que não são relevantes ao processo, mas tu está ali pra ouvir. A gente se transforma num ponto de apoio, tem que dizer que tu vai ajudar, resolver o problema.” relatam.

Por vezes o silêncio denuncia a desconfiança daquele que procura ajuda. Justo. Destes, boa parte é invisível aos olhos do poder público. São segundos, momentos que firmam o nó da relação entre aluno e assistido – onde se estabelece a confiança. Na mesma hora, o aluno se compromete a ajudar, como fez Alice, que por diversas vezes compareceu fora de hora ao prédio do Núcleo, mais: até com o prédio interditado foi preciso procurar papéis.

 

O prédio também precisa de assistência

A propriedade que abriga o Núcleo de Assistência Judiciária gratuita é relativamente grande, são mais de 10 peças ocupadas pelos alunos nos dois encontros semanais. O bom humor emanado na recepção do prédio e nos diálogos dos alunos contrasta com a infraestrutura de um espaço que não recebe reformas há pelo menos 15 anos. Algumas portas servem apenas de enfeite, uma vez que movê-las pode ser um tanto quanto perigoso, pois estão soltas e podem cair sobre você; salas são divididas por paredes de gesso dispostas criativamente no centro do cômodo; as paredes, castigadas pela umidade, perdem os seus amarelados tons por conta do mofo e da tinta descascada que vai ao chão.

 

“Já ficamos três semanas com o prédio interditado. Caiu um pedaço de concreto do prédio do lado que acabou atravessando o teto da outra sala e poderia cair um outro pedaço, sem sabermos onde. Tivemos que suspender todo o atendimento. não tinha como entrar no prédio. Varias vezes tivemos que levar processos pra casa, por causa dos prazos.”, comenta  Alice.

Outro problema observado é a falta de materiais indispensáveis. Apesar de vivermos a era digital, os processos ainda tramitam no papel – o preto no branco. Para tanto, é necessário utilização de computadores, fotocopiadoras, impressoras e internet para que o trabalho dos acadêmicos possa prosseguir. Mesmo com esta indispensabilidade dos recursos, os alunos dividem alguns equipamentos, tornando o trabalho um pouco mais demorado e complexo do que já é naturalmente.

 

Até a pouco tempo, a impressora da sala 9, por exemplo, não funcionava corretamente. Isto demandava um esforço extra: fazer a impressão em estabelecimentos fora da complexo, no centro de Santa Maria. Pela pouca verba para a compra de folhas, por exemplo, os alunos não podem fazer cópia dos documentos dos atendidos – estes devem levar as devidas, sob risco de faltar algum papel essencial e ter de retornar para casa, perdendo a viagem.

 

Tanto para quem acompanha “de fora” tanto quem vive a rotina no local, o sentimento é de frustração ao notar a deterioração de um espaço tão nobre; o qual serve para dar certa experiência profissional aos acadêmicos, ajudar pessoas com baixa renda a obter auxílio jurídico e também a desafogar o tão requisitado e abarrotado sistema judiciário. Portanto fica claro e evidente um cenário problemático da máquina pública. Trata-se de um órgão de quase 40 anos da Universidade Federal de Santa Maria: abandonado pelo Centro de Ciências Sociais e Humanas.

 

Sistema também tem problemas

“O processo judicial é falho, ele não é a solução dos problemas! Está atolado em serviço, não tem condições de atender as demandas, principalmente no Rio Grande do Sul. Infelizmente, estamos com problemas estruturais nas varas de família, por exemplo, que possuem dois, três funcionários e 30 mil processos tramitando, é humanamente impossível dar vazão a isso tudo. É uma falência do sistema como prestação à sociedade.”

 

O relato do professor Inhaquite elucida um cenário ainda maior da problemática questão pública. A demanda do Núcleo é grande, ainda mais quando se analisa o número de pessoas que ali trabalham apenas duas vezes por semana. Por ano, em média, são 100 a 120 processos peticionados e assistidos pela turma de alunos, com a chancela dos professores. Desses, a esmagadora maioria trata sobre pensão alimentícia, na área de família, que geralmente tem casos de duração maior que tempo dos alunos no Núcleo: das ações peticionadas, pouco mais de 5% são finalizadas por uma mesma turma.

 

Mesmo assim, o problema do Judiciário é, hoje, insolucionável. A demanda é infinitamente maior que a capacidade de vazão. Quem já andou pelo interior de algum fórum ou vara pode atestar as pilhas e pilhas de processos, parados na espera de uma solução. Dentro deles, a história de pessoas se traveste de papel, as lágrimas de tinta e os casos de números.

 

Na contramão, trabalhos como o desenvolvido pelo Núcleo de Assistência Jurídica Gratuita fazem trabalho de formiga ao olharmos para o cenário atual. Os problemas se apequenam frente ao esforço dos alunos, que assumem uma responsabilidade gigante para com as pessoas que ajudam – independente de chuva dentro das salas, de parede que pode cair ou da falta de folhas. A Universidade deve se orgulhar do Núcleo, mais: deve olhar com mais atenção para a casinha amarela ao lado do prédio da antiga reitoria.

 

 

Reportagem e Fotografias: Júlio Desordi e Lucas Delgado

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