Foi em meados da década de noventa, na periferia oeste de Santa Maria, que o bancário Paulo Tavares ofertou a primeira oficina de vídeo voltada para o público jovem da região. Na época, Paulo fazia parte da Associação Comunitária da Vila Caramelo, e também atuava no setor de cultura, esporte e lazer do Sindicato dos Bancários. Uma das atividades do sindicato era o Otelo Cineclube, um ciclo de exibições de obras audiovisuais nacionais. Paulo sugeriu, dentro do Cineclube, a realização de um documentário sobre adolescência e férias. Surgiu, então, no ano de 1996, a Oficina de Vídeo Oeste, Tv Ovo, com apoio do Sindicato dos Bancários, da Associação Comunitária, e da Escola Irmão Quintino, de onde vieram vários dos primeiros alunos. No fim do projeto, todos queriam continuar o trabalho. E continuaram no ano seguinte, no outro… até completar 20 anos na história santa-mariense.
No decorrer deste tempo, diversos jovens passaram pelas oficinas da TV OVO. Eles aprenderam a manusear câmeras, fazer roteiros e contar histórias. Marcos Borba, com 15 anos, foi um deles, logo na primeira oficina. Depois dessa, vieram tantas outras, e até hoje ele permanece vinculado à TV. Além de ser voluntário na gestão da TV OVO, Marcos trabalha na TV Câmara de Santa Maria e faz doutorado em Comunicação na UFSM. Ele conta que, embora às vezes seja difícil conciliar as três atividades, ele consegue aplicar os ensinamentos de cada área na outra, e isso dá vontade de continuar. Mas ele afirma: “A TV ovo é minha prioridade, é o que brilha meus olhos. O mais importante que levamos dela é a semente do trabalho coletivo. Cada pessoa tem sua atividade e seu tempo, e é preciso respeitar isso para ter um vídeo pronto”.
Também, na primeira turma, com apenas 13 anos, estava Alexsandro de Oliveira. Duas décadas depois, ele carrega consigo toda a experiência adquirida e a aplica na profissão de técnico de Rádio e TV no Centro Universitário Franciscano. Além de cursar Publicidade e Propaganda, ele permanece achando um tempo para o sonho da TV OVO. Para ele, a TV foi fundamental na escolha da sua profissão, e fala da vontade de ver as pequenas meninas, suas filhas, também apaixonadas pela televisão, assim como ele ficou depois de crescer com a TV Ovo.
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Lugar vivo e pulsante
As duas décadas que passaram resultaram em inúmeras produções comunitárias que visam resgatar a memória de Santa Maria e formar profissionalmente os jovens. Agora, o futuro da TV OVO é recheado de sonhos e expectativas e conta com um cenário a altura para realizá-los: o velho casarão da Rua Floriano Peixoto.
Construído em 1916, o centenário casarão foi casa do poeta Evandro Ribeiro, do comerciante Pedro Monaiar e do fazendeiro Olintho Danesi. Em 2010, ele foi comprado pelo jornalista santa-mariense Marcelo Canellas, tendo parte de sua estrutura já depredada. Lá, há cinco anos, é a casa da TV OVO. E neste ano comemorativo dos vinte anos, o presente do jornalista para os sonhadores da TV foi a doação definitiva do velho Sobrado.
A missão que acompanha o presente é transformar o local no Sobrado Centro Cultural. Os primeiros passos já foram dados, como a aprovação do projeto arquitetônico de reestruturação junto à prefeitura. Ainda faltam os projetos elétrico, hidráulico, executivo e sanitário. Depois de prontos, a ideia é arrecadar dinheiro para a obra através do financiamento coletivo. Além disso, o projeto será submetido a leis de incentivo, como a Lei Rouanet e a Lei de Incentivo à Cultura. Segundo Marcos, apesar de o orçamento base estar na casa dos milhões e assustar, eles acreditam que conseguirão alcançar o valor.
A reforma do Casarão vai transformar o local em referência cultural na cidade. Há planos para uma biblioteca virtual, museu de imagem e som, salas de aula e estúdios de cinema e TV. A ideia é que o espaço seja multiuso – o estúdio de cinema poder virar um grande teatro. Também é preciso encontrar outros grupos culturais que sejam parceiros para utilizar o ambiente. Uma pequena mostra do potencial do local foi dado em meados de maio, no aniversário da TV OVO. Na ocasião, bandas locais fecharam a rua na frente do Casarão, e dois artistas fizeram intervenções na fachada do sobrado.
Atualmente, a TV Ovo se mantém através da captação de recursos de leis de incentivo a cultura e por trabalhos a terceiros. Todo o trabalho é voluntário. Marcos conta que às vezes falta dinheiro para o básico, como conta de luz, telefone e gasolina. “Mas logo quando aperta, surge outra possibilidade para conseguirmos nos manter.” Apesar da mudança da estrutura da sede, o discurso dos participantes desse grande sonho é o mesmo: manter o trabalho que foi feito até hoje, com as oficinas e os documentários sociais, e continuar transformando a vida de jovens como Marcos e Alexsandro. Formando, pessoal e profissionalmente, pessoas que irão formar outras pessoas.
Texto: Andressa Foggiato
Fotos: Rafael Happke
Vídeo: Tv OVO