Ir para o conteúdo Revista Arco Ir para o menu Revista Arco Ir para a busca no site Revista Arco Ir para o rodapé Revista Arco
  • International
  • Acessibilidade
  • Sítios da UFSM
  • Área restrita

Aviso de Conectividade Saber Mais

Início do conteúdo

Entre charges e capas

Os aspectos da profissão de capista através do trabalho de Gilmar Fraga, ilustrador do jornal Zero Hora



O ditado diz que não devemos julgar um livro pela capa, mas, muitas vezes, uma boa capa é fator decisivo na hora de escolher entre comprar um livro ou não. Por isso, as editoras contratam profissionais especializados para criá-las. Um desses profissionais é o ilustrador do jornal Zero Hora, Gilmar Fraga, que trabalha na empresa desde 1996. Durante esses anos, o profissional se destaca pelas ilustrações dos Guias Politicamente Incorretos, da Editora Leya, que já conta com as edições da história do Brasil, da América Latina, do Mundo, do Futebol e da Filosofia e, em breve, do Humor e da Psicologia.

Conversamos, por telefone, com o ilustrador, para saber mais sobre a sua carreira e o ofício de capista.

 

Gilmar, nos conte um pouco da sua carreira até chegar na Zero Hora.

Comecei em um jornal pequeno de Viamão, região metropolitana de Porto Alegre, e lá o meu trabalho foi visto pelo pessoal que rodava (imprimia) o Jornal RS na capital. O pessoal viu meu desenho na gráfica e me chamou para lá. Trabalhei também no Sindicato dos Bancários, trabalhei por um bom tempo nesse meio sindical, entidades que eram fortes na época. Depois tive uma experiência com uma agência de publicidade e com uma editora, da Universidade Luterana do Brasil. Trabalhei na Associação dos docentes da UFRGS e passei para o jornal [Zero Hora].

Qual o primeiro livro que você ilustrou? E como iniciou o trabalho com as capas?

Começou com a L&PM Editora, eu ilustrei um livro para eles e gostaram do meu trabalho. Hoje faço muita capa para editoras do Rio e São Paulo. Desenvolvo alguns projetos com fôlego maior, geralmente não são trabalhos pequenos, são sequências de capas, de histórias em quadrinhos.

O primeiro não foi exatamente um livro, foi a Série Neoleitores, uma coleção para adultos recentemente alfabetizados. Pegavam Frankenstein e davam uma mexida no texto, reduziam, tiravam as expressões rebuscadas e lançaram uma série de livros dessa forma. Hamlet, Frankenstein, Robson Crusoe. Depois fiz o livro da Claudia Tajes, Só as Mulheres e as Baratas Sobreviverão. Também uma coleção do Caio Fernando de Abreu, Martha Medeiros, entre outros.

Com a Editora Leya, tenho uma relação bastante duradoura. Recém terminei o livro do Danilo Gentili, já entreguei a capa, o Guia Politicamente Incorreto do Humor. E estou começando o Guia Politicamente Incorreto da Psicologia.

Como você define seu estilo de ilustrar e qual a sua inspiração?

Existem dois tipos de ilustradores, o ilustrador que tem um estilo e não tem muitas variações na sua maneira de desenhar, e eu me incluo no segundo tipo, tenho meu estilo, tenho algumas coisas como ícones que costumo repetir em alguns trabalhos, mas tenho certa facilidade de transitar por diferentes formas de desenho. Gosto também de trabalhar com a referência fotográfica, então eu acho que a inspiração é sentar e trabalhar todos os dias, tentar resolver as coisas com um esboço e planejamento para quando for para a arte final já ter um caminho delimitado do que eu quero.

Nos livros, você trabalha apenas com a arte da capa?

Já fiz direções de arte também, o Jô na Estrada, por exemplo, do David Coimbra, que saiu pela L&PM eu fiz tudo, toda direção de arte, todos os tipos gráficos, editorei a capa, montei a ilustração, estabeleci os tamanhos dos textos da orelha. Hoje em dia, eu prefiro ter uma associação com alguns designers, como o Diego Rodrigo da Obá editorial, de São Paulo, que faz as capas dos Guias. Eu faço mais a ilustração das capas. Geralmente é um processo demorado, porque exige uma pesquisa iconográfica grande. Eu faço a leitura de alguns capítulos prévios que me enviam, escrevo uma lista de personagens e tento desenhar.  Muitas vezes, tu não tem referências- por exemplo, uma bruxa na fogueira, então tenho que montar essa cena de acordo com a estética das capas. Fiz a ilustração dos mensaleiros para a capa do Mensalão, da Leya e em muitas das fotos as pessoas não estavam de corpo inteiro, então eu tive que desenhar um corpo para aquela referência fotográfica.

