Competições escolares despertam o interesse dos estudantes pela pesquisa
As olimpíadas de conhecimento, também chamadas de olimpíadas escolares, possuem um longo legado que remonta ao século 19. No Brasil, elas começaram a ganhar notoriedade em 2005, com a criação da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). As principais áreas contempladas nas provas, desde o princípio, são as ciências exatas e as naturais. Entretanto, no século 21, surgiram competições relacionadas às ciências humanas – como a de história, a de língua portuguesa, a de filosofia e a de geografia -, com o objetivo de incentivar professores e alunos nas diversas áreas do conhecimento.
As provas têm o intuito de ser práticas não apenas de competição – já que estimulam os estudantes a se desafiarem além do contexto da sala de aula – mas também possibilitar o aprofundamento sobre um determinado conteúdo, além de ajudar na integração entre os participantes. Esses foram alguns dos propósitos que levaram os integrantes da Liga Acadêmica de Neurociência da Universidade Federal de Santa Maria (Neuroliga UFSM) a criarem, em 2019, o comitê local para realizar a Olimpíada Santa-Mariense de Neurociências.
A Neuroliga UFSM é um projeto de extensão criado por acadêmicos do curso de Medicina que trata de assuntos relacionados às neurociências. Hoje em dia, o projeto tem caráter multidisciplinar e abrange outros cursos da área da saúde e até mesmo cursos de outros Centros, como Psicologia, do Centro de Ciências Sociais e Humanas (CCSH).
A Neuroliga UFSM e a disseminação das neurociências
Antes de continuar a leitura, você sabe o que é a neurociência? É uma ampla área de estudo, a qual engloba desde pesquisas relacionadas às investigações filosóficas entre a relação do cérebro físico e a mente humana a pesquisas sobre os neurônios – células responsáveis pela transmissão dos impulsos nervosos, que transmitem a outras células do organismo uma determinada informação – por exemplo, retirar a mão de um objeto muito quente.
A acadêmica do 7º semestre de Medicina e diretora da Comissão de Comunicação da Neuroliga UFSM, Eduarda Kunkel, comenta que um dos pontos de partida dos integrantes ao desenvolver a Olimpíada Santa-Mariense de Neurociências para estudantes do ensino médio partiu da questão “Por que precisamos de pesquisadores nessa área?”. Kunkel ressalta que a competição consiste em uma maior divulgação do campo das neurociências, com o objetivo de incentivar os alunos a conhecerem e até mesmo pensarem em seguir no ramo científico.
Com o acelerado envelhecimento da população mundial, o índice de casos de demências cresce e se torna um dos desafios atuais da saúde pública. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2017, os casos de demência no mundo são estimados em 35,6 milhões – esse número deve dobrar até 2030 e triplicar até 2050. Existem várias formas diferentes de demência, sendo que a mais conhecida é a doença de Alzheimer.
Vale lembrar que as doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer e o Parkinson, não têm cura até o momento, e afetam, em sua maioria, a parcela com idade mais avançada da população. “As pessoas que estudam neurociências, para chegar no nível acadêmico, precisam se dedicar por muito tempo. E um dos propósitos da olimpíada é justamente incentivar o pessoal do ensino médio a já sair pensando em talvez seguir na área, porque demanda muito tempo de estudo e especialização”, afirma Kunkel.
Como a pandemia afetou a Olimpíada
Parte dos integrantes da Liga organizam um curso preparatório para instruir os alunos a realizar a prova da Olimpíada Santa-Mariense. Os estudantes podem se inscrever de forma gratuita e não existe nenhum tipo de processo seletivo para participar. As aulas são ministradas pelos monitores do curso e são divididas em três principais áreas: Morfologia, Neurociências Básicas e Neurociências Clínicas.
Antes da pandemia de Covid-19, era realizada uma prova teórica para selecionar os alunos para uma segunda etapa de aulas – a parte prática – em um dos laboratórios do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFSM, já que o local não comportava um grande número de participantes. No laboratório, ocorriam as aulas de histologia, com microscópios, lâminas e eram mostradas as peças anatômicas. Em 2021, o curso vai ser realizado de forma remota, via plataforma de videochamada, e não será necessário aplicar a prova para a segunda etapa.
