Ao ultrapassar demarcações, até ti cheguei: hei de compreender que os limites de meu pago existem para serem transcendidos. Percorri terras orientais a um rio que muitas histórias testemunhou, terras que sentiram os passos e escutaram os relinchos de cavalos alados montados por guerreiros que pelejaram pela tua soberania.
Assim te enxergo, assim te vejo. O monte que vi de leste a oeste em uma terra oriental sinalizou a tua chegada. Não a minha, como se pode supor, mas a tua: em mim adentraste e em mim permaneceste.
E eu a montevidear.
Indaguei-me: quem tu és, Montevidéu? O que tu és? Não houve um anfitrião que a mim te apresentou, assim como ninguém a ti me introduziu: como estrangeiros desconhecidos nos entreolhamos e os olhares permaneceram fixos, mudos e contemplativos. Na verdade não fixos, mas em constante movimento ao nos observarmos diariamente e noturnamente.
E quanto em ti pude enxergar! Vi muito de e em ti: conheci tuas lindas praças cujos sons dos mais belos tangos pareciam fazer parte de ti, como se a melodia fosse a transpiração dos teus monumentos que glorificam teu passado.
Em um edifício moderno vejo refletida a imagem de outro que nos remete a tempos passados. Mas o teu passado não está no passado, Montevidéu, está no momento presente, não o passado sobrepondo o presente, mas aquele fazendo parte deste.
E eu a montevidear.
Eu quis conhecer-te de perto, perceber tua essência que emanava de cada parte que te constitui: teus bairros são braços que abraçam e abarcam tudo aquilo que em ti está contido. Não te conheci por “Montevidéu”, mas sim por “Montevideo”, sem “u”, sem acento e sem nada sobre ti saber. Hei um dia de re-ver e re-conhecer teus caminhos. Caminhos que levam a palácios, a construções antigas, a portos, a praias, a pessoas…
Seres nos quais tu deixas marcas indeléveis, seres que formam teu povo, tua gente, teus gauchos. És tu um senhor ou uma senhora, Montevidéu?
Assim tu me pareces ser: tu és um senhor ou uma senhora de meia-idade, tens um sorriso simpático e acolhedor, mãos fortes que carregam consigo um mate curto e amargo por ruas sombreadas por árvores que parecem proteger a quem passa.
Teus cabelos grisalhos são o testemunho de tua trajetória de vida, existência contada e cantada por cada uruguayo que a ti pertence, por cada oriental que é filho não de tuas entranhas, mas de tua terra. E de tuas águas. Que te circundam e te saciam de muitas sedes. Se o rio que te banha é de prata, tua terra, em contrapartida, é dourada.
E eu a montevidear.
De que sabor serão tuas águas hoje? Estarão doces ou salgadas neste exato ponto a que minha inexata memória se remete? É o rio que está a subjugar o mar ou seria este àquele? Teu céu testemunha o embate entre os dois para saber quem hoje irá te tocar. Que sabor têm tuas praias hoje? Que música soará em teus colectivos? Pergunto-te: há limite para o teu céu, Montevidéu?
E teu mate? Este tem o sabor da saudade.
Deixei-te e agora novamente de ti me despeço. Cumprimento-te não com um “adiós”, mas com um “hasta luego”.
*Mestre em Educação pela UFSM, Lucas Visentini é contista, cronista e escritor de livros infantis. É o autor do livro Neto e a Boca do Monte, vencedor do Concurso de Literatura Infantil de 2013, promovido pela Academia Santa-Mariense de Letras.