Como é feito o contato com as editoras?

Esses convites vêm de todas as formas. Muitas vezes a pessoa está lá navegando e entra em contato comigo por e-mail, outras vezes as agências procuram possíveis ilustradores para trabalhar. Ou por convites feitos diretamente pelo editor, como é o caso da Leya. O caminho é muito variado. Eu nem tenho uma rede de contatos gigantesca, nunca bajulei e procurei editora, as coisas têm acontecido com certa naturalidade e o jornal me propicia uma grande janela, que permite mostrar várias nuances do meu trabalho.

Millor Fernandes caricaturado por Fraga.

Millor Fernandes caricaturado por Fraga.

Você se destaca bastante pelas caricaturas, costuma usá-las na composição das capas também?

Já fiz livros com caricaturas. Fiz o Millor Fernandes para a Editora Libreiros de Porto Alegre, recentemente. Uma caricatura difícil de fazer, porque apesar de ele ser um cara bastante expressivo, se tu procurar a iconografia dele não tem muitas caricaturas como personagem. Geralmente, o Millor é aquele que ele mesmo desenhava nas suas colunas. Fiz um João Ubaldo Ribeiro também. Já publiquei caricaturas em revistas, na Playboy, por exemplo.

Existe algum trabalho já existente que você gostaria de feito?

Eu gostaria de ter ilustrado um Nelson Rodrigues. Existem alguns caras que eu gostaria de ter trabalhado, um é o Carlos Urbim, que eu estou fazendo uma caricatura para uma homenagem. Trata-se de uma caricatura póstuma que estampará uma Kombi itinerante que levará por toda Porto Alegre livros da obra dele.

“Não tenho um trabalho que diga ‘esse trabalho me solidificou na carreira’. Foi passo a passo, capa a capa, desenho a desenho”

 

Qual o trabalho que você mais se orgulha de ter feito?

São tantos. Uma das coisas que abre muitas portas são os Salões de Humor. Teve determinada época da minha vida que eu ganhei muitos, um seguido de outro. Foram doze Salões de Humor em três anos, além de prêmios de jornalismo. Essas coisas vão te gabaritando. Muitas vezes, em prêmios de jornalismo, as coisas que tu ganha nem são as tuas melhores, mas aquelas que atingem um público maior. Não tenho um trabalho que diga “esse trabalho me solidificou na carreira”. Foi passo a passo, capa a capa, desenho a desenho, isso vai criando esse conjunto.

O que você diria para alguém que quer iniciar nesse ramo da ilustração, elaboração de capas de livros, editoração em geral?

Eu diria que está tudo muito junto. O cara tem que estar com um pé fincado no design e com o outro pé fincado na ilustração. Ele tem que estar de olho nas tendências, mas também não mergulhar de cabeça numa só tendência, porque eu acho que é mais importante cristalizar seu trabalho do que se atirar numa tendência de desenhar apenas de um jeito.

Para quem está começando, eu sempre vou aconselhar o seguinte: desenha mais e mais e mais e mais, e desenha à mão, é importante desenhar à mão, porque isso te dá segurança para resolver o trabalho de qualquer forma. Fazer esquetes, fazer estudo de esboço, essas coisas te possibilitam esquematizar a forma de trabalhar e simplifica muito na hora de fazer uma arte final.

Em relação às ilustrações para o jornal, como é a relação dos profissionais com as críticas sobre seus desenhos?

Do ponto de vista político, quando eu iniciei no jornal, em 1996, era a época do José Barrionuevo, que escrevia sobre política na página 10 e era odiado por nove a cada dez leitores. Mas também tinha muita gente da direita a favor dele, e era uma coisa muito embaraçosa desenhar essas colunas pela questão de posicionamento político, eu sempre fui mais de esquerda, mas por força da profissão acabei ilustrando os textos dele. Mesmo assim, posso dizer que nunca sofri algum tipo de retaliação por um desenho durante todos esses anos.

Já quando eu fui fazer charge esportiva – eu fazia o espaço que se chamava Os Flautistas, no caderno de esportes do online – eu comecei a ver que os comentários eram muito fortes, mas também naturais, porque mexe com a paixão dos torcedores da dupla Gre-Nal. Eu era achincalhado e acusado de gremista pelos torcedores do Inter e de colorado pelos do Grêmio, xingavam até a décima quinta geração da minha família por causa de uma charge, de um desenho. Então isso é normal com a charge porque é algo que mexe com a paixão, principalmente a esportiva, que é minha experiência atual.

Repórteres: Joelison Freitas e Jonas Migotto Filho

Imagens: Gilmar Fraga (Flickr)

Divulgue este conteúdo:
https://ufsm.br/r-601-109

Publicações Relacionadas

Publicações Recentes