Participação social, construção de narrativas de si e manutenção de vínculos. Esses são alguns dos elementos que os usos sociais das mídias proporcionam na experiência migratória de senegaleses no Brasil.
É o que evidenciou uma pesquisa realizada no Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM e coordenada pela professora Liliane Dutra Brignol. O estudo é fruto de um amplo projeto de pesquisa chamado “Comunicação em rede, diferença e interculturalidade em redes sociais de migrantes senegaleses no Rio Grande do Sul”, que, de 2014 a 2018, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), buscou investigar as dinâmicas de comunicação em rede e as lógicas de redes sociais articuladas pelos migrantes senegaleses no estado do Rio Grande do Sul.
Em um artigo publicado neste ano, a professora expõe os resultados desse trabalho e busca discutir qual o papel que as mídias digitais e em rede assumem na organização das redes migratórias. Isto é, como a comunicação em mídias sociais e aplicativos de mensagens, por meio do uso de aparatos tecnológicos, como computadores e celulares, afetam a experiência migrante. O intuito foi conhecer como se articulavam as relações sociais tanto entre os migrantes, quanto entre os migrantes e a população local.
A metodologia da pesquisa reuniu um conjunto de técnicas, dentre elas a observação simples e a observação participante. A observação simples consistiu no acompanhamento de redes sociais online, páginas, comunidades e perfis no Facebook. Já a observação participante, aquela que possibilita a inserção dos pesquisadores nas vivências dos grupos em estudo, os aproximou de entidades de apoio à migração, associações e até de festividades e reuniões promovidas pelos migrantes. Além das conversas informais, o estudo também contou com entrevistas estruturadas com os sujeitos pesquisados.
O encontro com esses migrantes contou com a parceria do MIGRAIDH, Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional da UFSM, no qual Liliane integra uma das linhas de pesquisa. Desde 2013, o grupo desenvolve ações na área de direitos humanos e de integração local da população migrante e refugiada, o que permitiu a entrada no campo dos estudos migratórios com a presença dos senegaleses.
Todo esse percurso levou tempo, segundo a professora Liliane, mas foi essencial para a inserção na vivência dos migrantes e trouxe percepções importantes acerca dos usos sociais das mídias por eles. Conforme a pesquisadora, as tecnologias se mostraram essenciais tanto no processo de deslocamento, quanto em toda a trajetória migratória. “Percebemos o papel da mídia e da internet na mediação da construção dessas narrativas migrantes, de outras formas de visibilidade e reconhecimento da experiência migratória”, destaca.
O uso das mídias na construção de identidades migrantes
A investigação mostrou que são assumidos sentidos de participação social quando as tecnologias em rede são utilizadas, por exemplo, para o aprendizado formal e informal de português. Conteúdos em formato de vídeo são produzidos e compartilhados em redes sociais para o ensino do idioma, algo essencial tanto para integração dos sujeitos na cultura brasileira, mas também para que possam se inserir no mercado de trabalho. Esse tipo de ação é realizada por projetos como o “Senegal, ser negão, ser legal”.
Também foi observado o local central que os usos sociais da mídia ocupam na construção de narrativas migrantes – muitas vezes, como uma forma alternativa às narrativas construídas pela mídia tradicional. Na pesquisa, são apresentados projetos de produção de conteúdos para canais de TV voltados à cultura senegalesa, mas que buscam também estabelecer diálogos com outras nacionalidades. É o caso do Sene Brasil TV e o Touba Brasil TV Rio Grande do Sul. A apropriação das redes sociais online também permite que os próprios sujeitos contem suas histórias e coloquem em circulação questões referentes às suas identidades.
A manutenção de vínculos com familiares e amigos que permanecem no Senegal também se dá, principalmente, por aplicativos de mensagens, como Whatsapp, Viber e Emo. Tendo em vista o caráter transnacional desse tipo de migração, a tecnologia é essencial para manter conexões e interações que transcendem os limites territoriais.
A comunicação pela internet é importante para garantir o contato com conhecidos, amigos e parentes que já migraram, estabelecendo uma rede de apoio na organização e na dinâmica migratória. Há ainda uma relação presencial, mas também mediada pelas tecnologias, principalmente para troca de informações sobre o contexto local, como ofertas de emprego e moradia.
Mas, para além disso, as redes de apoio também se constituem nas associações, movimentos, clubes, vivências religiosas e outros espaços que são construídos pelos migrantes e que também funcionam a partir da mediação de contato pelas mídias sociais e em rede.
De acordo com o estudo, o processo de migração acompanhado da apropriação das tecnologias da mídia é capaz de ressignificar a experiência diaspórica e de cidadania migrante. A docente explica que o conceito de diáspora, neste caso, é entendido como identidades em deslocamento, que passam a ser construídas em uma relação de identificação com a nova cultura, mas também de diferença pelo pertencimento à terra de origem.
Ao considerar a migração não apenas um deslocamento físico, mas cultural, Liliane destaca a importância de se estudar o tema pelo olhar da comunicação. “Um migrante não migra sozinho, ele já faz parte de uma rede. Ele traz esses laços familiares, culturais, suas vivências, bagagens, histórias e vai dinamizar também essas relações sociais e culturais nos locais para onde ele migra”, ressalta.
Diante disso, o uso das tecnologias da mídia se tornam fundamentais, pois os indivíduos passam a se valer da conexão para ampliar interações e colocar em contato suas identidades, diversidades e diferenças de maneira mais dinâmica. As mídias também são apropriadas no sentido de tematizar os preconceitos sofridos pela população migrante, como racismo e xenofobia. As questões são abordadas tanto nos perfis pessoais, quanto nas páginas dos projetos e coletivos formados por eles. Ao perceberem essas condições passam a reivindicar e construir novas formas de representação.
Expediente
Reportagem: Caroline de Souza, acadêmica de Jornalismo e voluntária
Ilustração: Noam Wurzel, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista
Mídia Social: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista; e Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Edição de Produção: Esther Klein, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas