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Memórias rasuradas da ditadura

Pesquisa analisa obra sobre a prisão de Judith Malina durante a Ditadura Militar



No início da década de 1970, o Brasil vivia o chamado Milagre Econômico, com empréstimos e investimentos estrangeiros, crescimento da economia e inflação sob controle. No campo político, durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, criou-se o Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgão de repressão do Regime Militar. Nesse período, se por um lado havia certa estabilidade nas questões econômicas do país, por outro, movimentos sociais e artísticos sofriam com a censura. E foi nesse contexto conturbado que a atriz alemã, ativista e fundadora do grupo teatral norte-americano The Living Theatre, Judith Malina, publicou semanalmente, no jornal Estado de Minas, o seu diário de prisão.

 

Movida pelo sonho de uma revolução anarquista, Judith veio para o Brasil em 1970, juntamente com o companheiro norte-americano Julian Beck e da companhia de teatro fundada por ambos. Trouxe consigo o ativismo político, a ideologia do amor livre e desenvolveu peças teatrais que afrontaram as normas ditatoriais vigentes. O casal foi preso, em 1971, sob a acusação de porte de maconha e tráfico de drogas. Nessa época, Judith passou a publicar diários com conteúdo contrário ao regime sobre as suas vivências na prisão. O material era avaliado pelos militares antes de ser liberado para publicação e continha óbvias omissões sobre os abusos contra prisioneiros cometidos diariamente no Departamento de Ordem Política e Social (Dops).

 

Sua prisão foi capa do New York Times; e o Le Monde chegou a publicar uma carta de Julian. Mesmo sendo internacionalmente conhecidos, os artistas  passaram mais de 40 dias presos sem sentença e tampouco com a garantia dos direitos básicos. Os ativistas questinavam o flagrante da polícia que havia invadido o casarão, onde o grupo vivia coletivamente, às vésperas do primeiro espetáculo em Belo Horizonte. Depois de dois meses atrás das grades, o grupo foi absolvido devido à pressão popular, mas acabou expulso do país pelos militares.

 

No ano passado, Judith Malina faleceu nos EUA, aos 88 anos. Seu legado artístico e revolucionário continua através do seu filho Garrick Beck e dos demais sucessores do Living Theatre.

 

O diário de Judith Malina

Quarenta anos depois da passagem do Living Theatre no Brasil, a história da companhia e de sua idealizadora Judith Malina foi publicada pela Editora da Universidade Federal de Minas Gerais. A iniciativa partiu de uma indicação do então secretário-adjunto da Cultura do estado, Marcelo Braga de Freitas, a partir da abertura das investigações do período militar, através da Comissão da Verdade. A obra “Diário de Judith Malina: o Living Theatre em Minas Gerais” vem como uma tentativa de “resgate de um dos mais deprimentes e impactantes episódios da vida política e cultural de Minas Gerais, nos idos da década de 1970”, afirma a jornalista formada pela UFMG,  Eleonora Santa Rosa, no prefácio do livro.

 

A publicação passou a compor a coleção “Arquivo do Dops” da própria Universidade, e traz notícias sobre a prisão, cronologias das peças do grupo e artigos assinados pela historiadora Heloisa Starling, pelo teatrólogo Adyr Assumpção e um dos atores do Living Theatre, Ilion Troya. Ainda, o livro traz os escritos da própria Judith no seu diário de prisão.

 

Análise da obra

A partir de uma disciplina da Pós-Graduação em Estudos Literários da UFMG, a doutoranda Fernanda Cristina Dusser decidiu pesquisar sobre o diário de Judith Malina e a trajetória do grupo de teatro, culminando na escrita de um artigo que analisa a obra recentemente publicada pela Universidade.

 

Nessa análise, Fernanda conclui que Judith optou por “romancear” a vida na prisão, para que a censura do regime militar não proibisse a divulgação do diário. Fazendo uso de uma linguagem literária, ela relatava o próprio cotidiano vivido na prisão, junto com seus companheiros, como se estivesse escrevendo uma ficção. Dessa forma, a atriz poderia burlar a censura do regime brasileiro e denunciar, indiretamente, os abusos sofridos no Dops.

 

A pesquisadora ainda ressalta que as publicações de Judith eram ainda mais desafiadoras considerando o veículo de comunicação onde foram divulgadas. “Acho de uma força impressionante a publicação desse diário semanalmente em um jornal de circulação estadual e com tendências de direita, já que o Estado de Minas apoiou a ditadura em diversos momentos”, explica.

 

Apesar de nunca ter ouvido falar do Living Theatre, Fernanda reconhece a relevância social e política do grupo, já consagrado na época. “A escrita do trabalho final [o artigo] aconteceu pouco tempo depois da queda das barragens da Samarco no distrito de Bento Rodrigues, bem próximo a Ouro Preto. Décadas antes, o Living Theater já denunciava o abuso das indústrias na região, em sua relação com os trabalhadores e com o meio ambiente. Tudo isso me motivou a escrever sobre o diário de Malina […] acho fundamental que recuperemos as vozes outras, vozes pacifistas, revolucionárias e marcadas pelo cuidado com os excluídos. E é essa a voz que ecoa na obra de Judith Malina”, conta Fernanda

 

 

Reportagem: Claudine Friedrich e Tainara Liesenfeld

Infográficos: Nicolle Sartor

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