É 1938. As luzes do estúdio são acesas. Produção e direção giram em torno do palco improvisado. Carmen Miranda, o furacão brasileiro, irrompe às câmeras interpretando “O Que é Que a Baiana Tem?”, com suas características frutas tropicais equilibradas sobre a cabeça. Estava feito o fenômeno. 1986. A Marquês de Sapucaí é invadida pelo retumbar pulsante da Verde e Rosa. A Estação Primeira de Mangueira entoa “Caymmi mostra ao Mundo o que a Bahia e a Mangueira tem” e ganha o Carnaval, marcando a época de ouro da escola.
Todos esses momentos tem um elo em comum: Dorival Caymmi, o bom baiano, músico falecido em 2008. Caymmi foi um dos principais nomes da Música Popular Brasileira no século XX, trazendo sempre como referência as suas duas paixões, a Bahia e o mar. Dorival foi um dos que mais cantaram o Primeiro Estado do Brasil, seja em composições populares, como a interpretada por Carmen Miranda, até verdadeiros hinos reflexivos sobre a aura temperada de Salvador, como em “Saudade de Itapoã”. Ele e a sua esposa, Dona Stella Maris, morreram como cidadãos-símbolo da Bahia.
Os que já conheciam a obra de Dorival ou aqueles curiosos para conhecer têm disponível uma ferramenta definitiva: grande parte da obra musical e literária de Dorival está reunida no Acervo Dorival Caymmi, que foi digitalizado em 2009. O projeto foi uma iniciativa de Danilo Caymmi, um dos filhos do casal Dorival e Stella, e também conta com um site biográfico. O acervo reúne documentos, poemas, cartas, fotos, capas de discos e partituras em mais de quatro mil arquivos, e é organizado pelo Instituto Antônio Carlos Jobim, que também contém acervos de Tom Jobim, Paulo Moura, Gilberto Gil, Lucio Costa, Chico Buarque de Holanda e Milton Nascimento.
Os arquivos são hospedados na plataforma DSpace, uma ferramenta que possibilita a criação de repositórios digitais para armazenamento, gerenciamento, preservação e visibilidade da produção intelectual. Segundo o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, o DSpace é um software livre que transfere às organizações a responsabilidade e os custos com as atividades de arquivamento e publicação da sua produção institucional. Foi o seu reconhecimento enquanto recurso que motivou a pesquisa “Dorival Caymmi: vida, obra, pensamento e acervo em uma temporalidade do verde e amarelo”, no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia.
A pesquisadora da UFBA Vagna Shirlei Vidal estudou a disponibilização do acervo de Dorival Caymmi na internet com o caso da sua dissertação de mestrado, através dos estudos da arquivologia. Ao dissecar todos os critérios utilizados na organização e disseminação do arquivo pessoal de Dorival Caymmi, Vagna chega à conclusão de que o acervo “cumpre a sua função social, fica evidente que o Instituto Antônio Carlos Jobim encontra-se mergulhado na cultura digital, possibilitando uma nova e promissora oportunidade de crescimento, para os pesquisadores e para a comunidade em geral”.
Caymmi cantava a nostalgia da sua terra em músicas como a já citada Saudade de Itapoã, ao dizer “Oh Vento que Ondula as Águas/ Eu nunca tive saudade igual/ Me traga boas notícias daquela terra toda manhã”. Que esse acervo ajude a atenuar um pouco a saudade que temos do bom baiano cantador das prosas litorâneas.
Reportagem: Mateus Martins de Albuquerque e William Boessio
Fotografias: Acervo de Dorival Caymmi