Não importa o quanto sejam debatidas, da reportagem de televisão à pesquisa científica, as questões ligadas ao meio ambiente são sempre assunto atual. É crescente o número de pessoas engajadas na conscientização pela preservação da natureza, o que ainda não se reflete fortemente nas ações tomadas no dia a dia e em uma redução significativa das implicações trazidas pelo desenvolvimento. Para observar tais constatações, talvez o lugar mais indicado sejam as cidades, em especial as de médio e grande porte. São elas que melhor nos expõem as relações entre homem e natureza, preservação e desenvolvimento.
Um dos grandes problemas da relação ser humano versus meio ambiente é a forma como são ocupados os territórios e construídas as cidades. Pouco planejamento se vê com o propósito de valorizar os recursos proporcionados pela natureza, em uma relação mais harmoniosa entre espaço urbano e ambiente. Da forma como ocorreu o processo de urbanização no Brasil, não houve espaço para se pensar nos conflitos socioambientais que poderiam surgir como resultado. A crítica que se faz não é ao processo de urbanização, e sim ao modo como ele procedeu. A diminuição da cobertura vegetal e a impermeabilização do solo são só alguns exemplos, mas já carregam consigo outros fatores como poluição do ar, formação de ilhas de calor e enchentes. Desconsiderar os processos naturais e a necessidade de preservação pode custar caro e não apenas financeiramente. Exemplo disso é um lugar como a Cidade do México, que afundou 7,5 metros, por não reconhecer as relações existentes entre a água e a estabilidade do solo. Mas nem é preciso ir tão longe. Os frequentes deslizamentos no estado do Rio de Janeiro e as enchentes no Vale do Itajaí (SC) são casos próximos e bem conhecidos.
Santa Maria: ocupação e avanço territorial
Mas e Santa Maria, o que tem a ver com tudo isso? É o que mostra a pesquisa realizada para a dissertação do mestrado em Geografia de Daniel Borini Alves, com orientação do professor Adriano Severo Figueiró. Ele investigou as mudanças de distribuição da vegetação na área urbana da cidade nos últimos quarenta e cinco anos. Além disso, analisou a relação entre espaços verdes e aspectos como a variação da temperatura e a regulação da água no que se refere à capacidade do solo de absorvê-la. O pesquisador se propôs a entender como a vegetação contribui para o controle da qualidade ambiental urbana de Santa Maria.
Para compreender uma cidade em seu presente faz-se necessário um olhar ao passado. No caso da cidade “coração do Rio Grande”, o ponto de partida é o acampamento militar que se instalou, por volta de 1797, no local onde hoje é a rua do Acampamento. Nesse período, a área era coberta por vegetação campestre e florestal. Com o passar do tempo, a densidade populacional começou a crescer, em especial a partir de 1885, com a chegada da viação férrea. Veio então o século XX e com ele um crescimento ainda maior. A instalação de unidades do Exército Brasileiro e da Aeronáutica, e ainda a criação da Universidade Federal de Santa Maria, na segunda metade do século, atraíram grande contingente populacional e um desenvolvimento ainda mais acelerado. Assim, como em outras cidades de porte médio do Brasil, aos poucos o verde urbano também foi dando lugar a edificações e vias de circulação em Santa Maria. A mudança fica evidente quando se olha para as duas fotografias, na página seguinte, que comparam a cobertura vegetal nas proximidades da Avenida Rio Branco, em 1935 e em 2008.
A crítica que se faz não é ao processo de urbanização, e sim ao modo como ele procedeu.
