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Braille ilustrado

Fundação Dorina Nowill é referência em adaptação literária para cegos



Por que foi que cegámos,

Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão,

Queres que te diga o que penso,

Diz,

Penso que não cegámos, penso que estamos cegos,

Cegos que vêem,

Cegos que, vendo, não vêem.

José Saramago

Promover acesso igualitário às diferentes formas de literatura é acreditar na inclusão social através dos livros. Poder compartilhar a mesma obra entre deficientes visuais e quem possui visão normal, ou conversar sobre os sucessos do mercado editorial, é dar chance à integração e colaborar na luta contra o preconceito.

Segundo o IBGE, no Brasil, somos 202 milhões de habitantes. Dentre as diferenças que nos segmentam, somos 6,5 milhões com alguma deficiência visual. Mas nossa única diferença real é o modo como mantemos contato com o mundo externo. Todos somos capazes de enxergar de alguma forma. Com essa crença, a Fundação Dorina Nowill atua há 70 anos defendendo a inclusão social de cegos no Brasil.

Dorina de Gouvea Nowill foi a primeira deficiente visual a estudar em escola regular no Brasil. Ela colaborou na elaboração da lei de integração escolar e foi responsável por trazer a primeira imprensa em Braille para o país em 1946. A organização sem fins lucrativos, da qual é uma das fundadoras, produz livros adaptados para cegos, além de oferecer serviços no atendimento de deficientes e familiares.

São mais de seis mil títulos e dois milhões de volumes já impressos pela Fundação Dorina Nowill, todos em Braille: o alfabeto é indicado por combinações de pontos em alto relevo e lido através do tato. A Fundação trabalha também com 1.600 obras em áudio e 900 títulos digitais acessíveis e colabora com cerca de sete mil instituições em todas as regiões do Brasil. Em 2015, em parceria com o Ministério da Educação, lançou a Dorinateca – uma biblioteca online que visa a inclusão digital de deficientes visuais e oferece diversos títulos, de Gabriel García Marquez a John Green.

A gerente de Serviços de Apoio à Inclusão da Fundação Dorina, Susi Maluf, conversou com a Arco, por e-mail, e explicou um pouco do trabalho deles. Confira abaixo.

1.    Segundo o Censo de 2010, o Brasil possui 18% da sua população com alguma deficiência visual. Nesse contexto, qual é o papel da Fundação para a sociedade?

Há mais de seis décadas, a Fundação Dorina tem se dedicado à inclusão de pessoas com deficiência visual por meio da produção e distribuição gratuita de livros Braille, falados e digitais acessíveis. Esse trabalho é feito diretamente para pessoas com deficiência visual e também para cerca de 2.500 escolas, bibliotecas e organizações de todo o Brasil. A Fundação Dorina Nowill para Cegos também oferece, gratuitamente, programas de serviços especializados à pessoa com deficiência visual e sua família, nas áreas de educação especial, reabilitação, clínica de visão subnormal e empregabilidade. Além disso, atua oferecendo prestação de serviços por meio de cursos, palestras, consultorias, disseminando conhecimento e informação sobre a deficiência visual para reduzir preconceitos e tornar a sociedade mais inclusiva.

2.    A Fundação oferece, além de serviços especializados para o atendimento de deficientes visuais, um vasto catálogo de livros adaptados para cegos. Qual é o diferencial da produção de um livro em Braille?

O processo de transcrição começa a partir do arquivo eletrônico do livro original, publicado pelas editoras. Uma equipe de editores adapta o texto para o Braille, que é, então, revisado integralmente por revisores cegos, garantindo a integridade do texto original. Em seguida, há a produção de uma chapa matriz, a impressão dos materiais, montagem manual dos livros e uma revisão final feita por pessoas com deficiência visual para que sejam observados detalhes como a ordem das páginas, páginas faltantes e outros possíveis desacordos. Depois disso os materiais seguem para a distribuição.

3. Existe algum cuidado especial para a produção de audiobook?

Os livros em áudio têm um diferencial dos audiobooks de mercado, pois são organizados por faixas de 15 minutos, que contêm os capítulos dos livros e que facilitam a navegação para a pessoa com deficiência visual. Os ledores, como são chamados os profissionais que leem estes livros e emprestam sua voz, fazem uma leitura linear, não há trilha sonora para que os leitores possam criar seus cenários, trabalhar o imaginário e ter suas próprias experiências. O custo e o tempo de produção dos livros acessíveis dependem do formato escolhido, do tamanho do livro e da complexidade do conteúdo.

4.    Além dos livros em Braille, quais são os outros produtos oferecidos pela Editora?

Há também os livros em áudio e os livros digitais acessíveis Daisy, que são livros navegáveis pelo computador e que permitem marcações, observações e demais consultas. São muito usados por universitários e para livros com conteúdo mais técnico, como dicionários e livros de Direito que, ao serem lidos, pedem uma navegação mais acessível. Esses livros podem ser acessados por pessoas cegas ou com baixa visão e combinam texto e voz, além de outros recursos como contraste de cor e soletração, por exemplo.

Outros produtos são direcionados a pessoas e empresas que querem participar da inclusão. São oferecidos consultorias, cardápios e produtos em Braille para serem usados em estabelecimentos comerciais, projetos de audiodescrição para eventos, projetos culturais, cinema e comerciais.

