Qual é a primeira coisa que vem à cabeça quando você pensa no canto das aves? Talvez você tenha pensado em algo relacionado a relaxamento e bem-estar, como uma playlist com esses sons para dormir. E você não está errado! Um estudo recente liderado pelo King’s College London relacionou encontros diários com as aves com a melhora do humor de pessoas com depressão, bem como da população em geral. Os pesquisadores ainda sugerem que visitas a locais com abundância de aves poderiam ser prescritas por médicos com o objetivo de auxiliar no tratamento de problemas de saúde mental.
E se fosse possível incluir as aves em sua rotina, você acha que ela seria menos corrida e estressante? Se você respondeu sim com a cabeça, eu te convido a conhecer um mundo fascinante que fica além da janela.
Sou Thuani Wagener, bióloga formada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), campus de Palmeira das Missões, mestra em Ciências Ambientais pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e atualmente doutoranda do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade Animal da UFSM. Sou observadora de aves desde 2013 e já registrei mais de 360 espécies. Durante a graduação, outros colegas e eu fizemos o levantamento das aves do campus UFSM/PM, no qual registramos 109 espécies em um ano. Mais tarde, também atuei também como bolsista do projeto “Olha o passarinho!”, iniciativa que percorre escolas da região central do estado levando conhecimento sobre a biodiversidade de aves e como observá-las.
Mas afinal, o que significa ser uma observadora de pássaros?
A observação de aves – do inglês birdwatching -, como o nome já diz, é a ação de percorrer um trajeto e registrar, por meio de fotografias e/ou listas, as espécies de pássaros vistas e/ou ouvidas. Essa prática está se tornando comum entre os brasileiros e surge como uma fuga da rotina urbana e como um contato mais estreito com a natureza. Embora você possa pensar em grandes câmeras e equipamentos pesados, eles não são necessários para que você seja um observador. Além disso, não é preciso ter conhecimento prévio nem sair dos grandes centros urbanos para registrar aves. O caminho de casa até a UFSM já pode ser muito promissor.
Plataformas e aplicativos
A plataforma brasileira Wikiaves recebe diariamente fotos e sons que são depositados online por usuários de todo território nacional. Atualmente, o site tem 43.690 observadores cadastrados e 1.957 espécies registradas. Outros sites também funcionam como um grande álbum, em que são depositados fotos, sons e listas. Exemplos são o eBird, o iNaturalist e o também brasileiro BioFaces.
A cidade de Santa Maria, por exemplo, até o momento tem mais de 330 espécies de aves registradas no Wikiaves. Isso significa que é muito provável que você aviste em torno de 20 espécies em seu trajeto rotineiro. Além disso, com o crescente uso de smartphones, tornou-se muito comum o registro ou a busca por informações sobre as espécies em tempo real, afinal esses dispositivos nos permitem boas fotos e até mesmo a gravação do som emitido pela ave. Mas ainda há quem prefira carregar o bom e velho livro como guia para identificação das espécies.
No aplicativo Merlin, é possível obter sugestões de identificação dos pássaros observados a partir da inserção de detalhes sobre a localização, o tamanho e as cores da ave. Eu arrisco dizer que enquanto você lê esta matéria, alguma ave está muito próxima daí ou até mesmo vocalizando, talvez um sanhaço-cinzento (Thraupis sayaca), um cardeal (Paroaria coronata) ou até mesmo um pica-pau-do-campo (Colaptes campestris). Que tal ir até a janela e começar este exercício de olhar?
Um passeio para conhecer aves
Com o intuito de apresentar a avifauna local, promover diálogos sobre a conservação de espécies e divulgar os registros relevantes realizados na região, no dia 14 de janeiro deste ano aconteceu o 5º Aves de Santa Maria, promovido pelo projeto “Olha o passarinho!”. Como atividade complementar, foi feita uma saída de campo aberta ao público no dia 21 deste mesmo mês.
