Durante os séculos, a luta da mulher contra a diferenciação de gênero tem sido incansável. Os avanços, conquistados gradativamente, permeiam todos os campos sociais: esporte, política, economia, educação e ciência. No Brasil, desde 1827 existe uma lei que garante o acesso à educação para mulheres, mas só em 1879 elas conquistaram o direito de frequentar instituições de ensino superior, ainda que criticadas por isso.
Atualmente, na Academia Brasileira de Ciências, as cadeiras da estrutura administrativa são ocupadas por 37 homens e apenas quatro mulheres. Entre os 915 membros acadêmicos afiliados, cerca de 87% são do sexo masculino. Os números díspares entre os gêneros refletem a permanente necessidade da busca feminina por espaço na sociedade, mas também nos diz que algo já está sendo feito.
Um exemplo é o prêmio “Para Mulheres na Ciência”, promovido há 10 anos pela L’Oréal Brasil em parceria com a Unesco e a Academia Brasileira de Ciências. O programa visa favorecer a equidade de gêneros entre pesquisadores no Brasil, e incentivar a entrada de mulheres no universo científico. Na edição de 2015, a pesquisadora gaúcha Daiana Ávila está entre as sete jovens vencedoras.
Daiana é formada em Farmácia pela UFSM e mestre e doutora em Ciências Biológicas pela mesma instituição. Atualmente, ela é professora na Universidade Federal do Pampa, em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Bioquímica da instituição. A pesquisa liderada por ela busca alternativas para o tratamento da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença genética e sem cura que degenera o sistema nervoso. Em média, a ELA atinge 12 mil brasileiros. Daiana quer compreender se alguns compostos químicos, como o carboidrato trealose e a vitamina E, podem ser utilizados para atrasar o desenvolvimento da doença e melhorar a expectativa de vida dos doentes. Um resultado positivo dessa pesquisa poderia ser uma alternativa para os medicamentos padrões já existentes.
A equipe de Daiana também se destaca pelo aperfeiçoamento das técnicas de pesquisa: nos testes em laboratório, o grupo trabalha para substituir os mamíferos como cobaias em estudos farmacológicos e estão testando o Caenorhabditis elegans, um animal vermiforme, como cobaias nas experiências sobre a ELA.
O gênero como obstáculo
Daiana Ávila se interessou cedo pela pesquisa, ainda na graduação. O encanto, segundo ela, estava na possibilidade de testar ideias, na liberdade para a criatividade e nas diversas descobertas. Mas a pesquisadora conhece bem os desafios da pesquisa: pouco incentivo, muita disponibilidade de tempo e um cenário de gênero desigual. O prêmio conquistado, de 20 mil dólares, será destinado aos projetos do seu laboratório. Daiana acredita que, com a visibilidade que a pesquisa ganhou, mais pesquisadores devem se interessar pelo tema e colaborar com o trabalho.
Quando o assunto são as barreiras de gênero na pesquisa, a professora sabe que ainda há um grande caminho a percorrer. Mas para Daiana, o passo mais importante já foi dado: a discussão sobre equidade de gênero na ciência tem se tornado cada vez mais relevante para as instituições de pesquisa. “Premiações como esta são iniciativas importantes, mas o mais importante é que as comunidades científica e acadêmica já estão cientes da importância da mulher para a ciência” ela afirma.
Daiana ressalta a necessidade das mulheres ocuparem as coordenações de áreas, dentro das agências de fomento à pesquisa, para que possam auxiliar na evolução. Os espaços ocupados por homens e mulheres ainda são desiguais, mas conquistas são obtidas gradualmente: participação em eventos científicos, publicação de resultados e palestras em congressos. O segredo na luta pela igualdade em todos os campos da sociedade é não desistir.
Conheça um pouco mais as opiniões desta jovem pesquisadora de 32 anos, uma motivação para as desafiadas mulheres cientistas. Daiana conversou com Arco com exclusividade:
De onde veio seu primeiro incentivo pra trabalhar com ciência?
Sempre gostei de química e biologia, e acredito que ter vivenciado a experiência de fazer ciência durante a graduação, como iniciação científica, foi essencial. Logo que ingressei no curso de Farmácia e Bioquímica, eu procurei um laboratório de pesquisa, porque eu queria muito “testar medicamentos em ratinhos”. Realizei vários estágios durante a graduação e cada vez mais tinha a certeza de que fazer pesquisa era o que me fazia feliz. Nunca me arrependi dessa escolha, apesar dos diversos desafios que a gente encontra. Hoje não tenho tanto tempo para fazer experimentos, que é algo que adoro. Mas estar rodeada de alunos, vendo o laboratório cheio, acompanhando as descobertas e as evoluções diárias de cada um e compartilhando isso com eles é muito bom, é o que me motiva diariamente.
Qual a importância de premiações como o “Mulheres na Ciência”?
Este tipo de premiação valoriza as cientistas e estimula que mais mulheres se interessem por esta carreira. Pessoalmente, esse reconhecimento, no início da carreira, traz mais motivação e confiança para dar continuidade ao trabalho realizado aqui no Pampa.
O cenário científico ainda é masculino por uma questão histórica, mas prêmios como este, que trazem reconhecimento às mulheres, são importantes para a nossa e para as futuras gerações de cientistas. Se continuarmos mostrando nossa competência e trabalhando com muita dedicação, poderemos alcançar a igualdade de gênero na ciência. O número de mulheres participando de eventos científicos, palestrando nos congressos e atuando como pesquisadoras vêm crescendo. A ciência precisa das mulheres e cada vez mais a comunidade se dá conta disso.
E isso não acontece apenas na produção, mas também na gestão da pesquisa…
Exato. Se pensarmos em quantas mulheres ocupam uma cadeira na Academia Brasileira de Ciências e na proporção de mulheres palestrantes em cada evento científico, temos uma ideia do quanto ainda é preciso evoluir. Claro que vão aparecer barreiras de gênero, mas já temos uma presidenta na SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) – a professora Helena Nader vem fazendo um trabalho belíssimo. A área Capes do nosso PPG foi coordenada previamente por uma mulher, a professora Leda (UFMG); a Unipampa tem uma reitora e várias pró-reitorias estão sob responsabilidade de mulheres. Não podemos fugir destas responsabilidades e devemos mostrar o quão competente somos, nas diversas funções que desempenhamos.
Na sua opinião, há incentivo para fomentar o equilíbrio de gênero na pesquisa brasileira e mundial?
Acredito que o primeiro passo já foi dado, ou seja, a discussão sobre este desequilíbrio tomou proporções significativas e já há iniciativas importantes para equidade de gênero na pesquisa. Neste momento, acredito que as mulheres precisam ter/manter um posicionamento profissional e aproveitar o espaço que está surgindo. Não adianta só ter o espaço, mas fazer jus a este, e isso significa muito trabalho pela frente! Premiações como essa são iniciativas importantes, mas o mais importante é que as comunidades científica e acadêmica já estão cientes da importância da mulher para a ciência.
Repórter: Andressa Foggiato
Fotografia: Academia Brasileira de Ciências/Divulgação