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Pandemia, desgaste emocional e bruxismo: entenda a relação

Impactos psicossociais da crise sanitária são fatores desencadeantes de bruxismo e DTM



Em agosto de 2020, a estudante de Medicina da UFSM, Natália Della Flora, começou a sentir dores de cabeça com frequência. Ela suspeitou que aquelas dores eram consequência do estresse causado pela pandemia. Em dezembro, durante um almoço, a acadêmica se assustou ao perceber que havia quebrado um dente. Ao procurar um dentista, Natália descobriu que desenvolveu bruxismo e que a dor de cabeça, percebida quatro meses antes, era um dos sintomas dessa disfunção. 

O que aconteceu com Natália não é um caso isolado. Durante a pandemia de Covid-19, o bruxismo e as disfunções temporomandibulares (DTM) tiveram um aumento entre pessoas do mundo inteiro. A causa desse crescimento está relacionada às condições emocionais impostas pela crise sanitária, já que ambos problemas têm como um dos fatores desencadeantes – ou perpetuantes – os aspectos psicológicos. “Houve uma mudança significativa na rotina das pessoas, isolamento social, medo do contágio, medo de perder entes queridos. Isso gera muito estresse emocional”, explica Tatiana Bernardon Silva, professora do Departamento de Odontologia Restauradora da UFSM. 

Um estudo feito por cientistas da Polônia e de Israel, publicado no periódico científico Journal of Clinical Medicine, apontou para o agravamento de casos de bruxismo e DTM. Grande parte dos entrevistados relataram que tiveram significativa alteração na saúde mental durante a pandemia. Os fatores psicossociais, como ansiedade, depressão, medo de ser contaminado ou preocupações financeiras decorrentes do isolamento social, aumentaram a prevalência dessas disfunções nos grupos testados dos dois países. Isso aconteceu especialmente entre mulheres que estão mais vulneráveis ​​aos efeitos de situações inesperadas de estresse prolongado, segundo a publicação. 

Na UFSM, o grupo “DTM: prevenção e tratamento” comparou dados do período pré-pandêmico disponíveis em outros estudos com uma amostra atual composta por cirurgiões-dentistas, estudantes e docentes de odontologia de todo Brasil. “O que dá pra inferir é o agravamento de alguns aspectos psicológicos devido à pandemia de COVID-19 e seu potencial na etiologia [causas] do bruxismo e DTM”, afirma a professora Tatiana. Assim como no estudo anterior, houve o aumento dos sintomas de estresse e ansiedade, além da piora na qualidade de sono e na qualidade de vida.

O que são bruxismo e DTM?

Antes de tudo, é importante saber que se tratam de duas condições diferentes. Segundo a Academia Americana de Dor Orofacial, as DTM são um grupo de desordens que envolvem os músculos da mastigação, a articulação temporomandibular (ATM) e as estruturas associadas, ou seja, é um termo utilizado para uma variedade de sinais e sintomas clínicos em estruturas do sistema mastigatório.

Já o bruxismo é caracterizado como uma atividade muscular mastigatória repetitiva caracterizada por apertar ou ranger os dentes e projetar a mandíbula. Há dois tipos de bruxismo: o do sono e o de vigília. O bruxismo do sono ocorre enquanto o indivíduo dorme, mais especificamente enquanto ocorrem os micros despertares gerados por dificuldades para dormir ou, em alguns casos, quando há alguma comorbidade como refluxo gastroesofágico e apneia do sono. Já o bruxismo de vigília ocorre enquanto os indivíduos estão acordados e é associado a fatores psicológicos. “A contração muscular sustentada dos músculos mastigatórios em vigília pode ser um mecanismo de defesa associado ao estresse e à ansiedade”, explica Eliane Corrêa, professora aposentada do Departamento de Fisioterapia e Reabilitação da UFSM.

No caso de Natália, o diagnóstico foi de bruxismo do sono, estimulado pelo aumento da tensão, ansiedade e estresse durante a pandemia. Eliane ressalta que pessoas com sintomas de estresse têm seis vezes mais chances de desenvolver essa condição. Além das questões psicológicas, são considerados desencadeantes desses problemas: uso de substâncias como álcool, tabaco e café; distúrbios do sono e o uso de determinados medicamentos.

Como é o tratamento?

Por se tratar de condições que podem ser causadas por diversos fatores, o ideal é que o paciente diagnosticado com DTM ou bruxismo consulte uma equipe multiprofissional, que inclui dentista, psicólogo, médico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e nutricionista. Cada um desses contribuirá com a sua avaliação e medidas terapêuticas para um tratamento mais adequado.

