“O inverno está chegando”. A frase famosa da série Game of Thrones, dita pela primeira vez no episódio piloto, aflora opiniões divergentes acerca da estação. Todo ano, nas redes sociais, existe uma batalha entre os que são do time verão e os que preferem as temperaturas mais baixas. Porém, na série norte-americana, a frase icônica não possui significado apenas literal, mas também um sentido de “fique vigilante e alerta” – ambas reações que vão ao encontro da maneira que o nosso corpo reage quando o equilíbrio de sua temperatura é ameaçado.
Em 2021, o mês de julho contou com uma onda de frio que atingiu todo o país. Além da queda de neve na serra gaúcha e catarinense, as temperaturas baixas atingiram até mesmo estados nas zonas mais próximas à linha do Equador – com temperaturas abaixo de zero no sudeste e temperaturas excepcionalmente baixas, entre 10ºC e 17ºC, no norte do Brasil. Fato que agradou alguns e provocou sofrimento em outros, a vinda dessa frente fria e os seus efeitos nos faz questionar: por que as opiniões sobre as estações são tão diversas? Por que, realmente, parece que as pessoas possuem diferentes percepções do frio? E, afinal, por que sentimos frio? A partir de uma conversa com o pneumologista e professor do Departamento de Clínica Médica da UFSM, Gustavo Trindade Michel, a Arco responde essas perguntas e tenta entender como o corpo humano reage ao frio.
Por que sentimos frio?
O corpo humano é um organismo homeotérmico – ou seja, possui a capacidade de fazer o controle da temperatura corporal apesar das mudanças climáticas em seu entorno. Esse mecanismo de controle, que também é encontrado em aves e em outros mamíferos, nos classifica como “animais de sangue quente” e é colocado em prática através do balanço entre a geração de calor metabólico e de processos de trocas com o ambiente, como, por exemplo, a perda de temperatura que ocorre com a evaporação do suor.
Nesse sentido, a manutenção da temperatura corporal é essencial para a vida e o bom funcionamento desses organismos. No caso dos humanos, a média é entre 36ºC e 37ºC. Para isso, nós possuímos receptores espalhados pelo corpo todo, principalmente na pele, os quais captam as mudanças de temperatura do ambiente e nos alertam de uma possível baixa da temperatura corporal.
Porém, essa fase inicial só adverte para o que pode vir a seguir – é como se fosse um aviso: “se aqueça!”. “Passar frio nunca é uma coisa boa. Primeiro, porque o gasto energético aumenta muito e, segundo, porque há uma ‘desregulagem’, principalmente do ponto de vista imunológico do organismo, que precisa dessa temperatura mais ou menos constante. As vias respiratórias também sofrem porque inalamos esse ar frio”, comenta Gustavo.
Além do aumento do gasto energético, o corpo possui outras formas de tentar se manter aquecido. Uma delas é através de tremores, que, na verdade, são uma contração involuntária dos músculos que garante a geração de calor. Outra forma é através da piloereção – quando os pelos do corpo se arrepiam. A finalidade disso é formar uma camada isolante ao redor do corpo, como se fosse um colchão de ar quente próximo à pele.
Ainda, pode ocorrer a vasoconstrição. Segundo Gustavo, “o corpo começa a manter a circulação nos órgãos mais internos – evitando que o sangue circule nos órgãos mais periféricos, como as mãos e os pés. Então é por isso que a gente fica com a mão gelada muito rapidamente, a gente perde sensibilidade na mão, ela fica um pouco dolorida: porque se fecham os vasos de circulação nesses ambientes, nesses órgãos mais externos; para que não tenha mais perda de calor. Para manter a parte interna mais aquecida – que são os órgãos vitais”.
Em um cenário em que alguém enfrenta uma exposição desprotegida ao frio e, à medida que os processos de reação do organismo avançam, a diminuição da temperatura desses órgãos – geralmente quando chegam à marca de 35ºC – caracteriza os casos de hipotermia. Em tais situações, o corpo vai apresentando sintomas como cansaço, alteração da frequência cardíaca, dificuldades de respiração e letargia – quando a pessoa começa a responder de maneira mais lenta a estímulos. As consequências disso podem ser graves, podendo refletir em transtornos, sequelas neurológicas e, dependendo do tempo de exposição, até em óbito.
As diferentes percepções do frio
Visto que as sensações de frio e calor ocorrem devido aos sensores espalhados pelo corpo, é importante pontuar que cada um de nós possui diferenças nas concentrações e na localização desses sensores. Isso explica por que alguns sentem mais frio nas orelhas, por exemplo, enquanto outros não. Ainda, uma predisposição maior para sentir frio geralmente está associada a fatores genéticos. Ou seja, se você é do time dos que sofrem sob baixas temperaturas, não há muito o que fazer.
Outro fator que influencia é a já comentada vasoconstrição dos membros externos: “As pessoas, às vezes, têm alguma dificuldade de dilatar ou contrair as veias e artérias para manter essa regulação – ou o contrário: elas têm essa reação exacerbada, quando, com qualquer frio, a pessoa já fica com a mão gelada e tem dificuldade de aquecer. Não tem muito como resolver isso, é inerente a cada pessoa. Assim como a sensibilidade das pessoas é diferente – seja à dor, seja a qualquer outro estímulo. Tem gente que é mais ou menos sensível ao frio também”, explica o pneumologista.
As taxas de gordura no corpo complementam a equação – segundo Gustavo, a gordura é um excelente isolante térmico, portanto, pessoas com taxas maiores tendem a ter mais resistência às temperaturas baixas. Fora isso, o contexto de vida de cada um afeta as chamadas ‘sensações distópicas’ – aquelas que a pessoa não está acostumada a sentir -, como quando alguém que mora em um local de clima mais ameno visita uma cidade que possui temperaturas mais extremas. Essa pessoa sentirá mais frio ou calor.
Nesse sentido, climas mais úmidos exacerbam as sensações. “A transmissão de temperatura nos ambientes úmidos é muito maior. Porque o líquido transmite mais a temperatura. Seriam trocas entre o corpo e o ambiente. O líquido que está presente no ar acaba transmitindo mais calor ou mais frio”, comenta Gustavo.
Assim, para o que resta do inverno, medidas práticas dificilmente terão grandes efeitos nas particularidades de cada um. Segundo o pneumologista, a solução é se manter agasalhado. Além disso, apostar nas alimentações termogênicas – de alimentos que apresentam mais dificuldade em serem digeridos -, as quais aumentam o gasto energético e, em um segundo caso, comidas quentes, como sopas e caldos.
Por fim, como uma medida para amenizar os efeitos negativos do frio no organismo e, principalmente, no sistema imunológico, hábitos como sono adequado, alimentação saudável e prática de exercício são essenciais para passar esse período de maneira mais agradável – ainda que você esteja em contagem regressiva para a volta do calor com a chegada da primavera.
Expediente
Repórter: Esther Klein, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Ilustrador: Luiz Figueiró, acadêmico de Desenho Industrial e voluntário
Mídia Social: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Eloíze Moraes e Martina Pozzebon, estagiárias de Jornalismo
Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas