A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que, atualmente, as mudanças climáticas provocam ao menos 150 mil mortes ao ano, número que deve dobrar até 2030. Aumento de temperatura, derretimento de geleiras e degradação ambiental são alguns dos problemas rapidamente associados à crise climática, mas não são os únicos. A saúde da população está diretamente ameaçada por essas mudanças.
Um relatório da OMS de 2021 aponta que as mudanças no tempo e no clima causam uma das emergências de saúde mais urgentes enfrentadas atualmente. Em outubro de 2021, pelo menos 300 organizações, representantes de 45 milhões de profissionais de saúde, publicaram uma carta aberta com um chamado pelo empenho da comunidade internacional para a ação climática. “Como profissionais de saúde, reconhecemos nossa obrigação ética de falar sobre essa crise em rápido crescimento que pode ser muito mais catastrófica e duradoura do que a pandemia da Covid-19. Nós pedimos que os governos cumpram suas responsabilidades, protegendo seus cidadãos, vizinhos e gerações futuras da crise climática”, afirmam em trecho da carta.
O informe do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da OMS, divulgado em agosto de 2022, aponta as mudanças climáticas como piores e mais rápidas do que se temia. Por volta de 2030, uma década antes do estimado, a Terra poderá alcançar o limite de aumento de mais 1,5°C na temperatura.
Segundo o IPCC, se o planeta alcançar 2°C a mais, os impactos podem ser intensos e generalizados. Caso isso ocorra, um terço da população mundial seria regularmente exposta a um calor severo, recifes de corais de água quente seriam destruídos e o gelo do mar Ártico derreteria inteiramente pelo menos um verão por década.
Consequências para a saúde
As mudanças climáticas também aumentam o risco do surgimento de novas pandemias e doenças infecciosas. “Podemos ver esse impacto no aumento da temperatura do planeta, por exemplo, que é responsável por processos de hipertermia (quando o corpo apresenta um aumento acentuado de temperatura) e morte. O maior volume de chuvas e desastres também é outra condição que eleva o risco das doenças infecto-contagiosas, como leptospirose, hepatites, dengue, chikungunya e zika”, explica Ricardo Heinzelmann, médico e professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Além disso, entre os principais fatores que podem influenciar a saúde humana estão os extremos de temperatura e umidade. Ondas de calor e frio podem ficar mais intensas e afetar diversos sistemas do nosso organismo. É comum a associação do frio com o desenvolvimento de doenças respiratórias; no entanto, o sistema circulatório também pode ser prejudicado.
Iago Turba da Costa, doutorando de Geografia na UFSM, analisou que ondas de frio podem prejudicar a saúde de pessoas propensas a doenças do coração. De acordo com o pesquisador, o desconforto térmico aumenta a probabilidade de piora do quadro, pois no frio a tendência natural do corpo é encolher. Então, ocorre a vasoconstrição. Como os pacientes cardiovasculares geralmente apresentam os vasos sanguíneos já preenchidos por gordura, nessa condição, o coração precisa forçar muito mais o bombeamento de sangue e por isso bate mais rapidamente.
Além disso, eventos extremos também trazem oscilações de pressão atmosférica, que impactam a pressão sanguínea. “Quando ocorrem processos extremos, o corpo não vai responder tão bem fisiologicamente, e quem já tem algum problema tende a ter uma piora nos sintomas. Muitas vezes, a pessoa necessita de uma internação de urgência, que pode levar à morte”, explica Iago.
O professor do Departamento de Geografia Cássio Arthur Wollmann, responsável pelo Laboratório de Climatologia em Ambientes Subtropicais da UFSM, explica que, como o calor deve predominar nos próximos anos, as pessoas ficarão acostumadas a viver nesse ambiente. “Temos um clima global que tem se tornado cada vez existentesmais quente, mas isso não significa que nunca mais vai fazer frio. As ondas de frio vão continuar acontecendo e, no momento que atingirem esse corpo ambientado ao calor, a saúde das pessoas ficará extremamente comprometida e frágil”, elucida o professor.
Conforme Ricardo Heinzelmann, outro problema é o aumento de incêndios florestais naturais devido ao aquecimento do clima. “Os incêndios geram ondas de fumaça que podem desenvolver nos seres humanos graves problemas respiratórios, como a descompensação pulmonar, que pode levar a hospitalizações”, alerta.
Risco de novas pandemias e mais doenças infecciosas
Diante das altas taxas de desmatamento e da consequente perda global de biodiversidade, a ONU reforçou a influência das ações humanas no surgimento de novas pandemias em seu relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES). Segundo a publicação, cerca de cinco novas doenças aparecem anualmente, todas com potencial pandêmico.
As mudanças climáticas alteram as condições ambientais e, assim, surge uma desregulação daquilo que ocorria naturalmente no ambiente. No cenário de aumento da temperatura, ocorre não apenas a disseminação de novas doenças, mas também o ressurgimento de doenças adormecidas. “Tudo indica que novas pandemias e epidemias vão se tornar cada vez mais frequentes, e o ser humano vai vivenciar uma situação de grande instabilidade. É um cenário de certa forma sombrio, mas fomos nós que o provocamos”, afirma Ricardo.
O médico também ressalta que o sistema de saúde atual não está preparado para as novas demandas da emergência climática. De acordo com o professor Cássio, o sistema consegue lidar com um determinado conjunto de doenças, mas com o surgimento de novas enfermidades a situação pode entrar em colapso. “Com o aquecimento global, regiões em que a sociedade está mais acostumada com o frio podem ser atingidas por doenças tropicais. Isso é um problema seríssimo, porque no momento que uma doença foge do comum para aquela região o sistema não estará apto”, destaca.
Reportagem: Rebeca Kroll
Diagramação: Evandro Bertol
Ilustrração: Noam Wurzel.