5. O que define a linguagem do livro – Braille, audiobook, Daisy?

Todos os formatos podem ser utilizados para todos os livros e existem preferências individuais entre os leitores com deficiência visual. Em geral, priorizamos o Braille para os livros infantis, didáticos e literatura, com o objetivo de apoiar o processo de alfabetização e letramento das crianças e jovens. Os livros falados, por serem portáteis e mais rápidos de produzir, são utilizados para os best-sellers e literatura em geral, e atendem a um grande público que não lê o Braille. Os livros digitais acessíveis Daisy são mais direcionados para livros técnicos, didáticos e de pesquisa pela facilidade de navegação e de pesquisa.

 

6.Como surgiu a preocupação de oferecer também livros ilustrados? Como é o processo de produção desses livros? Eles despertam grande interesse?

As imagens são importantes para a pessoa com deficiência visual da mesma maneira do que para uma pessoa que enxerga. Nos livros infantis, as ilustrações têm efeito lúdico, estimulam o imaginário infantil e o desenvolvimento de seu repertório. Nos livros didáticos, as imagens contribuem para a compreensão de conceitos complexos e abstratos como mapas, gráficos, fórmulas, entre outros.

Ao produzir livros infantis ilustrados, coloridos, com impressão em tinta e Braille, seguimos o conceito de livro inclusivo, ou seja, um mesmo livro é lido por crianças com e sem deficiência. Isso promove a leitura para todos, aqueles que leem o Braille, os que têm baixa visão e quem enxerga. A ideia é que todos possam compartilhar o mesmo livro, diminuindo as barreiras e os preconceitos. O professor pode trabalhar esses livros em sala de aula com todos os seus alunos, independentemente da deficiência. O interesse é grande, pois existem poucas publicações nesse formato no mercado, além de serem livros que encantam e que o público em geral recebe muito bem.

Diferente dos demais livros que são transcrições de livros do mercado, estes livros infantis ilustrados e editados pela Fundação Dorina são elaborados desde o início com a contratação de autores e ilustradores. Os ilustradores passam por uma capacitação para garantir que os traços dos desenhos sejam bem adaptáveis ao Braille. Depois de pronto o livro em tinta, o processo de produção é o mesmo da produção de Braille.

7.    Quanto aos livros didáticos, como se dá a produção quando há fotografias e tabelas? Há preferência por algum formato?

A correta adaptação dos livros didáticos é fundamental para o aprendizado dos alunos com deficiência visual.  Nos livros em Braille, todo o texto é transcrito em Braille e as imagens, gráficos, mapas, tabelas são adaptados. Ou seja, as imagens são recriadas mantendo o conceito original para permitir que o aluno, pelo tato, as reconheça e compreenda; além disso é acrescentada, em alguns casos, a descrição da imagem para complementar a informação. Nos livros falados e nos livros digitais Daisy, utilizamos a audiodescrição das imagens.

Em relação ao formato, o Braille é a escolha preferencial para os anos escolares iniciais, pois é essencial para o processo de alfabetização; nos anos finais escolares e no ensino universitário, os livros em Daisy também são utilizados pela facilidade da navegação e da pesquisa.

8.    Como é o trabalho de distribuição?

A distribuição de livros acessíveis – Braille, fonte ampliada, áudio ou digital acessível Daisy – é feita para mais de 2500 instituições, organizações, escolas e bibliotecas que trabalham com o público com deficiência visual. É feita uma análise de perfil dessas pessoas, como interesse, faixa etária e outros dados que farão com que os títulos ideais cheguem a estes lugares. A distribuição é gratuita. A produção é financiada por projetos patrocinados e o envio, pelos Correios, segue por Cecograma – sistema em que há possibilidade de envio de materiais acessíveis para pessoas com deficiência visual sem custos.

9.    Desde a década de 1940 a Fundação é referência no atendimento e suporte para cegos, doando livros a bibliotecas de todo o território nacional, possibilitando a inúmeras pessoas o acesso à leitura. Nesse cenário, como a editora se mantém, já que seu material em maioria é doado?

Para a produção e distribuição de livros acessíveis, a principal fonte de recursos são os projetos patrocinados via leis de incentivo fiscal. Além deles, trabalhamos com ações de marketing relacionado à causa, onde empresas vendem algum produto e revertem parte da renda à instituição. Temos mantenedores, que são pessoas que doam diferentes quantias para a instituição periodicamente. Temos um outlet – produtos vendidos por um valor menor que do mercado – em que os produtos vendidos são resultados de doações de marcas e a renda é revertida para ações da Fundação Dorina.

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Há sete décadas, a Fundação Dorina promove a inclusão social de deficientes visuais através da leitura e de serviços de atendimento. Por ser uma organização sem fins lucrativos, a Fundação conta com contribuições para manter seu funcionamento e, através dessas doações, eles promovem acesso à educação, informação e cultura, seguindoo legado de Dorina de Gouvea Nowill. As empresas podem colaborar através da Lei Rouanet, onde 4% do Imposto de Renda são destinados a Fundação. Já pessoas físicas podem ajudar com doações mensais, esporádicas, notas fiscais ou através do voluntariado.

Para conhecer mais e colaborar com a Fundação, acesse: http://www.fundacaodorina.org.br/

Reportagem e Fotografia: Andressa Foggiato

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