O mapa abaixo permite entender como se deu o avanço territorial do espaço urbano e a consequente subtração das áreas verdes, principalmente no que diz respeito às zonas mais centrais. Basta olhar a diferença entre a área urbana em 1966 e 2011 para compreender o tamanho desse aumento. Cabe ressaltar que, em Santa Maria, o maior problema não é exatamente a falta de planejamento, como explica Daniel: “O que ocorre aqui não é a falta de planejamento, mas sim um planejamento urbano que priorizou políticas de expansão das áreas edificadas que notoriamente favoreceram alguns setores da sociedade em detrimento de outros. Isso reflete em uma série de perdas na qualidade ambiental local. […] As questões discutidas nesta investigação, associados aos espaços verdes de Santa Maria, mostram uma série de problemas da cidade, que vão desde a baixa oferta de espaços de lazer que possibilitem aos citadinos contatos com atributos naturais, até a perda de determinadas funcionalidades ambientais pelas quais a vegetação em áreas urbanas é responsável”.
Que a presença de espaços verdes nas cidades traz diversos benefícios, isso é fato. O que falta então é a implantação de mais áreas arborizadas, que sejam dispostas de forma a contemplar a maior parte da população e a maximizar os efeitos positivos que podem ser obtidos. Isso, como lembra o pesquisador, não pode ocorrer de forma descontextualizada de ações que busquem a educação ambiental e que possam sensibilizar a população sobre a importância da manutenção da vegetação nas áreas urbanas.
As últimas décadas e a atualidade
Para uma análise mais detalhada dos dados, o pesquisador utilizou recursos que mapeavam as áreas da cidade em três anos diferentes: 1966, 1980 e 2011. Os dois últimos permitiram maior aprofundamento na questão da vegetação e levantaram importantes questões referentes ao espaço urbano de Santa Maria e sua área verde.
Em 1966, os espaços livres ainda tinham grande representatividade. Apesar disso, havia um crescimento do número de edificações, e os bairros Bom Fim, Centro e Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora do Rosário, no centro urbano da cidade, já possuíam mais da metade de seus territórios cobertos por construções.
Tal tendência só aumentou, nos anos seguintes. Em 1980, as grandes concentrações de espaços construídos ainda ocorriam quase que exclusivamente na zona mais central da cidade. Ainda assim, os dados da pesquisa demonstram um aumento de construções também em outras áreas de Santa Maria, antes pouco ocupadas. Exemplo disso é o bairro Juscelino Kubitschek, localizado na região Oeste, que passou a contar com o conjunto habitacional Santa Marta. O local mais que dobrou a área construída entre 1966 e 1980. De forma geral, as demais regiões ainda possuíam área de cobertura vegetal com altos índices de predominância.
Em 2011, ano que permite compreender Santa Maria em seus moldes atuais, o panorama é diferente. Os espaços construídos são mais densos e estão mais bem distribuídos entre o território. Na parte central da cidade, todos os bairros já apresentam predominância das áreas construídas sobre as demais. Nos bairros Bom Fim e Centro, os mais urbanizados, áreas edificadas já ocupam mais de 85% de seus territórios.
Outras três regiões também registraram grande aumento nos índices de áreas edificadas: Centro-Oeste, Oeste e Sul. Na primeira, por exemplo, verificou-se o maior aumento em relação a 1980, considerando que a porcentagem de áreas construídas quase dobrou.
Para o pesquisador, atualmente a cidade apresenta uma má distribuição dos espaços verdes, tendência que já pode ser observada há algumas décadas. Ele ressalta que os resultados encontrados na investigação mostram uma perda de mais de 12% da cobertura vegetal da cidade nos últimos 31 anos e confirma que as áreas centrais da cidade, que possuem maior concentração de edificações, são as que apresentam maiores carências de disponibilidade de espaços verdes. Apesar disso, atenta para o fato de que as zonas periféricas, como o bairro Camobi (região leste), grande alvo da especulação imobiliária na atualidade, exigem cuidados e discussões desde já. Isso para que as possibilidades de expansão possam ser realizadas de forma mais harmoniosa com o meio ambiente. Fato importante revelado pela pesquisa é a porcentagem de áreas verdes da cidade em 2011, que, com o valor total de 32,9%, demonstra boas condições de arborização. Esse número está ligado à densa presença de vegetação nos morros de rebordo e a porcentagem acaba por esconder menores índices de arborização observados em áreas mais centrais.
Áreas verdes e qualidade de vida
Um dos maiores benefícios da manutenção da cobertura vegetal está na capacidade que ela tem de amenizar a temperatura. Quando se está em um local bastante arborizado e depois se vai a outro ambiente com grande número de construções e sem vegetação, é fácil perceber a diferença. A presença de espaços verdes é capaz ainda de diminuir o risco de alagamentos e enchentes. Para analisar esses dois fatores em Santa Maria, o pesquisador escolheu quatro áreas piloto. Duas delas apresentam situações bem diferentes: uma no centro da cidade e outra situada próxima a um morro.
A primeira está situada nas proximidades do centro de Santa Maria, junto ao bairro Bom Fim, em região de grande densidade de construções, que conta com a Praça dos Bombeiros. A outra é uma área residencial localizada junto ao morro Cerrito (região centro-leste), que ainda conta com bastantes áreas verdes.
Com relação à variabilidade térmica, as quatro áreas apresentaram a mesma tendência de aumento das temperaturas até por volta das 16h, com diminuição nas horas seguintes. Porém, as temperaturas médias foram diferentes ao longo do dia. A área com maior presença de espaços verdes foi a que apresentou as menores médias em todos os horários, com tendência a atingir temperaturas ainda menores na medida que se avançou para os locais mais vegetados. Nela também foi registrada a menor temperatura diária.
O fato de o bairro Bom Fim pertencer à região mais edificada da cidade aumenta a importância da Praça dos Bombeiros. Apesar de abranger uma pequena área, ela conta com a presença de diversas árvores densas, capazes de amenizar a temperatura nos arredores.
A regulação hidrológica, quando pensada em áreas urbanas, é de extrema importância, pois está ligada ao controle do escoamento da água. Assim, em uma rua asfaltada, por exemplo, em dias de chuva, a água vai diretamente para a superfície e escoa. As poucas possibilidades do solo de absorvê-la e a tubulação insuficiente para fazer o recolhimento da água aumentam o risco de alagamentos. Em áreas arborizadas, o processo ocorre mais lentamente, uma vez que a vegetação serve como uma barreira e faz a água chegar até o chão de forma gradual. Quanto a esse fator, as duas áreas seguem caminhos contrários. O pesquisador explica que, na região do morro do Cerrito, as condições da terra não são as mais favoráveis para a absorção, mas a presença de vegetação mais densa faz o processo ocorrer bem em dias de chuva. Já na região da Praça dos Bombeiros, que possui boa qualidade natural para retenção da água, a impermeabilização e o amplo uso da terra dificultam que isso ocorra. Como essa é uma zona amplamente tomada por edificações, os espaços de absorção são reduzidos, o que faz aumentar a quantidade de água da chuva que permanece na superfície, em vez de ser absorvida. Aliás, o descaso com os recursos hídricos é o que Daniel cita como um dos principais problemas associados à falta de planejamento urbano em Santa Maria: “Os rios urbanos são pouco a pouco suprimidos pela urbanização agressiva. O Arroio Cancela, por exemplo, que cruza por zonas fortemente edificadas da cidade, apresenta problemas que vão desde a degradação das suas margens até a notória falta de qualidade da água, motivada pelo depósito de resíduos sólidos e o despejo de efluentes”.
A preservação da natureza nas cidades e o correto aproveitamento dos atributos que ela nos oferece são fundamentais para que haja equilíbrio. Essa pesquisa pode ser um ponto de partida para que a questão seja mais bem pensada. O pesquisador destaca que sua principal contribuição é servir à comunidade, pois mune o poder público municipal de um instrumento que pode funcionar como propulsor para um conjunto de políticas capazes de ofertar maior qualidade ambiental. Planejar o processo de desenvolvimento das cidades é uma forma de prevenir os impactos gerados pelo aumento populacional e consequente crescimento das cidades. A presença de mais áreas verdes significa mais qualidade de vida.