Cidades constituem um importante marco na história da civilização humana, uma vez que representam a identidade e a cultura de seus habitantes. “De onde você é?” é uma das primeiras perguntas que fazemos quando conversamos com alguém pela primeira vez. No entanto, nós não somos os únicos habitantes de áreas urbanas. Basta dar um passeio na praça de qualquer cidade que é possível observar diferentes espécies de pássaros, insetos, plantas e, com sorte, pequenos mamíferos, como gambás! Mas, diferente dos humanos, a maioria dessas espécies não escolheu viver em cidades: elas só estão lá por causa da ausência de seu habitat natural. No Brasil, algumas das grandes metrópoles, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Salvador, foram construídas na Mata Atlântica. Como resultado, restam menos de 10% da área original desse bioma único e importante para a fauna e flora nativa. Quais os impactos da perda de habitat provocada pelo avanço da urbanização nas espécies silvestres? Essa é a principal pergunta que foi respondida na minha dissertação de mestrado, que defendi em janeiro de 2020.
Para entender como as espécies respondem à urbanização, eu escolhi aves como meu objeto de estudo. Aves são um grupo bem diverso, com diferentes dietas, comportamentos e níveis de sensibilidade a distúrbios antrópicos, como a poluição. Além disso, elas são fáceis de identificar por conta do canto ou pela visualização, o que torna a logística de campo relativamente simples.
Florianópolis , em Santa Catarina, foi a cidade que escolhi para desenvolver a minha pesquisa de campo. O centro da cidade tem “cara” de cidade grande, com prédios altos e grande circulação de pessoas, mas a ilha também tem áreas de subúrbio, como a praia do Campeche, e áreas bem preservadas, como o Morro da Lagoinha do Leste. Morei em Floripa por dois meses, na primavera de 2018, para observar passarinhos. A escolha da cidade foi pela paisagem, que mescla diferentes níveis de urbanização com áreas preservadas, aliado ao fato de que é uma cidade relativamente segura.
Com a ajuda dos meus orientadores Cristian Dambros, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Carla Fontana, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), escolhi 43 áreas verdes em Floripa para amostrar as aves, ou seja, para contar quantas espécies e indivíduos de cada tipo estão presentes em cada região. A paisagem urbana é bastante fragmentada: as áreas verdes são distribuídas ao longo de uma matriz não-natural composta por casas, prédios e estradas, e tem diferentes tamanhos, níveis de isolamento e “idade” (ou seja, tempo desde a última grande perda de habitat). Para amostrar as aves nessas áreas, eu e meus ajudantes de campo (incluindo meu pai, tio e amigos) acordamos antes do nascer do sol e registramos no meu caderno de campo todas as aves que vimos e ouvimos próximo ao ponto de amostragem. Para auxiliar no processo, às vezes eu tirava fotos de algumas aves que não tinha certeza da espécie e também gravei os cantos com um gravador para ouvir depois. Ao total, nós registramos mais de 100 espécies, algumas bem adaptadas a cidades, como o sabiá, o bem-te-vi e o quero-quero, e espécies mais sensíveis à urbanização, como a gralha-azul, o pica-pau, o tangará e o tucano.
Os resultados que encontrei foram bem condizentes com o esperado, mas com algumas surpresas. Em geral, áreas maiores e menos isoladas têm mais espécies de aves do que áreas menores e mais isoladas. Isso porque áreas maiores têm menor taxa de extinção e áreas menos isoladas têm maior taxa de colonização. Menor taxa de extinção quer dizer que essas áreas têm menos chance de perda de espécies, enquanto a maior taxa de colonização quer dizer que essas áreas têm maior chance de receber novas espécies. É por causa da baixa taxa de extinção e alta taxa de colonização que áreas maiores têm maior número de espécies que áreas menores.
Uma surpresa boa foi que áreas maiores tiveram mais espécies, independentemente da idade da área, o que sugere que as aves respondem rapidamente à perda de habitat induzida pela urbanização. Em outras palavras, as comunidades de aves estão em equilíbrio em parques e praças urbanas devido à rápida adaptação das espécies à mudanças da paisagem.
A rápida resposta das aves à perda de habitat significa que as cidades poderiam promover, de maneira mais rápida, a diversidade de pássaros por meio da manutenção ou restauração de cobertura vegetal em parques e praças. Outra boa notícia é que esses resultados de Florianópolis podem facilmente ser extrapolados para outras cidades com histórico similar de urbanização, como Buenos Aires, Montevidéu, Lima e até mesmo Santa Maria!
Expediente:
Texto: Gabriela Franzoi Dri, bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Maria, mestre em Biodiversidade Animal pelo Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal (PPGBio/UFSM), e doutoranda em Ecologia da Vida Selvagem pela Universidade do Maine (EUA);
Design gráfico: Luiz Figueiró, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista;
Mídia social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Ana Carolina Cipriani, acadêmica de Produção Editorial e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; e Gustavo Salin Nuh, acadêmica de Jornalismo e voluntária;
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Edição geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas.