A vida acadêmica exige muita dedicação e proatividade. Estar inserido neste ambiente, por vezes, ocasiona noites em claro de trabalho e preocupação. A maternidade e a paternidade também.
Algumas pessoas arriscam dizer que finalizar uma pesquisa é o nascimento de um filho, devido ao esforço envolvido. Mas, de fato, ter um filho envolve muito mais cuidado e presença.
Uma das dificuldades de quem é mãe e pesquisadora é a diminuição da produtividade, pela dedicação à segunda jornada de trabalho. Outro fator difícil de lidar é a diferença entre as licenças maternidade e paternidade. Enquanto as mães ganham entre 120 e 180 dias para cuidar de seus filhos, os pais recebem muito menos (entre cinco e 20 dias), reforçando a imagem de que mães são mais responsáveis pela criação do que os pais.
Muitos assuntos acerca da temática da maternidade na ciência ainda precisam ser discutidos. O grupo Parent in Science surgiu, em 2017, para levantar a discussão sobre a temática de ser mãe ou pai no meio acadêmico e fornecer suporte para esse grupo.
Fernanda Stanisçuaski é uma das idealizadoras do Parent in Science. Mãe de dois filhos e grávida do terceiro, Fernanda teve licença de 180 dias após as gestações. “O mesmo se repetirá agora”, adianta. Ela é também pós-doutora em Ciências Biológicas, professora do Departamento de Biologia e Biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A Revista Arco entrevistou Fernanda para conhecer melhor a rotina de uma mulher pesquisadora que pratica ciência e cuida dos filhos. Fernanda irá palestrar na UFSM junto a Felipe Ricachenevsky, nesta sexta-feira (24), às 14h no Auditório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Eles conversarão sobre diferentes características e perspectivas de ser mãe e pai durante a vida acadêmica.
ARCO: O que motivou você a seguir a carreira acadêmica? As questões que te motivaram no início são as mesmas que te movem depois da maternidade ?
Fernanda: Desde a adolescência, eu não tinha dúvida da carreira que queria seguir. Não lembro exatamente como descobri isso, nem tenho alguém que me inspirou. Talvez tenha sido o momento em que estávamos vivendo em relação à descobertas científicas. Eu estava no ensino médio quando foi anunciada a clonagem da ovelha Dolly. Achei aquilo fantástico e até comprei livros sobre o assunto. Tenho guardada até hoje uma pasta de recortes de notícias de jornais e revistas sobre ciência. Eu era fascinada por genética, mas acabei encontrando meu caminho em outra área, durante a faculdade. Obviamente as motivações para seguir na ciência mudaram ao longo da carreira, mas nada relacionado à maternidade.
ARCO: Você passa muito tempo longe de seus filhos? Onde eles ficam durante seus horários de trabalho?
Fernanda: Tentamos minimizar ao máximo o tempo longe dos filhos, tanto eu quanto o marido. Eles frequentam uma escola de educação infantil. Geralmente, ficam das 9h30 às 18h. Quando podemos, levamos mais tarde ou buscamos mais cedo. Sempre que viajo a trabalho, tento fazer um “bate e volta”, ficando no máximo uma noite fora de casa.
ARCO: Qual era o seu nível de produção acadêmica antes da maternidade? Houve uma queda ou aumento da atividade?
Fernanda: Eu vinha numa ascensão em termos de publicações por ano, se olharmos a trajetória desde o meu doutorado. 2013 (ano de nascimento do meu primeiro filho), foi o pico do número de papers por ano. Depois, uma queda acentuada. Não publiquei em 2015 e 2016. Em 2017, retornei aos níveis de 2013.
ARCO: Quais as dificuldades em aliar a maternidade à pesquisa? Você teve que adaptar sua rotina para realizar ambas tarefas?
Fernanda: A maior dificuldade para mim é a questão de tempo. Foi uma mudança muito drástica na minha rotina, no laboratório principalmente. Estava acostumada a ter disponibilidade para poder trabalhar das 7h da manhã às 7h da noite, se necessário. Podia escrever projetos e preparar aula em casa. E depois que os guris nasceram, isso não acontece mais. Tanto por escolha quanto por demanda mesmo. Afinal, eles querem (e merecem) nossa atenção quando estamos juntos. E esta restrição de tempo certamente impactou minha carreira científica. Não posso deixar de dar aula, nem quero! Então quando o tempo fica escasso, é a ciência que fica para trás, tanto em relação a poder estar fisicamente presente no laboratório (para fazer experimentos ou orientar os alunos), quanto a conseguir escrever artigos, projetos, relatórios.
