A Wolbachia é um gênero de bactérias que está presente na natureza. Se pensarmos apenas nos insetos, 65% das espécies convivem com ela. Na UFSM, o professor Élgion Loreto, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular do Centro de Ciências Naturais e Exatas, está pesquisando uma rota possível de transferência genética desta bactéria de um inseto para outro, o que poderia possibilitar um controle biológico de pragas causadas por insetos. Isso porque a bactéria Wolbachia tem uma capacidade de transferência muito maior do que já foi estudado pelos pesquisadores da área.
Ela é considerada uma cepa, termo da biologia e da genética que se refere a um grupo de descendentes com um ancestral comum que compartilham semelhanças morfológicas ou fisiológicas (um exemplo mais simples de uma cepa é a variação H1N1, derivada de um ancestral comum de vírus da gripe). Em algumas espécies de insetos, a cepa de Wolbachia pode não gerar nenhum tipo de efeito biológico. Já em outras ela pode ser extremamente nociva.
Controle biológico
Na prática, a Wolbachia pode ser uma bactéria eficiente no controle biológico – que é a capacidade de controlar a multiplicação da população de alguma espécie através de outra, que afete sua capacidade reprodutiva. É comum associarmos o controle biológico ao cuidado com a preservação da natureza. Mas ele também tem riscos. “Quando o controle biológico é feito com espécies do local, e com conhecimentos sobre o local, é uma coisa. Agora, trazer uma espécie que não faz parte do sistema, na maioria das vezes, é imprevisível”, afirma Loreto.
Pesquisadores australianos fizeram experimentos para analisar os riscos da Wolbachia como controladora biológica. Os experimentos consistiam em colocar aranhas a comer mosquitos com Wolbachia. Depois de dois meses de testes se comprovou que a bactéria não estava presente nos aracnídeos, o que seria um indício de que a bactéria seria um recurso seguro para o controle biológico, através desses aracnídeos. Para o professor Loreto, entretanto, esses estudos são insuficientes na tentativa de dimensionar os possíveis riscos da introdução de uma vida diferente no ecossistema: “quando a gente mexe com sistemas ecológicos complexos, muitas vezes a inclusão de uma nova espécie pode desbalancear uma cadeia ecológica”, diz ele.
A pesquisa australiana aponta que o uso da Wolbachia poderia ser bastante eficaz no combate de doenças transmitidas por mosquitos, como dengue, zika e chikungunya, através da diminuição da população de insetos transmissores dessas doenças. Seria uma alternativa a outros métodos já conhecidos, como o combate químico com inseticidas e o combate com mosquitos transgênicos.
Na relação com os transgênicos, o controle biológico também seria uma alternativa mais barata, visto que na transgenia os mosquitos machos são esterilizados por radiação e não são capazes de gerar prole. Assim, é necessário que se esterilizem sempre mais mosquitos para manter o controle efetivo – seria necessária uma “fábrica de mosquitos”.
Em resposta ao estudo realizado na Austrália, Loreto escreveu um artigo, em parceira com o professor Gabriel Wallau, do Departamento de Entomologia da Fiocruz (PE). No texto, publicado na Revista Science, os pesquisadores buscam apontar os riscos que o controle biológico causa em um organismo. No exemplo apresentado neste estudo, Loreto e Wallau optaram por retirar a bactéria Wolbachia de drosófilas (pequenas moscas, comuns em frutas em decomposição) e passar para mosquitos, que a transmitiriam para a sua prole. Com isso, os autores buscaram mostrar que não há pesquisa suficiente para considerar o método de transferência segura, pois não se sabem os riscos da introdução de uma bactéria em um novo sistema ecológico.
As pesquisas com Wolbachia não são consideradas transgenia e por isso, não passam pelo Conselho Nacional de Biossegurança. O uso delas é autorizado como “produto veterinário”, sem considerar os possíveis riscos de sua aplicação indiscriminada em pesquisas.
Os pesquisadores da área não conseguem definir com exatidão quais são os riscos das cepas de Wolbachia no meio ambiente. A produção agrícola, por exemplo, depende do processo de polinização realizado por insetos, como as abelhas, por exemplo. “O que aconteceria se uma cepa entrasse em um polinizador? É imprevisível, nós não sabemos o que pode acontecer”, afirma Loreto. Além disso, é muito difícil representar de forma laboratorial as peculiaridades de um sistema extremamente heterogêneo. “É preciso ter cautela, na natureza a coisa é muito mais complexa” resume o professor.
Reportagem: João Inácio, Ramiro Brites e Vitor Rodriguez
Infográficos: Nicolle Sartor
Fotografia: Rafael Happke