Ser uma Promotora Legal Popular (PLP) nem de longe é um trabalho fácil, mas atuar no fortalecimento e amparo de mulheres é uma prática necessária para ajudar aquelas que estão em situação de violência. As promotoras são mulheres que passaram por um curso de formação sobre direitos humanos das mulheres. Nele são abordadas, principalmente, noções básicas de Direito, questões de marcadores sociais, como classe, genêro e raça, entre outros assuntos. Após formadas, as PLPs estão aptas a auxiliar e acolher outras mulheres nas mais diversas situações de violência, discriminação e preconceito. O curso é oferecido gratuitamente por instituições como Universidades e Organizações não Governamentais.
As PLPs são mulheres donas de casa, lideranças comunitárias, trabalhadoras e estudantes que agem na defesa dos direitos humanos de outras mulheres. É através da ação cotidiana, em diferentes espaços sociais, que as promotoras lutam contra a opressão e violência a que elas e outras estão submetidas.
No Brasil, o projeto de PLPs começou em 1993, quando uma das fundadoras da Organização não Governamental (ONG) “Themis – Gênero e Justiça”, de Porto Alegre, participou de um encontro internacional sobre formação de mulheres e lideranças e, a partir disso, decidiu replicar a metodologia no país, adaptando à realidade local. A iniciativa se espalhou da capital gaúcha para outros estados brasileiros, como São Paulo e Goiás.
Uma das principais preocupações da Themis é construir o curso a partir das necessidades de cada comunidade, como salienta a coordenadora de projetos da PLPs da Themis, Fabiane Simione, “O que muda, às vezes, são questões mais específicas. Por exemplo, há algum tempo atrás, nós não falávamos de guarda compartilhada e hoje, as mulheres querem saber como funciona isso… Então, nós adaptamos conforme a demanda daquele grupo”, explica.
Desde a criação do curso em Porto Alegre, já se formaram 14 turmas de Promotoras Legais Populares, nos mais diversos bairros da cidade e as participantes, geralmente, são:
Após a formação, a Themis dá suporte no apoio as demandas, mas as mulheres têm total autonomia para se auto organizar dentro da própria realidade local. “Elas decidem como vão atuar naquela comunidade, vão buscar espaços dentro de associação de moradores, de escolas, para continuarem esse trabalho”, ressalta Fabiane.
Nas regiões de maior vulnerabilidade social, a violência contra a mulher possui altos índices. Segundo balanço do Ligue 180, uma Central nacional de Atendimento à Mulher ligada ao Governo Federal, 85,85% dos registros recebidos correspondem a situações de violência doméstica e familiar contra mulheres. Nesse sentido, a atuação das PLPs nas comunidades se torna uma ponte para o acesso aos direitos das mulheres – por meio da articulação de informações e acompanhamento no registro de denúncias. Contudo, são muitas as barreiras que ainda surgem durante a procedência do trabalho das promotoras.
Apesar do esforço das PLPs em ajudar a romper o ciclo de violência que muitas mulheres vivem e garantir o registro das ocorrências, a atuação delas é um trabalho paliativo e ainda encontra alguns entraves causados, principalmente, pela precariedade na estrutura do Poder Público. Entre os principais exemplos estão o número reduzido de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), a ausência de abrigos e casas de passagens para as mulheres em situação de violência, os horários reduzidos de funcionamento e o despreparo no atendimento, principalmente porque a maior parte dos atendentes, mesmo nas DEAMs, são homens.
A promotora legal popular de Brasília, Rosa Maria Santos, que atua desde 2011, ressalta que as mulheres em situação de violência fazem a denúncia, mas a falta de estrutura impede que elas tenham um acolhimento adequado. Além disso, uma das coordenadoras do curso de PLPs da Universidade de Brasília, Lívia Gimenes, destaca que muitas vezes apenas a agressão física é considerada violência nos órgãos de proteção. “[Por] não ter um local individualizado para elas poderem falar, às vezes acontecia uns discursos meio preconceituosos, de achar que só se a pessoa chegar com um roxo é que aquela violência é importante e as outras violências você trata como secundárias. Então, a gente percebe que tem um problema também nas delegacias”.
Outra dificuldade é que, em alguns lugares, devido às falhas no atendimento, a PLP se torna uma das únicas fontes de auxílio da mulher vítima de violência. É o que comenta a promotora popular, Maria Inês Barcelos, que atua desde 2001 no projeto. Segundo ela, “o trabalho das promotoras muitas vezes é a própria rede, pois em alguns lugares não tem a rede oficial [de atendimento, através do sistema público]”. Mesmo que as deficiências dos serviços públicos sejam um entrave para a atuação dessas mulheres, a luta cotidiana das PLP’s é também uma ferramenta de transformação social.
O Curso
Os direitos humanos das mulheres são tomados como eixo temático do curso, então todos os assuntos são trabalhados a partir disso. Em Porto Alegre, a formação de PLP’s oferecida pela Themis tem 64 horas de duração, e normalmente ocorre aos sábados, quando as mulheres têm mais disponibilidade. A metodologia é baseada na construção coletiva do conhecimento, através de oficinas com materiais simples, atividades que envolvem música, dramatização e discussão de casos que as próprias mulheres trazem. Fabiane explica sobre a concepção do curso: “Nós sempre partimos da ideia de que a nossa sociedade é desigual, tem um arcabouço normativo e as mulheres precisam se apropriar desse arcabouço. É isso que tentamos fazer, em uma linguagem acessível, com essas mulheres”, comenta.
Há ainda uma coordenação pedagógica formada por uma técnica da ONG e uma promotora legal. Ao longo da formação, essa coordenação vai monitorando e avaliando o que funciona e o que não funciona para que no final curso todas estejam com o mesmo nível de conhecimento.
Fórum de Promotoras Legais Populares
Em Brasília, a formação para Promotoras Legais Populares é um projeto de extensão vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). O projeto, que surgiu em 2005 – a partir da leitura de um texto que contava a experiência da Themis -, é oferecido em Ceilândia, uma cidade-satélite com altos índices de assassinato. A formação tem base nos preceitos de educação popular de Paulo Freire. Esse ano, o curso vai para a 12ª turma e já formou, aproximadamente, 500 mulheres.
A partir das mulheres que se formaram como PLPs, surgiu o Fórum de Promotoras Legais Populares. Uma frente que debate demandas específicas e ações concretas de atuação nas comunidades. Desse Fórum surgiram outras ações, como o “Projeto Vez e Voz” que tem foco no enfrentamento ao tráfico de pessoas (crianças e adolescentes), na cidade de Águas Lindas de Goiás, localizada no entorno do Distrito Federal.
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Reportagem: Clara Sitó e Gabriele Wagner de Souza
Infográficos: Nicolle Sartor