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Legenda para quem não ouve, mas se emociona

Professora de Libras da UFSM promove a inclusão no 46º Festival de Cinema de Gramado por meio de projeto de acessibilidade



Legenda para quem não ouve, mas se emociona é um projeto que luta para que haja legenda em todos os filmes nacionais e animações. Criado em Recife, essa proposta foi trazida para o Rio Grande do Sul em 2005 pela ativista do movimento dos surdos e professora assistente de Libras no Centro de Educação da UFSM, Carilissa Dall’Alba. Surda de nascença, ela possui graduação em Letras/Libras na Universidade Federal de Santa Catarina, Mestrado em Educação na UFSM e trabalha principalmente nas áreas de Cultura Surda e Visual e Educação Especial com enfoque na surdez. Carilissa realiza sua militância em outras áreas como o feminismo, assunto recorrente em seu canal no Youtube. Neste ano, durante o 46º Festival de Gramado, que acontece entre os dias 17 e 25 de agosto, pela primeira vez ao menos 12 filmes possuem legenda descritiva ou audiodescrição ao serem exibidos. Esse é um grande passo para a acessibilidade em festivais e uma das vitórias do movimento dos surdos.

A Revista Arco conversou com a professora e ativista sobre sua trajetória e projetos. Confira na entrevista:  

 

ARCO: Qual é a sua relação com a UFSM?

Carilissa: Me formei nesta Universidade no curso de Letras/Libras, e depois fiz o Mestrado de Educação, no Centro, e atualmente sou professora de Libras do mesmo centro, desde 2014. A UFSM é meu amor na cor de azul, onde me sinto bem trabalhando e está sempre me apoiando para eu realizar meus sonhos e sonhos de outros surdos também.

 

ARCO: De que forma a temática da inclusão começou a fazer parte da sua vida?

Carilissa: Nasci surda devido à rubéola que a minha mãe contraiu. Praticamente não escuto nada. Aos 16 dias, meus pais confirmaram a minha surdez; ali começou uma luta para que eu sempre estivesse incluída na sociedade. Sou a única surda da família. Meus pais e minhas duas irmãs maiores se empenharam e me ajudaram muito para que a nossa comunicação não fosse uma barreira. Eu sempre fui muito curiosa e perguntava tudo o que passava na televisão. Eles traduziam para mim, porque naquela época não existiam as legendas. Sempre me senti incluída, porque tenho uma família maravilhosa. Mas quando comecei a sair, ir nas casas de amigos, entendi que há uma grande barreira. Muitas famílias não sabem se comunicar com filhos surdos pela Língua Brasileira de Sinais – Libras. Fiquei revoltada vendo meus amigos surdos sendo excluídos na própria família. Meus pais sempre estiveram nas organizações da minha escola em busca de uma educação melhor ou a acessibilidade. Com 8 meses de idade, eu já estava na escola de surdos na minha cidade natal, Caxias do Sul – RS.  Cresci já na liderança, através dos meus pais e de alguns surdos que foram meus modelos. Aos 14 anos, já me movimentava e cobrava pelos direitos dos surdos. Então, a temática da inclusão social de pessoas surdas começou desde cedo na minha vida, algo natural, graças ao amor ao próximo e à esperança em ver tudo melhor para os surdos. Eu tenho uma filha ouvinte, a Sofia, 9 anos. Ela adora cinema. Às vezes, nos cinemas, ela assiste feliz aos filmes de animação sem legenda e eu fico ao lado, sem entender nada. E em casa eu não podia interagir sobre o filme que ela viu. Mesmo assim, ela que me contava. Era algo ruim. Agora, assistimos ao filme juntinhas: ela ouvindo e eu lendo as legendas. Depois, em casa, falamos sobre o filme. É muito legal.

 

ARCO: O que motiva você a criar projetos de acessibilidade? Quais projetos você já desenvolveu e lhe marcaram?

Carilissa: Sendo surda de nascença, eu sinto as coisas na pele mesmo e entendo muito bem as dificuldades que os surdos passam, sinto muito e luto por eles e por mim. Eu tive a sorte de ter uma família maravilhosa e de ter estudado numa escola de qualidade, que é a Helen Keller (meu berço linguístico). Com o ensino e a educação que eu recebi, pude aprender a ler, escrever e ler os lábios. Isso me tornou uma pessoa muito independente. Muitos surdos não são. Muitos são dependentes de pessoas ouvintes. Com a independência que tenho, posso fazer muitas coisas, criei vários projetos para que os surdos possam estar incluídos na sociedade. São vários que me marcaram: o Movimento para oficializar a Lei de Libras (24/04/2002 Lei número 10.436), Movimento pelas Escolas Bilíngues para Surdos e os movimentos pelas Legendas nos filmes brasileiros.

 

ARCO: Cinema já era uma temática que fazia parte da sua vida antes do projeto Legenda para quem não ouve, mas se emociona?

Carilissa: Sim. Eu desde pequena amava assistir filmes em casa e nos cinemas com a família. Filmes estrangeiros sempre tiveram legendas, mas filmes nacionais e animados, não. Quando meu amigo surdo de Recife, Marcelo Pedrosa, idealizou a campanha Legenda para quem não ouve, mas se emociona, em 2004, eu pedi para usar a campanha para lutar por aqui. Começamos pelo Festival de Cinema de Gramado, em 2005, e nunca mais paramos. Coordeno aqui, e é aqui que mais se movimenta em todo o Brasil. O Rio Grande do Sul está sempre à frente na área surda. Quando foi aprovada a lei que obriga legendas nos filmes nacionais e animações em Caxias do Sul, foi um momento intenso e feliz, meu coração bateu forte nas votações de vereadores. Caxias é a única cidade do Estado que tem a Lei de legenda.

 

Marcelo Pedrosa, idealizador do projeto, e Carilissa Dall’Alba

 

ARCO: O que a conquista de promover acessibilidade no Festival de Cinema de Gramado representa pra você? Como aconteceu o contato com a organização do evento?

Carilissa: Representa muito para mim e aos surdos, uma inclusão social e cultural digna. Este ano, pela primeira vez o Festival de Cinema de Gramado teve filmes legendados e, na abertura, eu fui a primeira a falar. É o festival mais inclusivo do Brasil. Começamos a movimentar a campanha no Festival em 2005 e, aos poucos, eu fui articulando com a imprensa do Festival. São 14 anos de luta, aos poucos conseguimos. A campanha é muito conhecida por eles e também sou muito conhecida por lá.

 

ARCO: Além das legendas para filmes, quais as outras demandas de acessibilidade na parte cultural?

Carilissa: Intérpretes de Libras nos teatros é essencial, faz muita falta. Qualquer apresentação artística precisa ter intérprete de Libras. Todos filmes nacionais e animações devem ser legendados. Inclusive, nos eventos musicais devem ter intérpretes de Libras. As pessoas acham que porque os surdos não ouvem, não precisam ir a shows, mas eles sentem a vibração das músicas e se emocionam também!

 

ARCO: Quais outros espaços você pretende conquistar? Quais são os projetos que você tem interesse em dar continuidade ou desenvolver futuramente?

Carilissa: Aos poucos vamos conquistando. Tenho interesse em criar um Festival de Cinema de filmes feitos pelos surdos, com legendas e dublagem aos ouvintes, respeitando sempre todos. Além do movimento pelas legendas, sonho que todas as cidades tenham central de intérprete, para que as pessoas surdas vivam sem depender das famílias. Algumas escolas bilíngues com qualidade hoje sofrem ameaças até de fechamento.

 

Reportagem: Mirella Joels

Fotografias: Arquivo Pessoal

 

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