O curso preparatório era divulgado nas escolas de Santa Maria. Contudo, neste ano a disseminação das informações sobre as aulas e sobre a 3ª edição da Olimpíada precisou ficar restrita às redes sociais. O curso começou no dia 17 de março e vai até o dia 30 de abril, e as inscrições para participar estão abertas até o dia 15 de abril . A competição será realizada no dia 2 de maio e o resultado sairá no dia posterior, 3 de maio. A prova conta com questões de múltipla escolha e com uma parte prática, na qual o estudante vai ter que analisar vídeos e imagens sobre morfologia e casos clínicos para responder às questões propostas.
Uma novidade em 2021 é o sistema de cotas. Vão ser três vagas para a ampla concorrência e três vagas para escolas públicas. Assim, os seis alunos selecionados na fase local poderão competir na Olimpíada Brasileira de Neurociências (OBN) ou Brazilian Brain Bee. Nas duas edições anteriores, apenas três competidores iam para a fase nacional.
Por que estudar neurociências na escola?
Alexandre Vargas se formou ano passado no ensino médio e participou das duas edições anteriores da disputa. Este ano, vai participar como monitor do curso preparatório. Diante disso, vai ministrar as disciplinas de sentidos químicos – a neurociência do olfato e do paladar –, e também as sobre a fisiologia do sono e os estados do cérebro. “Temas que gosto muito e que agora vou ter a oportunidade de passar para frente o que aprendi”.
A estudante Laís Foster, do terceiro ano do Colégio Politécnico da UFSM, vai participar novamente do curso preparatório. Ela já havia feito parte da 2ª edição da Olimpíada, a qual contou com duas fases – a primeira presencial em 2019 e a segunda já de forma virtual em 2020. A aluna conheceu a competição por meio da divulgação feita pela Neuroliga UFSM em sua escola. Ela conta que alguns colegas já haviam participado e relatavam as experiências práticas nos laboratórios. Assim, decidiu ingressar no curso para aprofundar-se mais no tema. Foster ressalta a importância de estudar sobre o assunto, “o nosso sistema nervoso comanda tudo o que nós fazemos, desde o nosso sono, desde a fala, movimentos, a memória. Então, é importante que conheçamos e saibamos desde cedo como nós, seres humanos, funcionamos”.
O estudante Alessandro Dutra, também do terceiro ano do Politécnico, participa das aulas realizadas pela Liga desde seu primeiro ano do ensino médio. Ele reforça a necessidade de conhecer as neurociências com mais profundidade já no ensino médio e no fundamental, e conta que o processo favorece o autoconhecimento. Dutra ainda ressalta sobre como a neurociência ajuda a ter um conhecimento maior sobre temas como transtornos mentais e doenças psicológicas. Além disso, para o aluno, uma das motivações ao aprender sobre a área é o fato de ainda haver muito o que descobrir, “é uma ciência que ainda está em desenvolvimento, muitas coisas que ainda os pesquisadores não sabem. Aprender sobre isso é uma motivação para que no futuro possamos descobrir.”.
A coordenadora do Ensino Médio do Politécnico da UFSM, professora Terezinha Cleoni Dalmolin, afirma que as Olimpíadas ajudam na dedicação dos alunos em relação às disciplinas da matriz curricular. “Para nós, educadores, a Olimpíada Santa-Mariense de Neurociências veio contribuir para o aprendizado dos estudantes.”.
A Olimpíada Brasileira de Neurociências
No ano passado, os três estudantes foram selecionados para competir na Olimpíada Brasileira de Neurociências, já de forma online. Vargas teve a oportunidade de ser selecionado também em 2019, antes da pandemia. Dessa forma, pôde competir na capital fluminense, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sede da fase nacional. “A oportunidade de participar da Olimpíada Santa-Mariense de Neurociências já havia sido excepcional, e a chance de participar duas vezes da Olimpíada Brasileira de Neurociências foi, de todos os modos, mágica”, relata.