O trajeto saiu da UFSM em direção às cidades de Silveira Martins e Vale Vêneto. Eu participei do passeio como monitora, e foram observadas mais de 80 espécies de aves. Ao final da atividade, alguns participantes compartilharam relatos sobre a experiência, que você vai ler a seguir:
“Adorei a experiência, é incrível. Me surpreendi com tudo o que vi e aprendi. Foi minha primeira observação, nem sabia usar o binóculo. Não imaginava que tínhamos tantas espécies quanto as que vimos. Umas, vistas com bastante frequência e outras, mais raras e coloridas, que passam despercebidas a olho nu. Meu olhar sobre os pássaros nunca mais será o mesmo” – Adriane Filipetto, Técnica administrativa em educação na UFSM.
“A experiência foi incrível e foi além das minhas expectativas. Voltei rico de conhecimento que os orientadores e professores me deram. Tive o privilégio de ver as aves com outros olhos, me encontrei envolvido por ciência, amor e genialidade por parte dos professores. É difícil dizer qual foi o ponto mais alto do dia, já que todo percurso foi único e com suas particularidades e peculiaridades. Mas o que mais me chamou atenção foi o companheirismo e o compartilhamento de conhecimento de forma humilde” – Luis Gustavo dos Santos, estudante de Medicina Veterinária.
“Foi mais do que esperava. Aprendi muito. Conheci muitos bichos e a troca entre os que são ornitólogos e os iniciantes foi o ponto alto. Todos dispostos a te ajudar a localizar o bicho, te explicar brevemente como são. ” – Marta Pires da Rocha, Servidora Pública aposentada.
“Comecei a conhecer e a admirar o universo das aves a partir de um curso de observação de aves que participei no último ano da faculdade de Ciências Biológicas. A partir desse momento, me tornei ornitóloga e as aves foram meu tema de estudo no mestrado e no doutorado. Considero a prática de observar aves uma experiência transformadora. Digo transformadora porque ela abre caminhos para você se encantar e perceber toda a grandeza dessa natureza da qual somos uma pequena parte” – Marilise Krügel, professora do Curso de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSM.
Além de passeios como esse, o projeto “Olha o passarinho!” atua em escolas públicas e privadas da região, abrangendo principalmente alunos do ensino fundamental. Nos colégios, a visita é dividida em dois momentos. Primeiramente, ocorre uma breve apresentação, explicando a importância das aves para o meio ambiente, seu papel na dispersão de sementes, polinização e controle biológico e como isso contribui para o ensino de ciências. Também são abordadas as ameaças para as aves, como o desmatamento, a caça e a poluição. Após isso, é feita a preparação para a prática, na qual os alunos são orientados a utilizar os binóculos: o manuseio correto, a utilização do foco e cuidados necessários. Por fim, é chegado o grande momento, a observação das aves. Depois, ao retornar para a sala de aula, os alunos recebem um conjunto de cartinhas com as aves mais comuns da região contendo informações biológicas. Segundo a bolsista do projeto, Estefânia Gorski, as crianças gostam muito da iniciativa, e se empolgam com o contato próximo com a natureza.
Para Maria Eduarda Cesar Salvador, estudante de Zootecnia, a observação de aves proporciona ver os caminhos percorridos no cotidiano de outra forma. Afinal, observar a natureza ao nosso redor é o primeiro passo para conhecê-la, entendê-la e decifrá-la. Tenho certeza que, após finalizar essa leitura, você irá perceber no seu cotidiano alguma espécie de ave que nunca havia reparado.
Se você ficou interessado e gostaria de participar de uma saída de observação de aves, deixamos aqui algumas dicas de perfis para acompanhar e se inspirar.
1- Projeto “Olha o passarinho!” – @projetoolhaopassarinho
2- Aves do Sul – @avesdosul
3- Projeto bicharada gaúcha – @bicharadagaucha
4- Projeto sentinela do brejo – @sentineladobrejo
5- The Birders – @thebirders
Expediente:
Texto e fotos: Thuani Wagener, doutoranda em Biodiversidade Animal da UFSM;
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Edição geral: Luciane Treulieb e Mariana Henriques, jornalistas.