Os dois repórteres contemplam a folha digital branca, piscando em seus computadores. As ideias cortam o frio da noite, em discussões acaloradas sobre como retratar o fato que está ali posto. O texto está para vir. E quando vier, vai ser editado, alterado. Uma pessoa, além de mostrar a sua avaliação sobre o que ali está, acrescentará itens. Cortará outros. O texto desta matéria não se fez só pelos seus autores, mas também por aqueles que o revisaram.
Na produção acadêmica, acontece o mesmo. Os artigos que pretendem ser publicados em periódicos acadêmicos têm que passar pelo crivo de revisores, designados pelos editores das revistas. Esses editores são os responsáveis por todos os processos burocráticos, que vão desde o envio do artigo até o ato da publicação. Mas, segundo uma pesquisa publicada na Revista Digital de Biblioteconomia e Informação, da Unicamp, uma das principais dificuldades dos editores está na má valorização dos revisores de artigos científicos no país.
A pesquisa, que foi realizada por pesquisadores da Universidade de Brasília, comparou as principais dificuldades encontradas pelos editores de periódicos científicos no Brasil, na Espanha e no México. Os pesquisadores utilizaram a metodologia da Escala Visual da Dor, utilizada por pesquisadores da área da saúde para avaliar a intensidade da dor sentida por pacientes. Partindo de oito critérios (ver diagrama abaixo) para analisar o grau de dificuldade enfrentado pelos editores, a análise concluiu que os problemas são, se não iguais, muito parecidos.
Os dados mostram que existe uma semelhança nas facilidades e nas dificuldades, e as principais problemáticas estão relacionadas aos revisores, que enfrentam problemas estruturais de reconhecimento e capacitação.
Quando um pesquisador revisa um artigo de outro pesquisador, ele não recebe nenhum reconhecimento oficial deste seu trabalho pelos órgãos que regem a pesquisa no Brasil. Isso gera uma dificuldade em encontrar pessoas dispostas a revisar artigos, ou mesmo em se qualificar para esta função. Segundo a vice-presidente da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC), Ana Marlene Morais, “essa já é uma luta antiga da ABEC, estamos sempre tentando nos aproximar do CNPq e da CAPES para que valorizem a função de revisor.” A Associação busca que a atividade passe a contar com algum tipo de reconhecimento acadêmico para o pesquisador, mesmo que não seja na forma de uma remuneração financeira.
Uma das revistas mais bem conceituadas da UFSM, a Ciência Rural existe desde 1971 e tem um rigoroso critério de revisão dos seus artigos. De acordo com o editor chefe da revista, Rudi Weiblen, apenas 25% dos artigos submetidos são publicados. Mas o periódico também possui dificuldades em achar revisores. Para solucionar o problema, a Ciência Rural faz uso de vários avaliadores de fora do país, selecionados pelos editores de área, muitos também estrangeiros. Ainda segundo Weiblen, a revista tem uma dificuldade muito grande que os avaliadores brasileiros entreguem os artigos revisados no prazo, fato que não ocorre com os de outros países. Esta problemática seria gerada justamente pela falta de uma “cultura de revisão”, devido ao não reconhecimento dos avaliadores.
De acordo com a pesquisa, da maneira como está dada, os editores acabam como administradores do processo de revisão, se distanciando de uma avaliação qualitativa do conteúdo. O papel de ter um envolvimento mais próximo do trabalho avaliado fica ao revisor, que acaba fazendo uma leitura em más condições, por todos os motivos antes apontados. Além de um maior reconhecimento aos revisores, os pesquisadores também julgam necessária uma maior participação do editor no processo de avaliação. Resolvidos esses fatores, a qualidade da revisão científica no Brasil melhoraria, bem como da ciência como um todo.
Reportagem: Mateus Martins de Albuquerque e William Boessio
Infográficos: Nicolle Sartor