Em 2020, os participantes selecionados para a etapa nacional puderam participar de um curso de formação inicial em neurociências pela UFRJ organizado pela OBN. Dutra teve a chance de realizar o curso e conta que aprendeu como o campo das neurociências é amplo, “eu consegui abrir um pouco mais meus olhos para o campo das neurociências. Não engloba só a Biologia ou a Medicina, mas também a Psicologia e a Informática, áreas muito distintas”.
Foster diz que foi uma experiência única participar do curso, pois tiveram uma série de aulas mais aprofundadas sobre o sistema nervoso. “Foram aulas muito relevantes. Além da possibilidade de ter contato com outros alunos interessados pelo tema. Toda essa relação foi muito significativa”.
A OBN foi instituída em 2013, a partir da iniciativa do professor associado da UFRJ do Programa de Neurobiologia, Alfred Sholl-Franco, doutor em Ciências Biológicas, e da criação de um comitê nacional do Núcleo de Divulgação Científica e Ensino de Neurociências (NuDCEN) nas dependências do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (BCCF). A Olimpíada contou também com o apoio da UFRJ e da Organização Ciências e Cognição (OCC).
Em 2021, a primeira etapa da fase nacional será no dia 30 de maio. Nela, serão realizadas três provas: a primeira de Morfologia – Neuroanatomia, Neurohistologia e Embriologia do Sistema Nervoso – com questões de múltipla escolha; na segunda, o Quiz – que também terá questões de múltipla escolha sobre conhecimentos gerais em neurociências, como o sistema nervoso e os sistemas sensoriais- ; e a Clínica Neurofuncional, que será a última parte, a qual envolve a apresentação de casos clínicos, através de vídeos e desafios, para o aluno desvendar.
A segunda etapa da fase nacional ocorrerá no dia 13 de junho e apenas os 10 primeiros colocados na primeira fase competem na prova Live Questions, que consiste em uma avaliação oral, na qual o candidato responde perguntas apresentadas por uma banca de juízes. As questões envolvem conhecimentos gerais em neurociências como envelhecimento, mecanismos de ação do álcool e de drogas, entre outros temas específicos. A live de premiação é no dia 14 de junho.
O ganhador da OBN, além de uma premiação da própria competição, pode disputar a etapa internacional, a International Brain Bee – fundada em 1998 por Norbert Myslinski, da Universidade de Maryland (Estados Unidos), em um período de grande incentivo relacionado à pesquisa e à divulgação das neurociências no mundo. Até o momento, não foi divulgada a data da etapa internacional, que ocorrerá também de forma virtual.
Ciência em pauta
Por fim, o objetivo de concretizar as Olimpíadas é fomentar a divulgação científica entre professores e alunos. A OBN pode ser realizada por candidatos independentes ou por células descentralizadas. O modelo de organização descentralizada permite que professores do ensino médio realizem a competição em sua escola ou comunidade sem precisar de uma estrutura completa do comitê local – com especialistas para construir a prova. Por isso, a prova recebida pelas células ou pelos candidatos independentes é feita pela própria OBN.
Ademais, as competições são oportunidades de os alunos conhecerem o que gostam de estudar ou até mesmo o que não sentem muita afinidade. Kunkel ressalta a importância de participar, pois abrem caminhos e oportunidades para os estudantes. As provas, muitas vezes, auxiliam na decisão sobre qual área seguir no ensino superior. “Incentivo a participação para todo o aluno do ensino médio. É nesta etapa que o estudante acaba optando pelos cursos superiores onde poderá dar continuidade a esta descoberta”, comenta Dalmolin.
Expediente
Reportagem: Eduarda Paz, acadêmica de Jornalismo e voluntária da revista Arco
Ilustração: Yasmin Faccin, acadêmica de Desenho Industrial e bolsista
Mídia Social: Nathália Pitol, acadêmica de Relações Públicas e bolsista, e Ana Ribeiro, acadêmica de Produção Editorial e voluntária
Editora de Produção: Esther Klein, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas