Ao longo do tempo, a sociedade e os seus modos de organização social sofreram inúmeras transformações provocadas, entre outros fatores, pela revolução tecnológica. A memória, seja ela cultural, social, laboral ou ecológica, é responsável pela construção histórica da sociedade, ou seja, por testemunhar e levar adiante o conhecimento dessas transformações. Como exemplo, há a paisagem, entendida como uma síntese do espaço e do tempo, na qual são registradas as mutações do mundo contemporâneo. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pesquisadores estudam questões relativas à memória no âmbito da Sociedade Informacional e das diferentes tecnologias da informação e comunicação empregadas em sua coleta, armazenamento, recuperação e difusão.
Sociedade Informacional: Memória e Tecnologias foi definido como um dos quatro temas estratégicos do Programa Institucional de Internacionalização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES-PrInt). O programa, que teve início em novembro de 2018 e foi renovado para o biênio 2022/2023, visa fomentar a internacionalização na pós-graduação das instituições de ensino contempladas, por meio da liberação de recursos para Missões de Trabalho no Exterior, Manutenção de Projetos, Bolsas no Exterior, Doutorado Sanduíche, Professor Visitante Junior, Professor Visitante Sênior, Capacitação em cursos de curta duração e Jovem Talento.
O tema estratégico Sociedade Informacional abrange dois projetos de cooperação internacional. Um deles é o ‘Memória e Tecnologias’, coordenado por Cesar de David, que reúne ações e estratégias de investigação da temática envolvendo quatro programas de pós-graduação (PPGs): Filosofia, Geografia, Agronomia e Letras. A Revista Arco entrevistou o coordenador do projeto, que é docente do Departamento de Geografia da UFSM. Confira:
Revista Arco: Quais são as atividades executadas pelo projeto?
Cesar de David: Esse é um projeto guarda-chuva, em que as quatro áreas de pesquisa e de pós-graduação (Geografia, Letras, Agronomia e Filosofia) dialogam com as questões relacionadas à Memória e Tecnologias, cada uma a seu modo, seguindo sua própria perspectiva, mas interconectadas. Essas quatro áreas se articulam em torno desse tema transdisciplinar. A memória, no caso da filosofia, investiga e reflete sobre as questões da filosofia da mente e de como ela processa e retém a memória. A geografia, no campo do estudo da paisagem, vê a paisagem como uma representação da memória do tempo e do espaço. Cada área vai dialogar a seu modo e se articula a partir da própria perspectiva em torno do tema que é bastante abrangente, mas que está em profunda relação com a sociedade contemporânea. O nosso tema estratégico é a sociedade informacional.
Revista Arco: Como surgiu o tema estratégico Sociedade Informacional?
Cesar: Ele surge a partir de conexões possibilitadas pela UFSM Silveira Martins. Todos os envolvidos são pessoas e grupos que trabalham no Espaço Multidisciplinar de Pesquisa e Extensão, que envolve diferentes projetos. Em geral, são da área das humanidades (filosofia, letras, geografia, entre outras). Quando a UFSM chamou pesquisadores que tinham alguma atuação internacional para fazer parte de um projeto institucional de internacionalização, nós sistematizamos o que já fazíamos em Silveira Martins e discutimos o que nos aproximava enquanto projetos relativamente autônomos. Chegamos à conclusão, depois de algumas reflexões, de que era a Sociedade Informacional. Nós vivemos numa sociedade em que a informação e as suas tecnologias perpassam não só a vida cotidiana, mas também a elaboração de construções que nós fazemos enquanto cientistas, pesquisadores e estudiosos da sociedade contemporânea. A partir disso é que nós construímos um projeto integrado para fazer parte do institucional.
Revista Arco: Qual o papel da memória na aquisição e compartilhamento do conhecimento humano?
Cesar: O conhecimento humano é acumulado historicamente pela sociedade. O conhecimento é um produto social construído ao longo do tempo, e essa construção se faz porque, em certa medida, ela é retida pela sociedade, que seleciona o conhecimento que julga pertinente e necessário de ser transmitido para gerações futuras. Todo o nosso conhecimento, a tecnologia e a ciência, só são produzidos, hoje, nos centros de pesquisa e nas universidades, porque nós, de certa forma, o conservamos. Essa conservação nos oferece uma memória do tempo em que produzimos o conhecimento, seja nas artes, seja nas ciências ou nas tecnologias. A partir do nosso estudo, de reflexão e de investigação, construímos e produzimos esse conhecimento que vai ser guardado, retido e transmitido às gerações futuras. Esse é o papel da universidade, sobretudo, da universidade pública.
Revista Arco: Qual a importância das colaborações internacionais para o avanço da pesquisa e o fortalecimento dos programas de pós-graduação da UFSM?
Cesar: Na minha avaliação, o programa Capes-PrInt é um dos mais importantes, não só ao pensar a internacionalização das universidades, mas o próprio avanço científico das relações entre pesquisadores e grupos de pesquisa. Ele oportuniza diferentes vivências, tanto de professores que vêm para o Brasil e trazem suas experiências e compartilham seu trabalho com os colegas brasileiros quanto de oportunidades que nós, pesquisadores, temos. Acredito que, nessa relação e nessas oportunidades de intercâmbio que o Capes-PrInt proporciona, todos conseguem crescer juntos. E isso, para os programas de pós-graduação, é fundamental, em termos de produção científica, de estímulo à ciência, à tecnologia e à inovação, porque os projetos de internacionalização fazem parte da avaliação desses PPGs.
Revista Arco: Como os pesquisadores têm avaliado as experiências de intercâmbio em instituições estrangeiras? Qual a contribuição mais relevante?
Cesar: A avaliação tem sido positiva, porque atualmente o programa oportuniza essas vivências dos pesquisadores brasileiros no exterior, e isso se reflete de diferentes formas na pós-graduação. Em geral, essas experiências no exterior, seja por bolsas ou por missões, frutificam em termos de produção acadêmica, produção científica e pesquisas e artigos desenvolvidos no Brasil e no exterior. A produção científica nesses programas não aumenta só em números, mas também em qualificação, a partir de periódicos mais qualificados com produção no exterior e divulgação, lá fora, do que a universidade produz. Essa é a principal avaliação que os pesquisadores relatam: a possibilidade da qualificação da sua produção intelectual, com artigos em conjunto com pesquisadores estrangeiros, com estudantes que participam desses intercâmbios e apresentam trabalhos em eventos internacionais. Isso também qualifica muito a pós-graduação ao promover eventos internacionais na nossa instituição e articular esses pesquisadores da Universidade com pesquisadores de outros centros, o que fomenta os cursos — a pós-graduação e a graduação.
Revista Arco: Quais têm sido os principais desafios da execução do projeto?
Cesar: Os maiores desafios são relacionados à própria pandemia, que impactou de forma muito substancial nas atividades planejadas. A dificuldade é readequar o planejamento aos novos cronogramas que a Capes coloca. Nós tivemos missões programadas que não foram executadas, e bolsas planejadas para 2020 e 2021 que terão que ser replanejadas e rearticuladas de 2022 a 2024, porque o programa Capes-PrInt era para ser concluído este ano e foi estendido. Outro desafio é enfrentar os cortes de recursos das universidades e dos centros de pesquisa no país, que se reflete na internacionalização das instituições. O corte das universidades impacta, sobremaneira, em todo o trabalho de internacionalização que vinha sendo realizado, porque nós temos um projeto de internacionalização, mas ele se articula desde a iniciação científica. No momento em que você tem cortes em bolsas e uma diminuição dos recursos destinados à iniciação científica, vai ter um impacto no futuro da pós-graduação: são menos alunos que terão acesso à pós-graduação e às possibilidades de inserção na produção da ciência e da tecnologia.
Revista Arco: Quais foram os resultados obtidos até agora?
Cesar: As redes de pesquisadores oportunizadas pelo Capes-Print são o grande resultado, porque se traduzem em convênios com instituições internacionais, em produção científica qualificada e em várias outras oportunidades que são geradas para estudantes e pesquisadores da UFSM. Isso beneficia toda a comunidade acadêmica, que tem a oportunidade de pensar e de refletir sobre as questões trazidas pelas pessoas envolvidas no projeto.
Revista Arco: Quais são as expectativas para o futuro do projeto?
Cesar: Eu espero que tenha continuidade, que não seja apenas um projeto que tem início e fim, mas que possa render outros frutos, que essa seja efetivamente uma política pública de internacionalização dos programas das universidades brasileiras. A grande perspectiva seria a continuidade da internacionalização como uma política pública que qualifique as universidades como instituição de produção e de divulgação do conhecimento, e que essa produção seja partilhada no Brasil e no exterior. Acho que esse é o grande objetivo, fazer da UFSM uma instituição global, que responda aos desafios da sociedade contemporânea, aponte soluções, crie oportunidades a seus estudantes, professores e comunidade, e sobretudo, da sociedade brasileira, que é profundamente desigual. A função da universidade pública neste país é ser um farol, apontar caminhos e criar soluções e situações que melhorem a vida do povo brasileiro.
Expediente
Reportagem: Jéssica Medeiros, acadêmica de Jornalismo e estagiária;
Design gráfico: Luiz Figueiró, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista; e Cristielle Luise, acadêmica de Desenho Industrial e bolsista;
Mídia social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; e Nathália Brum, acadêmica de Jornalismo e estagiária;
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Edição geral: Luciane Treulieb e Mariana Henriques, jornalistas.