Dia 28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho LGBTQ+ (gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e intersexuais). A escolha da data remete a 1969, em função de acontecimentos ocorridos em um bar que existia em Nova York. Na época, não eram permitidos espaços para convivência das pessoas LGBTQ+. O local era uma espécie de ponto de encontro informal deste grupo – que chegava a pagar propina aos proprietários para que permanecesse em funcionamento. Ainda assim, eram comuns batidas policiais e agressões aos frequentadores do bar. Até que, em 28 de junho daquele ano, a comunidade LGBTQ+ resolveu se insurgir com protestos e mobilizações.
Nos anos que se seguiram, nesta mesma data, as ruas da cidade eram tomadas pela Parada do Orgulho, com o intuito de incentivar a discussão sobre a visibilidade e a importância do combate à homofobia e da busca por direitos. De lá para cá, os locais para convivência LGBT+ foram sendo diversificados. Ainda que se notem avanços, alguns entraves ainda são apontados na construção de uma sociedade livre de preconceitos e mais igualitária.
Visibilidade trans
A sigla LGBTQ+ abriga identidades distintas e com demandas específicas e, portanto, se destina a promover a diversidade das culturas baseadas em identidade sexual e de gênero. A letra “T” refere-se à uma identidade de gênero. Neste sentido, a transexualidade refere-se à condição do indivíduo cujo gênero pelo qual se identifica é diferente do sexo biológico.
Até junho de 2018, as pessoas que não se identificavam com o sexo que lhes foi atribuído ao nascer eram consideradas com transtornos mentais, segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS). A mudança veio com a alteração na Classificação Internacional de Doenças (CID): os diagnósticos de “transexualismo” e “travestismo” foram substituídos pela noção de incongruência de gênero. Com a transexualidade ainda compondo a CID, mantém-se amparado o direito por cobertura pelos sistemas de saúde.
Cirurgia de redesignação sexual
A pesquisa Transexualidade e Dignidade da Pessoa Humana, realizada por Edwirges Rodrigues e Maria Amália Alvarenga e divulgada em 2015 pela Revista Eletrônica do curso de Direito da UFSM, busca fazer uma investigação sobre a transexualidade no Brasil. O texto, já na introdução, enfatiza que “os indivíduos transexuais enfrentam inúmeros preconceitos e dificuldades ao longo de suas vidas, podendo-se afirmar que, para alcançar sua completude, o transexual necessita reconhecer-se como titular do sexo oposto em todos os sentidos: médico (adequação do sexo biológico ao sexo psicológico), social (inclusão social deste indivíduo, para que seja aceito pela sociedade) e jurídico (perante a lei)”.
Até 1997, a cirurgia de redesignação sexual ou de transgenitalização – adequação dos genitais ao gênero com o qual a pessoa se identifica – era proibida no Brasil. O processo de transformação corporal, que engloba as cirurgias de redesignação sexual, a plástica mamária reconstrutiva (incluindo próteses de silicone) e mastectomia (retirada de mama), só começou a ser ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2008.
A regulamentação da cirurgia é responsabilidade do Conselho Federal de Medicina, ditada através da Resolução n° 1.955 de 2010. De acordo com as pesquisadoras, o procedimento é bastante discutido no ordenamento jurídico, já que pode ser caracterizado como de caráter mutilante ou de caráter corretivo. As autoras defendem como mais adequada esta última, tendo em vista a finalidade terapêutica da cirurgia: “Torna-se admissível a disposição do direito à integridade física para autorizar a cirurgia de adequação sexual, na medida em que corresponde à realização do direito à saúde e a garantia da dignidade da pessoa humana, possibilitando o livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo”, explicam na pesquisa.
No país, há cinco hospitais, todos universitários, habilitados para as cirurgias pelo SUS, de acordo com o Ministério da Saúde: o Hospital das Clínicas (HC) de Porto Alegre, HC de Goiânia, HC de Recife, HC de São Paulo e o Hospital Universitário Pedro Ernesto do Rio de Janeiro.
Nome social
Em março de 2018, foi definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que “todo cidadão tem o direito de escolher a forma que deseja ser chamado”. Foi reconhecido, por unanimidade, que pessoas trans podem alterar seu nome e sexo, em cartório, mesmo sem terem realizado a cirurgia de redesignação sexual. A autorização sobre a modificação do registro civil parte, atualmente, da declaração sobre a preponderância do sexo psicológico e/ou social sobre o sexo biológico. Essa conquista era uma das reivindicações mais importantes de transexuais desde 2016.
Na UFSM, a possibilidade de alteração do nome social por pessoas trans e travestis foi aprovada em 2015. Desde então, 14 pessoas adotaram o nome social, sendo nove mulheres transgênero e cinco homens transgênero.
Cotas para transgêneros
Algumas universidades começaram a inserir pessoas trans no ambiente acadêmico, neste ano. A Universidade do Sul da Bahia (UFSB) foi a primeira a reservar vagas para as pessoas trans ou travestis nos mesmos moldes que para indígenas e quilombolas. A Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, também abriu seis vagas para pessoas trans na Escola Preparatória. Já na Universidade Federal Fluminense, foram abertas duas vagas para autodeclarados transgêneros em pós-graduação em Sociologia. A partir de setembro, a Universidade Federal de Cariri (UFCA), no Ceará, será a primeira de todo o estado a reservar vagas nos editais de programas de pós-graduação para pessoas transgênero.
Transfobia
De acordo com dados divulgados pela Organização Não Governamental (ONG) Transgender Europe (TGEu), em novembro de 2016, o Brasil estava no topo do ranking de países com mais registros de homicídios de pessoas transgênero. O relatório descreve a violência de ódio transfóbico como “qualquer incidente que seja motivado por preconceito, hostilidade ou ódio contra contra pessoas ou grupos que transgridem ou não se conformam com o expectativas e normas de gênero”.
Em 2018, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgou que o número de assassinatos é crescente no país. Até o dia 29 de março deste ano, o Brasil havia registrado um aumento 20% (10 casos) no número de assassinatos em relação ao mesmo período de 2017.
O artigo Narrativas jornalísticas e possibilidades de resistência acerca do acontecimento #SomosTodasVerônica: mídia, transfobia e violência, escrito por Viviane Borelli, Alisson Machado e Marlon Santa Maria Dias, do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM, explica que, no Brasil, a transfobia letal incide principalmente sobre a população de travestis negras ou pardas, com pouco acesso a recursos econômicos e sociais.
A Constituição Brasileira não possui nenhuma lei específica a respeito da transfobia. O Projeto de Lei nº 122/2006 (PL 122), apresentado em 2006 na Câmara dos Deputados do Brasil, tem como objetivo criminalizar a discriminação motivada pela orientação sexual ou pela identidade de gênero da pessoa discriminada. Em 2014, o PL foi arquivado.
No Rio Grande do Sul, existe um Conselho Estadual LGBT – vinculado à Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos – onde os agentes recebem capacitação no atendimento de grupos vulneráveis. O estado contabiliza dados de transfobia por meio de um Observatório de Violência LGBT. No entanto, não existem delegacias especializadas em crimes de LGBTfobia. As denúncias podem ser feitas pelo 190 e pelo Disque 100.
Reportagem: Andressa Motter, Mirella Joels e Tainara Liesenfeld
Fotografia: Yannis Papanastasopoulos/ Unsplash