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O quebra-cabeça do universo: entenda o papel de pesquisadores da UFSM na compreensão de buracos negros, galáxias e estrelas

Com a observação por meio dos telescópios Gemini, cientistas da Universidade Federal de Santa Maria estão mais perto de compreender o papel dos ventos de gás nas galáxias



O universo é formado por galáxias, estrelas, planetas, poeira, gás, buracos negros e diferentes tipos de moléculas e átomos. A compreensão do universo passa pelo entendimento desses elementos. De acordo com Rogemar Riffel, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e líder do Grupo de Astrofísica da instituição, há um grande esforço mundial e colaborações internacionais na observação de galáxias. Exemplo disso são as várias descobertas que já aconteceram em 2022, como a divulgação de uma imagem de um buraco negro no centro da Via Láctea, a possível identificação de um buraco negro flutuante no espaço e a publicação do som de um buraco negro, feita pela Administração Nacional da Aeronaútica e Espaço (NASA) em maio deste ano.

Descrição da imagem: representação gráfica horizontal e colorida de uma galáxia, em tons de amarelo, cinza, vermelho, azul marinho e roxo, salpicados de pontos brilhantes. No centro da imagem, há um círculo brilhante com luz difusa, que se amplia em forma de espiral crescente e expansiva. A espiral é marcada por linhas espirais com pontos vermelho vinho sombreados em tons de marrom e preto. Há alguns pontos brilhantes maiores em destaque. O fundo é escuro com pequenos pontos brilhantes.
Imagem: NASA

Uma das iniciativas que busca conhecer mais sobre como o universo se formou e chegou ao estágio atual é a do Grupo de Astrofísica da UFSM. Rogemar Riffel, que coordena os estudos, pesquisa o tema com ênfase em astrofísica extragaláctica e buracos negros supermassivos. Atualmente, lidera um estudo sobre galáxias com núcleos ativos (em que o buraco negro está ativo e captura matéria como forma de se alimentar). A fase atual da investigação é de tratamento e análise de dados de observação provenientes do observatório Gemini, telescópios gêmeos localizados no Chile e no Havaí e que operam na região visível e infravermelho próximo do espectro eletromagnético. Isso significa que o telescópio é capaz de captar imagens não visíveis a olho nu, dar um zoom e aproximar a imagem do espaço de forma a revelar seus detalhes.

Descrição da imagem: fotografia horizontal e colorida do telescópio Gemini Norte. A fotografia é noturna e tem o telescópio em primeiro plano, sombreado. Ele tem uma base circular grande, com teto transparente em formato de trapézios. Na parte superior, círculo cinza do qual sai um feixe de luz amarelo que se projeta para o canto superior esquerdo da imagem. Na parte inferior da imagem, é possível ver compras de montanhas e luzes de uma cidade distante. O fundo da imagem é o céu iluminado, com estrelas desfocadas em formato de traços, que se aglomeram em círculos, cujo centro está na parte superior esquerda da imagem.
Telescópio Gemini Norte em atuação, no Havaí. Fotografia de longa exposição, o que permite a captura das estrelas na forma de traços. Imagem: Gemini Observatory.
Descrição da imagem: fotografia horizontal e colorida de um telescópio visto de dentro, em captura com lente olho de peixe, que deixa a imagem arredondada e as bordas achatadas. A imagem foi tirada em contra-ploungée, e destaca, ao centro, uma estrutura de metal horizontal e azul escuro; sobre a estrutura, estrutura de metal em formato de torre. Acima, estrutura arredondada e branca. Há janelas no teto e ao longo da parte circular lateral. O fundo é o céu noturno, azul marinho e pontilhado de estrelas.
Interior do telescópio Gemini Sul, localizado na montanha Cerro Pachón, nos Andes Chilenos. Imagem: Gemini Observatory.

Em uma pesquisa anterior, a partir de dados públicos oriundos do telescópio espacial Spitzer, desativado em 2020, o grupo da UFSM observou que algumas galáxias têm um excesso de emissão de hidrogênio molecular. “A molécula de hidrogênio é a mais abundante do universo, e é justamente dessa molécula que as estrelas se formam”, afirma Rogemar. A hipótese é de que o fenômeno seja resultado de colisões de ventos de gás, que tem como função principal cessar a formação estelar, ou seja, impedir que as estrelas se formem. Ainda, de acordo com o pesquisador, não há conhecimento científico sobre como a molécula de hidrogênio se forma em determinados ambientes, incluindo a região central de galáxias ativas. 