ARCO: Você sente uma pressão da sociedade para administrar as situações da vida acadêmica e da vida pessoal em relação à maternidade?
Fernanda: Com certeza existe a pressão de que temos que dar conta de tudo. A sociedade adora vender a imagem da super mulher, que consegue ser a melhor mãe, a melhor profissional, a melhor esposa, simultaneamente. Demora muito tempo, assim como demanda muito auto-conhecimento, para aceitarmos que esta ideia de super mulher é mais do que falsa. Em relação à maternidade, particularmente, ainda vivemos em uma sociedade que acredita que todas as responsabilidades na criação de um filho são da mãe. O pai ajuda, e olha lá! Não é minha experiência pessoal, pois meu marido é igualmente pai dos guris quanto eu sou mãe, mas infelizmente esta ainda não é a regra.
ARCO: Alguém já parou ou diminuiu o investimento em você por saber da jornada dupla?
Fernanda: Aqui no Brasil, quase não temos políticas públicas para ajudar a recém-mãe no campo da ciência. Não temos qualquer tipo de bolsa de pesquisa ou de financiamento específicos disponíveis para as mulheres que retornam à ciência após a licença maternidade. Nossas agências financiadoras não contabilizam o impacto da maternidade na produtividade ao analisarem as propostas em editais de financiamento ou pedidos de bolsas. A única exceção, até hoje, foi o primeiro edital do Instituto Serrapilheira, que aumentava o prazo de obtenção do doutorado para cientistas mães, nos critérios de elegibilidade. Depois do nascimento do meu primeiro filho, tive vários pedidos de bolsa/financiamento negados, devido à queda da produção científica (publicações de artigos).
ARCO: Você se considera igualmente ativa/presente na vida acadêmica pós-maternidade e na criação dos filhos?
Fernanda: Com certeza. Minha prioridade, desde o nascimento dos guris, foi a criação deles. Certamente não divido o tempo igualmente, às vezes por escolha, às vezes por necessidade.
ARCO: O que motivou você a criar o Parent in Science? Quais experiências esse projeto proporciona para você?
Fernanda: O Parent in Science surgiu a partir da minha experiência pessoal, após me tornar mãe. Comecei a enfrentar uma série de dificuldades, principalmente em relação ao tempo de dedicação para o laboratório, mesmo depois da licença maternidade. E eu não via ninguém falando sobre isso…. o máximo ouvia que “é difícil, mas dá”; comecei a me questionar sobre ser capaz de conciliar ser mãe e cientista. Aí um dia fiz um post, em uma rede social, sobre como estava pagando um preço alto (principalmente em relação a conseguir recursos para o laboratório) pela escolha de me dedicar aos meus filhos. E muitas outras pessoas começaram a comentar que estavam passando pela mesma situação. Então, junto a algumas destas pessoas, criamos o Parent in Science.
Nosso objetivo inicial era, de alguma maneira, buscar recursos para criar um fundo de pesquisa específico para cientistas mães. Mas aí nos deparamos com um obstáculo…. não tínhamos dados, principalmente quantitativos, sobre o impacto da maternidade na carreira científica no Brasil. Até mesmo em termos mundiais, a quantidade de dados era limitada. Então o Parent in Science virou um projeto de pesquisa, que visa entender o impacto da maternidade, em termos de produção científica e obtenção de financiamento, na carreira das cientistas brasileiras. Para levantar dados, criamos alguns questionários online. Os questionários ainda estão disponíveis para participação (mais informações na nossa página: www.parentinscience.com).
A principal experiência pessoal com o Parent in Science é a troca de informações/experiências/angústias e vitórias com outras mães e pais. Nossos seminários são sempre acompanhados de conversas longas, sobre todos os aspectos da maternidade e da vida acadêmica, desde o aspecto mais profissional, até o lado mais pessoal. E esta troca não tem preço.
Repórter: Mirella Joels
Ilustração: Deirdre Holanda
Fotografia: Arquivo Pessoal