As relações entre mãe e filho iniciam muito antes do parto. Mas é a partir do momento em que ela dá à luz e segura o filho pela primeira vez que começa uma ligação de fundamental importância para ambos. Aos poucos eles se conhecem e aprendem a entender um ao outro, através de gestos, carinhos, expressões inquietas e até mesmo do choro. No entanto, são muitos os fatores que podem influenciar essa relação, sejam eles de ordem biológica, psíquica ou social.
Para entender melhor essas complexas relações, professoras da UFSM desenvolveram uma pesquisa que investigou a associação entre o tipo de aleitamento, a presença de risco ao desenvolvimento infantil e variáveis socioeconômicas e obstétricas (como prematuridade e baixo peso do recém-nascido). Fizeram parte do projeto as professoras do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana Anelise Henrich Crestani e Luciane Beltrame, juntamente com a professora de Fonoaudiologia Ana Paula Ramos de Souza, e a professora de Estatística Anaelena Bragança de Moraes.
O aleitamento é um dos momentos mais importantes no estabelecimento da relação entre uma mãe e seu filho. Como parte desse processo, a forma escolhida para que a amamentação aconteça tem ligação também com a dimensão psíquica e social, tanto da mãe quanto do bebê. Assim, é preciso considerar que a escolha pelo aleitamento exclusivo no peito ou pelo misto, por exemplo, não é feita ao acaso.
Segundo a professora Ana Paula, são muitas as condições que podem influenciar a forma como vai se dar o aleitamento. Algumas delas são situações como nascimento prematuro, baixo peso do recém-nascido, intercorrências, ou seja, problemas de saúde que a mãe teve com relação à gestação e ao parto, idade materna e situação socioeconômica. Além de variáveis como as condições de trabalho às quais a mãe está exposta, falta de apoio da família e problemas com gestações anteriores. Algumas mães podem sofrer ainda com “falta de leite” e “leite fraco”, problemas mamários e mesmo recusa do bebê.
Para a realização desta pesquisa, as professoras da UFSM contaram com 182 mães e seus bebês, nascidos prematuramente ou não e sem diagnóstico de alterações biológicas, como malformações ou síndromes. A coleta de dados foi realizada, inicialmente, a partir de uma entrevista, feita por uma equipe de psicólogas e fonoaudiólogas, que tinha por objetivo investigar aspectos obstétricos, socioeconômicos, demográficos e psicossociais.
Juntamente, foram coletados os Índices de Risco ao Desenvolvimento Infantil (IRDIs), os quais avaliam aspectos da relação mãe-filho que abrangem a protoconversação (os primeiros diálogos entre ambos), que ocorrem quando a figura materna fala e o bebê responde com gestos, olhares ou balbucios. Tal índice relaciona-se, assim, ao desenvolvimento de forma geral e, em especial, à linguagem. Quando não é possível perceber a presença de um ou mais dos IRDIs nas trocas entre a mãe e seu bebê, pode haver um problema no seu relacionamento.
As observações foram feitas por, no mínimo, duas pesquisadoras psicólogas, que deviam apresentar entre 90 e 100% de concordância nas respostas. Posteriormente, as mães foram filmadas enquanto interagiam com seus filhos, o que permitiu compreender melhor a relação entre eles. A faixa etária dos recém-nascidos variou entre zero e quatro meses, o que fez com que se considerassem os cinco IRDIs iniciais da escala de interação, listados a seguir.
Os dados foram categorizados em aleitamento de tipo exclusivo, para os casos em que a mãe opta ou apenas por amamentar no peito ou exclusivamente pela alimentação com leite artificial; e aleitamento misto, quando leite materno e artificial são dados de forma concomitante. Os resultados revelados mostram, no que se refere aos IRDIs, que a compreensão mútua entre mãe e filho teve maiores dificuldades ou não ocorreu nos bebês cujas mães amamentavam de forma mista. Esse fato foi evidenciado pela menor presença de alguns IRDIs (em especial 1, 2 e 5) e revela que há uma associação entre a ausência de alguns IRDIs e o aleitamento misto, e esta se dá por uma dificuldade da mãe de exercer o papel materno, tanto por condições ligadas a ela própria quanto ao bebê, o que gera insegurança e dificulta a escolha de uma única forma de alimentação.
A professora Ana Paula destaca que instruções técnicas sobre como amamentar são importantes, mas que não devem ser vistas como imposições que desestabilizem a mãe, que pode já estar insegura e frágil por conta da dificuldade em alimentar seu bebê com o leite vindo do peito. E, embora esse tipo de aleitamento seja ótimo para o bebê, em alguns casos é válido que a mãe alimente o filho através de uma mamadeira, por exemplo, até que se sinta segura para amamentar no peito. Nesse momento, o apoio a ela é a principal forma de ajudar a resolver o problema.
No caso de variáveis como prematuridade, baixo peso e intercorrências com o recém-nascido, a maioria das mães optou pelo aleitamento misto. Para a professora Ana Paula, elas enxergam esse tipo de aleitamento como uma forma de compensação, por exemplo, pelo baixo peso que o filho apresenta. Estudos anteriores mostram, inclusive, que a associação entre o uso do aleitamento misto em situações nas quais o bebê sofre de alguma dessas variáveis pode ocorrer de forma positiva. O que chama a atenção e reforça a necessidade de cuidado para fatores não apenas biológicos é o fato de que muitos bebês com peso ideal e sem intercorrências ao nascer também receberam esse tipo de alimentação. Nesses casos, apresentam-se fatores subjetivos, sensoriais e afetivos, tais como estado emocional, insegurança e dificuldade na constituição da experiência materna.
Embora estudos anteriores indiquem que a prática do aleitamento materno exclusivo ocorre em dobro para bebês que têm mães donas de casa em comparação àqueles cujas mães trabalham fora do lar, esta pesquisa realizada na UFSM revela dado diferente: a maior disponibilidade física não impede que haja predomínio do aleitamento de tipo misto.
Num somatório dos dados, o que se pode perceber é que quando a mãe se vê em uma situação de pressão, seja esta de qual ordem for, ela tende a ficar insegura sobre sua capacidade de desempenhar o papel materno. Essa insegurança gera confusão na hora de fazer escolhas relacionadas ao filho, o que poderá desencadear neste dificuldades na fala e retraimentos no relacionamento com outras pessoas, por exemplo. Fazer um acompanhamento desses primeiros meses de vida é, então, uma forma de detectar problemas que podem vir a se desenvolver. A docente Ana Paula Ramos de Souza alerta, no entanto, que a detecção precoce da possibilidade de o bebê desenvolver alguma dificuldade de fala ou relacionamento não é uma forma de realizar um diagnóstico: “A detecção precoce é uma maneira de fazer um acompanhamento de uma situação de risco. Ou seja, não quer dizer que a criança necessariamente desenvolverá um problema, pois não há como prever algo nesse sentido”.
Ser mãe é um exercício diário de aprendizagem, e o importante é preservar, desde o início, a relação com o filho. A falta de experiência e de apoio, a preocupação em se dividir entre a criança e o trabalho, o sentimento de fragilidade: são vários os conflitos e dúvidas que podem surgir logo no início da experiência materna e terem reflexos no futuro. Porém, quando há apoio e um acompanhamento que dê segurança à mãe, o desafio se torna mais fácil.
Repórter: Daniela Pin Menegazzo
Ilustrações: Projetar