A partir desses resultados, foi elaborada uma proposta de investigação de buracos negros ativos para observações com o telescópio espacial James Webb, lançado em dezembro de 2021. No início desta semana, a NASA revelou as primeiras imagens capturadas pelo telescópio, fato que teve grande repercussão nacional e internacional. A galeria de imagens pode ser conferida aqui.

Descrição da imagem: A imagem é dividida horizontalmente por uma linha ondulada entre uma paisagem de nuvens formando uma nebulosa ao longo da porção inferior e uma porção superior comparativamente clara. Salpicado em ambas as partes está um campo estelar, mostrando inúmeras estrelas de vários tamanhos. O menor deles são pontos de luz pequenos, distantes e fracos. O maior deles parece maior, mais próximo, mais brilhante e mais totalmente resolvido com picos de difração de 8 pontos. A parte superior da imagem é azulada e tem listras finas e translúcidas em forma de nuvem subindo da nebulosa abaixo. A formação turva alaranjada na metade inferior varia em densidade e varia de translúcida a opaca. As estrelas variam em cor, a maioria das quais tem uma tonalidade azul ou laranja. A estrutura em forma de nuvem da nebulosa contém cumes, picos e vales – uma aparência muito semelhante a uma cadeia de montanhas. Três longos picos de difração da borda superior direita da imagem sugerem a presença de uma grande estrela fora de vista.
Chamada de Penhascos Cósmicos, esta imagem representa a borda de uma região próxima de formação de estrelas, chamada NGC 3324, na Nebulosa Carina. Uma das primeiras imagens capturadas em luz infravermelha pelo Telescópio Espacial James Webb, ela revela áreas de nascimento de estrelas que não eram visíveis com telescópios anteriores.

O projeto do grupo da UFSM, que está entre os 250 selecionados pela NASA, pretende observar a emissão do gás de hidrogênio molecular em três galáxias com núcleo ativo e verificar a hipótese de a radiação emitida pelos objetos do espaço estar associada aos ventos de gás. “Se estiver associada aos ventos, eles seriam capazes de transportar mais matéria para fora da galáxia, ou seja, seriam mais eficientes em não deixar elas crescerem tanto, não deixar que elas formem tantas estrelas”, explica Rogemar. O docente afirma que o mapeamento da molécula de hidrogênio é inédito, e que, com o James Webb, será possível mapear a radiação emitida e como o gás se movimenta no centro das galáxias. “E aí, consequentemente, estudar qual é o efeito disso na evolução de galáxias e, em uma ideia mais ampla, de como o universo se formou e evoluiu”, complementa. A observação pelos telescópios Gemini é nas mesmas três galáxias escolhidas para o James Webb, e os resultados preliminares mostram indícios de que a hipótese dos pesquisadores está correta.

Descrição da imagem: Fotografia horizontal e colorida da paisagem das montanhas nos Andes chilenos. Está em grande plano geral. A paisagem é em tons terrosos. Há montanhas pontiagudas. No topo da montanha central, um telescópio branco em tamanho pequeno. Na parte superior, céu azul com nuvens próximas ao topo das montanhas.
Localização do Gemini Sul, na montanha Cerro Pachón, nos Andes chilenos. Imagem: Gemini Observatory.
Descrição da imagem: fotografia horizontal e colorida do telescópio gemini norte, de perto. O telescópio é grande, branco, tem estrutura de cilindro. A base tem escadas, janelas e portões. A parte superior é arredondada, na forma de esfera, e coberta com estrutura de metal. Na parte superior também há escadas que levam até o topo. Ao lado direito, há um anexo em formato horizontal. A parte inferior é um chão de terra na cor marrom escura. O fundo é o céu azul.
Telescópio Gemini Norte, localizado no vulcão adormecido Mauna Kea, no Havaí, Estados Unidos. Imagem: Gemini Observatory.

O que é galáxia?

