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Mulheres no campo: trabalho e protagonismo

Pesquisadoras da UFSM estudam a realidade das mulheres rurais na agricultura familiar



Cleci Conoretto é uma das várias mulheres que comercializam seus produtos na Polifeira – a feira da agricultura familiar organizada no largo do Planetário da UFSM todas as quintas-feiras. Começou a trabalhar na lavoura com os pais e segue a profissão até hoje. Quando chega do campo, o trabalho não termina. Ela é responsável por lavar a roupa, cozinhar, organizar a casa e fazer pães, sonhos, agnolini e quiches para vender. Cleci é casada com Luis Conoretto, com quem tem três filhos. Desde muito cedo – eles também iam para a lavoura, enquanto ela e o marido plantavam e colhiam.

Mulher, trabalhadora e mãe, Cleci tem que “se desdobrar” para dar conta de todas as suas demandas. Rotinas como essa são comuns na vida de mulheres do campo e nem sempre são representadas e recebem reconhecimento perante a sociedade. Com o objetivo de entender melhor a relação de trabalho, de gênero e direitos trabalhistas, algumas pesquisadoras se empenham no estudo do cotidiano das mulheres rurais.

Jornadas triplas de trabalho e a desigualdade de gênero

Janaína Betto, mestre em Extensão Rural pela UFSM, defendeu a tese Chega de ficar de fora, já chegou a hora de participar: trajetória política do MMC/SC e o engajamento militante das dirigentes, que tem como tema as mulheres camponesas e o engajamento político, com enfoque no Movimento de Mulheres Camponesas de Santa Catarina (MMC/SC). Segundo a pesquisadora, a tripla jornada de trabalho de mulheres como Cleci está ligada à estrutura da agricultura familiar. “Historicamente se considerou que a família era um todo harmônico que trabalhava em conjunto de maneira a melhor prover a mão-de-obra dos familiares”, comenta Janaína. Ela explica que essa estrutura harmônica esconde as desigualdades que existem dentro da família, que não são diferentes das que existem na cidade, mas que tem certas peculiaridades.

Na vida das mulheres camponesas, segundo a pesquisa, o serviço doméstico não é visto como trabalho, e o crédito da produção da agricultura familiar é atribuído ao “chefe da família” – nesse caso, o marido. Isso faz com que elas se tornem dependentes dos maridos para terem acesso à renda, destinada à compra de utensílios domésticos, de roupas para a família e de produtos destinados à casa – elementos geralmente tratados como de responsabilidade feminina.

Por outro lado, essa mesma realidade demonstra que dentro da estrutura familiar todos trabalham, porém isso acontece “de forma permeada por diferenças relacionadas a uma divisão sexual do trabalho”. Janaína Betto comenta que “as mulheres trabalham tanto quanto os homens, mas elas têm o seu trabalho no âmbito produtivo (na lavoura, por exemplo) reduzido ao status de ajuda, enquanto seu trabalho no âmbito reprodutivo (dentro e na volta de casa) é invisibilizado, pois não é considerado como trabalho”. Assim, a divisão sexual de trabalho encontrada no meio rural demonstra que as mulheres rurais ocupam uma posição subordinada e seu trabalho tem pouco reconhecimento.

Nesse sentido, o MMC/SC pesquisado pela Janaína Betto, surgiu para que houvesse a discussão dessas desigualdades de gênero cotidianas existentes no meio rural, e para provocar o diálogo entre as mulheres sobre as situações que representam a desigualdade de gênero no meio rural. Conforme Janaína, essa desigualdade, para além de afetar as mulheres, também “é um dos pilares que permite que ocorra a exploração de toda a classe trabalhadora”. Dessa maneira, o MMC/SC é um movimento social que reivindica também a reforma agrária e a agroecologia.

O protagonismo através das tecnologias de informação

Outra pesquisadora que investiga o tema é Ana Carolina Escosteguy, professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM. Ela é autora da pesquisa “Tecnologias de Comunicação nas práticas cotidianas: o caso de famílias relacionadas à cadeia agroindustrial do tabaco” – que está em andamento. Um dos artigos publicados em relação ao tema se intitula Mulheres e suas interações cotidianas com tecnologias de comunicação: o caso de jovens e adultas relacionadas à cadeia agroindustrial do tabaco. Neste artigo, a pesquisadora analisa o vínculo das mulheres que trabalham no meio rural do município de Vale do Sol (RS) com a tecnologia.

Em entrevista, a pesquisadora revelou algumas percepções das relações de gênero presentes na rotina dessas mulheres. Para ela, “no contexto urbano também existe desigualdade de gênero, mas tem distinção no meio rural. As próprias mulheres dizem que trabalham duro na lavoura, mas elas fazem a observação de que não trabalham no pesado. Isso acontece porque não são elas que vão lidar com agroquímicos, com os venenos, mas elas têm participação intensa na lavoura e no trabalho doméstico”.

Ana Carolina, que estuda a relação dessas mulheres com a tecnologia, afirma que algumas têm consciência que dependem financeiramente do marido, e buscam através do desenvolvimento das habilidades com o celular, a internet e as rede sociais uma forma de serem protagonistas. Uma das mulheres que a pesquisadora entrevistou desenvolveu grande proximidade com o computador e a internet, e através de redes sociais e sites de receitas começou a fazer bolos, vendê-los, e conseguir uma renda extra. Entretanto, este caso ainda é uma exceção à realidade das mulheres rurais.

A relação com os sindicatos

A produtora Cleci leva com bom humor a tripla jornada que realiza, e brinca que trabalha mais que o marido, porque ele está doente. Ela também comenta que hoje em dia as mulheres têm bem mais direitos, porque antes “as mulheres eram praticamente escravizadas”, declara ela. A relação de Cleci com os direitos trabalhistas se dá fortemente por meio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, e é através dele que ela espera chegar à aposentadoria.

Cleci Conoretto, produtora rural na Polifeira

Cleudia Camargo, do Sindicato Rural de Cachoeira do Sul, corrobora que os direitos das mulheres melhoraram muito nos últimos anos. “Elas conseguem acessar linhas de crédito em seu nome, coisa que alguns anos atrás não ocorria, e muitas delas estão participando ativamente nas atividades juntamente com o marido na hora da compra de sementes e insumos para a lavoura”, afirma a trabalhadora. Ela explica que, para conseguir a aposentadoria, a produtora rural deve comprovar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar ou individual, sendo necessário Bloco de Produtor(a) Rural e o documento da propriedade em que trabalha ou é proprietário (a). Essa exigência vale para todos os produtores rurais. São assegurados direitos como o décimo terceiro salário, férias e a licença maternidade. Cleudia enfatiza que o sindicato é uma “ferramenta de luta em defesa dos agricultores familiares e assalariados e assalariadas rurais”.

A pesquisadora Janaína Betto comenta que esses direitos foram uma conquista de movimentos de luta de várias mulheres – como o MMC/SC. Ela afirma que a luta inicial delas, na década de 1980, foi pelo reconhecimento da profissão de trabalhadora rural/agricultora, exigindo mudanças nas leis. A partir disso, as mulheres conquistaram os direitos sociais e trabalhistas que os homens do campo já tinham, como é o caso da aposentadoria. E, finalmente, em 1994, elas alcançaram o direito à licença-maternidade. Hoje em dia a legislação trabalhista é igual para homens e mulheres que são assalariados rurais.

Reportagem: Mayara Souto e Taísa Medeiros

Fotografia: Rafael Happke

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