Após sentir os primeiros sintomas, deve-se procurar por um profissional dentista que utiliza tratamentos como placas interoclusais, que evitam o desgaste dental e protegem a ATM; laserterapia, que ajuda no manejo da dor; agulhamento com anestésicos em pontos de gatilho de dor; tratamentos farmacológicos; dentre outros. 

Concomitante ao tratamento odontológico, a fisioterapia pode auxiliar no tratamento destes pacientes. Existem diversas técnicas terapêuticas para o alívio da dor e a melhora do equilíbrio muscular. Algumas delas são a fototerapia, a terapia manual, a liberação miofascial, os exercícios mandibulares de alongamento muscular e de coordenação neuromuscular, a técnica de biofeedback, a correção postural e, ainda, instruções de autocuidado e exercícios domiciliares.

A consulta a profissionais de diferentes áreas é extremamente importante, já que o tratamento perpassa por questões que vão além do manejo da dor e do fortalecimento da musculatura da mastigação. “É preciso uma mudança de comportamento. A pessoa terá que modificar hábitos e melhorar sua qualidade de vida, e isso envolve uma melhora na saúde mental”, afirma a professora Tatiana.

Natália conta que o tratamento indicado para ela foi uso da placa odontológica para dormir e que esse método se mostrou muito efetivo contra os sintomas do bruxismo. Como se trata de uma opção de tratamento contínuo, a acadêmica permanece utilizando o equipamento para dormir mesmo após nove meses. 

Cuidados que ajudam na prevenção

De acordo com Eliane Corrêa, há algumas orientações para o dia-a-dia que podem ajudar a prevenir o desenvolvimento dessas disfunções.

  • Respire com o músculo diafragma (na região abdominal)
  • Evite o contato entre os dentes superiores e inferiores
  • Mantenha o posicionamento da cabeça neutro, com o queixo alinhado ao peito, e os ombros relaxados.
  • Não durma de bruços, mas preferencialmente na posição lateral e utilize um travesseiro em que a cabeça fique alinhada com a coluna.
  • Evite hábitos como roer unhas e mascar chicletes
  • Limite a abertura da boca ao bocejar e durante a alimentação.

Além desses cuidados específicos, manter hábitos de autocuidado como exercícios físicos, alimentação equilibrada e qualidade no sono são maneiras de cuidar da mente e do corpo que trazem muitos benefícios para o ser humano. Procurar acompanhamento psicológico também é uma das maneiras de evitar as DTMs e o bruxismo. 

O cenário após a pandemia

Se, por um lado, houve aumento dos casos de DTM e bruxismo durante a pandemia, por outro, com os avanços na vacinação e com a volta de muitas atividades ao normal, existiria a perspectiva de diminuição nos casos no período pós-pandêmico? Para a professora Tatiana Silva, a tendência é de não ter melhorias nessa área. Por se tratarem de condições que atuam no sistema nervoso central, são de difícil tratamento e controle. “Temos que analisar que, de maneira geral, o mundo levará tempo para se reestruturar e não será diferente para as pessoas com DTM e bruxismo, pois temos aí duas condições intimamente ligadas às condições psicossociais”. 

Ainda é preciso considerar que, em pacientes que tiveram Covid-19, as sequelas também atingem a musculatura, o que causa dores musculares e fadiga e piora o prognóstico destas patologias. Com o passar dos próximos meses, surgirão mais estudos que permitirão avaliar as possíveis consequências físicas e mentais da pandemia. “Os profissionais da saúde, de uma maneira geral, devem estar preparados para atender as demandas do período pós-pandemia”, complementa Tatiana. 

Na UFSM, o projeto de extensão do curso de Odontologia denominado “VoaDOR”, trata de pacientes com DTM, bruxismo e dor orofacial. O projeto, que está com as atividades paradas por conta das restrições sanitárias, pretende retomar os atendimentos a partir de março de 2022.

Expediente

Reportagem: Luís Gustavo Santos, acadêmico de Jornalismo e voluntário

Ilustração: Noam Wurzel, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista

Mídia Social: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Eloíze Moraes, estagiária de Jornalismo e bolsista; e Caroline de Souza, acadêmica de Jornalismo e voluntária

Edição de Produção: Esther Klein, acadêmica de Jornalismo e bolsista

Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas

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