“Uma galáxia é um conjunto de estrelas, gás, poeira e matéria escura”, descreve Rogemar Riffel. Podem ter de milhões a centenas de bilhões de estrelas, a exemplo da Via Láctea – em que o Planeta Terra está localizado -, que tem mais de 100 bilhões de estrelas. Uma delas é o Sol, que fica na periferia da galáxia. “Uma estrela é formada de gás, que emite luz devido ao processo de fusão nuclear, que é o mesmo que ocorre na bomba de hidrogênio”, ilustra o docente. De acordo com ele, a fusão significa a união de dois ou mais núcleos, o que resulta em um novo elemento, mais pesado e mais estável. Para ele, é possível comparar o fenômeno com uma lâmpada incandescente, que brilha devido ao aquecimento de um filamento metálico.

Descrição da imagem: infográfico horizontal e colorido sobre imagem de galáxia. No centro da galáxia, há uma esfera brilhante em que a luz se expande. Da esfera, sai uma linha branca ligada ao texto: "Núcleo: Região central da galáxia, em que geralmente se localizam os buracos negros supermassivos. Os elementos que compõem a galáxia giram em torno desse centro devido à gravitação". Do núcleo, na luz, há uma barra horizontal, com linha branca ligada ao texto: "Barra: Estrutura alongada, composta principalmente de estrelas que atravessam o centro da galáxia". Ao redor do centro, parte arredondada que é o bojo, ligado ao texto: "Bojo: Grupo compacto de estrelas em torno da região do núcleo. Corresponde à região amarelada da imagem". A galáxia se propaga na forma de espiral, semelhante ao efeito de ralo de pia, na cor cinza difusa, e com pontos brilhantes nas cores roxo, rosa e vermelho. Ligado às espirais, o texto: "Braços espirais: Compõem a forma espiralada da galáxia, formadas por ondas de densidade (como as ondas nos oceanos)". Ligado aos pontos brilhantes em roxo, vermelho e rosa, o texto: "Regiões de formação estelar: Regiões identificadas nas cores vermelha, rosa e roxa presentes na imagem ao longo dos braços espirais, em que se formam as estrelas. É como se fosse um ‘berçário de estrelas’." o fundo é escuro com estrelas brilhantes em branco.
Galáxia UCG 6093, obtida com o Telescópio Espacial Hubble. A Via Láctea, galáxia em que a Terra está localizada, é parecida com esta. Imagem: NASA/ESA Hubble Telescope’s.

Disco de acreção: Região luminosa da galáxia em que a matéria vai se espiralando para o buraco negro. Nesse movimento, as partículas se colidem e aquecem o gás, o que provoca a emissão de luz. Essa, geralmente, é a região observada pelas famosas fotos dos buracos negros. Na imagem acima, configura-se como um pontinho minúsculo invisível no centro da galáxia.

 

Ventos de gás: Material expelido da região central de galáxias ativas pelo aquecimento do disco de acreção e seus campos magnéticos. Têm velocidades de até alguns milhares de quilômetros por segundo.

Ventos de gás e buracos negros

Um buraco negro é um ponto no espaço que tem um campo gravitacional tão forte que nem a luz consegue escapar, de acordo com Rogemar. Como exemplo, o docente diz que, se uma vela fosse acesa dentro do buraco negro, não seria possível ver sua luminosidade. Todos os  buracos negros se alimentam de gás. Então, qualquer elemento gasoso – como uma estrela – que passar perto o suficiente é engolido pelo buraco negro por meio do disco de acreção, que espirala com o mesmo efeito que tem um ralo de pia. Objetos como estrelas podem servir de alimento para o buraco negro, porém gás e poeira, que têm formas mais difusas, são capturados mais frequentemente.

 

A relação dos buracos negros com os ventos de gás está na alimentação e retroalimentação. “Os ventos se originam no processo de captura de matéria pelo buraco negro, na sua retroalimentação”, especifica. De acordo com Rogemar, os ventos são formados por partículas, principalmente moléculas, íons e átomos, que fazem com que o gás saia da região central da galáxia. “A ideia é que, se tem um vento lá no centro, devido à captura de matéria pelo buraco negro, ele se propaga na galáxia e “apaga” as regiões em vermelho, o que impede que se formem novas estrelas”, descreve. Nesse fenômeno, parte da matéria é engolida pelo buraco negro e nunca mais vai ser vista, e parte pode ser jogada para fora da galáxia antes de ser capturada.

