“A escrita fica, as palavras voam”, tradução do título acima, é um provérbio clássico que, apesar do significado que comumente lhe é dado, foi cunhado como um elogio à palavra dita em voz alta, que tem asas para voar, ao contrário da palavra escrita, que está morta. Anteriormente vinculados tão somente à palavra oral, os seres humanos dependiam totalmente de sua própria memória para preservar a história, conhecimentos e sabedoria até então desenvolvidos. A escrita forneceu uma memória externa, para além do tempo e espaço da pessoa que originalmente formulou o pensamento. Alguns pensadores, como Sócrates, viram a escrita com maus olhos, afirmando que o verdadeiro conhecimento reside na memória. Outros afirmaram que a escrita possibilita um embasamento no conhecimento reunido por outras pessoas, o que aumenta a riqueza de seus próprios conhecimentos. Assim, como afirma Aristóteles, as letras foram “inventadas para que possamos conversar até mesmo com o ausente”.
Alguns cientistas afirmam que um dos principais aspectos que diferenciam os seres humanos dos outros animais é o acúmulo de cultura. Alguns grupos, em determinadas espécies, até possuem cultura, dependendo da definição dada ao termo. Um grupo de macacos japoneses da ilha de Koshima, por exemplo, adquiriu o hábito de lavar suas batatas antes de comê-las. Um dia, invés de simplesmente levar à boca as batatas deixadas pelos cientistas que a observavam, a macaca Imo as mergulhou na água antes de comê-las. Mais tarde, aperfeiçoou a técnica para retirar a sujeira mais aderida e acabou passando o comportamento, que veio a se tornar habitual, a outros macacos do grupo. Entretanto, ao contrário das outras espécies, o ser humano seria o único capaz de acumular cultura. Uma das ferramentas desenvolvidas pelos humanos que possibilitaram, intensificaram ou facilitaram esse acúmulo foi a escrita.
Mas o homem não se contentou apenas em expressar as palavras num suporte através de traços e signos gráficos. Desenvolveu a comunicação através de imagens e criou a arte. E no percurso da História da Arte podemos notar o caminho do ser humano rumo à abstração. Mesmo contando com vários movimentos, estilos e escolas, pode-se perceber uma transição de um realismo quase absoluto até um abstracionismo completo, cujo significado não reside meramente na realidade material do nosso mundo físico.
E isso, por incrível que pareça, pode ser diretamente relacionado à capacidade racional do ser humano. Outro aspecto tido como uma das grandes diferenças entre o homem e os outros animais é, justamente, a razão; a possibilidade de não somente optar por não seguir seus instintos mais primitivos, mas, além disso, pensar, perceber e analisar a sua própria realidade, a sua própria condição. Entender, racionalizar, dar sentido a si mesmo e ao mundo: este é o início da Filosofia, da Arte, da Ciência e da própria comunicação. E as diferentes teorias, os diferentes estilos, os diferentes pensamentos vêm da forma de expressar essa realidade e esta situação percebida.
E temos a História. Temos as nossas narrativas que nos dizem o que aconteceu e, consequentemente, quem nós somos. “Aqueles que não conhecem a História estão condenados a repeti-la”, frase atribuída ao filósofo irlandês Edmund Burke, indica que racionalizamos e buscamos sentido em tudo, inclusive em nossa própria trajetória no tempo, enquanto espécie. A escrita nos possibilitou o armazenamento dos conhecimentos filosóficos, históricos, artísticos, científicos. A escrita possibilitou o surgimento da História como conhecemos; possibilitou o surgimento do mundo como conhecemos.
A Arco te convida a mergulhar em busca dos relatos de um sonho humano antigo: a preservação do conhecimento. Das bibliotecas e peregrinos ao compartilhamento em tempo real, nas próximas semanas contaremos, em capítulos, um pouco sobre os desafios da construção da Sociedade da Informação e do Conhecimento.
Texto: Matheus Santi
Imagens: Reprodução | Museus do Rio