O quebra-cabeça do universo

Para Rogemar Riffel, a pesquisa cosmológica – que estuda o universo – é como um quebra-cabeça com peças faltando. O docente também compara os estudos com uma receita em que não há quantidade de medidas de determinados ingredientes, uma vez que nem todas as propriedades do universo são conhecidas em características, formação e função. O objetivo de pesquisas da área é conhecer, de forma mais aprofundada, esses objetos. “Estamos buscando quantificar as diferentes fases desses ventos para colocar os ingredientes corretos dentro das simulações. Hoje estamos fazendo bolo sem saber quantas xícaras de farinha tem que colocar”, compara. Com relação ao estudo a partir das observações com os telescópios Gemini, o objetivo é tentar identificar como se dá a formação da molécula de hidrogênio e se isso está associado às colisões entre ventos de gás e aos choques entre partículas. “Para isso, vamos observar o gás neutro e determinar quais são os ingredientes necessários para simulações cosmológicas. Com isso, vamos conseguir colocar vínculos observacionais na teoria já existente”, determina.

 

A manipulação, a observação e a coleta de dados nos telescópios são feitas por técnicos, astrônomos ou engenheiros especializados. Os pesquisadores e grupos de pesquisa que solicitam as observações por meio de projetos em chamadas de propostas raramente vão até o local em que o telescópio está instalado. Após a fase de observação, o grupo proponente do projeto recebe os dados do observatório e tem o período de um ano de exclusividade para tratamento, análise e pesquisa. Depois desse período, os dados se tornam públicos e qualquer pesquisador pode ter acesso e fazer uso deles. A técnica utilizada pelo Grupo de Astrofísica da UFSM é a espectroscopia de campo integral, a mesma que será usada para obtenção dos dados do telescópio James Webb.

Espectroscopia: é uma técnica que faz com que a luz passe por uma rede de difração – ou prisma – e separa ela em diferentes cores, o que se assemelha ao efeito do arco-íris. Permite ver as diferentes frequências da luz.

Os dados dos Gemini correspondem a três galáxias com núcleos ativos (NGC3884, CGCG012-070 e UGC08782 –  que ficam a uma distância de 300 a 600 milhões de anos-luz da Terra). De acordo com Rogemar, a seleção das galáxias foi criteriosa para que fossem as com maior potencial de visualização do efeito dos buracos negros na evolução delas. Os resultados preliminares mostram a presença de ventos potentes e de gás neutro. “Para uma delas, já estimamos que cinco a sete massas solares são jogadas para fora do núcleo da galáxia por ano. É como se cinco a sete estrelas como o sol, mas na forma de gás, vão ser expulsas do centro da galáxia”, explica Rogemar. É esse fenômeno que impede a formação de novas estrelas, uma vez que o material necessário para formá-las, o gás, foi excluído da galáxia. Segundo Rogemar, caso não houvesse o fenômeno da expulsão de matéria, as galáxias seriam maiores e haveria mais estrelas e planetas. No entanto, o pesquisador enfatiza que a observação científica mostra que não é isso que acontece: a eliminação de matéria impede o aumento das galáxias e do número de estrelas. A expulsão de ventos de gás e de matéria do centro de uma galáxia seriam, portanto, características do universo.



Com os resultados preliminares de observação dos Gemini, Rogemar evidencia que as expectativas para o telescópio James Webb só aumentam. “Estamos bastante entusiasmados, porque uma das nossas apostas é que o gás neutro poderia ser utilizado como uma espécie de observação indireta do gás molecular. E com o Gemini estamos comprovando que isso funciona – pelo menos para essas três galáxias”, destaca. O caminho da pesquisa compreende a observação de diferentes fases do gás: com os Gemini, se observa a fase mais quente, e, com o James Webb, a fase observada será a mais fria: “Vamos ir montando o quebra-cabeça de como essas galáxias se formaram e de como evoluíram até o momento. Como resultado, vamos determinar as propriedades dos ventos, que é justamente o que as simulações cosmológicas precisam”, finaliza.

Átomos: formados por cargas elétricas positivas (prótons) e negativas (elétrons).

Gás neutro: formado por átomos, em que o número de elétrons é o mesmo do número de prótons.

Gás ionizado: formado por íons, em que o número de prótons é maior que o número de elétrons.

Gás molecular: formado por moléculas, compostas por dois ou mais átomos.

Expediente:

Reportagem: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;

Design gráfico: Cristielle Luise, acadêmica de Desenho Industrial e bolsista;

Mídia social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Ana Carolina Cipriani, acadêmica de Produção Editorial e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; e Gustavo Salin Nuh, acadêmico de Jornalismo e volun´tário;

Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;

Edição geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas.

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