Arranjo do solo, escolha e preparo de sementes, plantio, acompanhamento da floração e da maturação e, finalmente, colheita. A rotina de produção nos campos brasileiros era essa até a safra de 2013/14, quando agricultores relataram à Embrapa e aos órgãos de pesquisa o aparecimento de uma lagarta que não conseguiam controlar em suas lavouras. Chegou a se questionar se seria uma espécie mutante, resistente à tecnologia transgênica. Mas logo o inseto foi identificado: Helicoverpa armigera, uma lagarta catalogada pelo entomologista alemão Jakob Hübner, no ano de 1809. Embora a espécie seja conhecida há mais de duzentos anos e tenha sido registrada na Índia e na Austrália, em solo brasileiro era novidade. Uma devastadora novidade, que resultou em um prejuízo de cerca de 2 bilhões de reais, segundo a Embrapa.
O professor Jerson Carús Guedes, coordenador do Laboratório de Manejo Integrado de Pragas da UFSM (LabMIP), explica que a Helicoverpa armigera é uma espécie invasora: a qualquer momento pode colonizar outras regiões e cultivos, especialmente devido ao intenso comércio mundial, à ampla gama de hospedeiros e se houver um ambiente favorável ao seu desenvolvimento. A praga pode atacar mais de 120 espécies vegetais, sendo as mais importantes o milho, o feijão, o algodão, o tomate e a soja, esta última a mais atacada pela espécie na safra deste ano, no sul do Brasil. No Rio Grande do Sul, mais de 30 municípios, dos 47 analisados, tiveram ocorrência da lagarta em suas plantações.
A lagarta consegue se adaptar a diferentes ambientes, climas e sistemas de cultivo, o que explica sua presença em estados brasileiros de características tão distintas, como Bahia e Rio Grande do Sul. Além disso, sua capacidade de reprodução, somada à tolerância a inseticidas, garante-lhe potencial de sobrevivência.
A IDENTIFICAÇÃO
A identificação das lagartas é difícil em campo. Entretanto os heliothíneos (Heliothis e Helicoverpa) diferem dos demais grupos por recurvarem a cabeça e os primeiros segmentos, formando uma volta. Além disso, se estão na soja, provavelmente serão da espécie Helicoverpa armigera. Estas lagartas passam no solo a fase de pupa, e desta emerge uma mariposa.
Segundo o professor Jerson Guedes, a confirmação da espécie de Helicoverpa somente pode ser feita com o exame das mariposas, que nessa fase são diferenciadas pela análise da genitália dos machos e fêmeas. Esta análise tem sido feita rotineiramente no LabMIP da UFSM e registrada nos laudos de ocorrência da praga encaminhados ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
CONTROLE DA PRAGA
Em relação às demais pragas encontradas nas lavouras brasileiras, a Helicoverpa armigera é a que provoca maiores danos na soja. Mesmo havendo inseticidas eficientes, quando estes são aplicados fora de época ou em doses inadequadas, podem falhar e representar risco à produção.
A busca pelo controle da praga, que acaba alterando um pouco a rotina dos agricultores, inicia-se com vistorias semanais nas lavouras. Na fase inicial de desenvolvimento da cultura de soja, a vistoria deve ser visual, focada principalmente nos trifólios jovens (ainda em expansão). Já no período reprodutivo da cultura, a avaliação visual deve ser direcionada a estruturas reprodutivas da planta, principalmente às vagens (legumes), porque essas estruturas são as preferidas pela Helicoverpa armigera. A partir do momento que a soja permite o uso do pano-de-batida (veja quadro), este deve ser utilizado em conjunto com a avaliação visual. Se, nessa avaliação, o produtor encontrar duas lagartas por metro de fileira de soja, a lavoura está no nível indicado para realizar o controle – que, na maioria dos casos, é a interferência com inseticidas biológicos ou químicos.
O LabMIP da UFSM recomenda que, após atingida a população de insetos que causa dano à soja, o produtor utilize integradamente inseticidas biológicos e químicos, e estas técnicas de controle sejam empregadas quando as lagartas ainda apresentarem tamanho inferior a 1 centímetro de comprimento. A partir do florescimento, a penetração do agrotóxico nas folhas do terço inferior da planta (mais próximo ao solo) é muito baixa, exigindo maior atenção pelos agricultores.
Segundo Jerson Guedes, apesar de o agrotóxico ser a ferramenta mais utilizada pelos agricultores no controle de Helicoverpa armigera, existem outras estratégias de manejo dessa praga. Trabalhos realizados pelo LabMIP demonstraram elevada taxa de parasitismo natural sobre essa lagarta em campo. Além disso, a utilização de inseticidas biológicos à base de bactérias e vírus foi eficaz no combate na Região Central do Rio Grande do Sul.
O APOIO DA UFSM
Na UFSM, o LabMIP é o local onde são desenvolvidos diversos trabalhos com Helicoverpa armigera, buscando gerar informações para dar assistência aos produtores no controle desse inseto.
Por meio de auxílio na identificação da lagarta, o LabMIP procura ajudar os agricultores a atuarem de forma eficiente no manejo da nova praga. Assim, com as experiências e pesquisas desenvolvidas pelos profissionais de diversas áreas ligadas ao manejo integrado de pragas, ocorrem trocas de conhecimento entre estudiosos e comunidade para garantir uma produção mais sustentável e com menor impacto ao ambiente.
PANO DA BATIDA VERTICAL
O pano-de-batida vertical é constituído de um bastão de madeira, na extremidade superior, e um tubo de policloreto de polivinila (100 mm), cortado ao meio longitudinalmente, na extremidade inferior, ligados entre si por um tecido branco, com comprimento de 1 metro e com altura ajustável à estatura das plantas de soja. Para a coleta dos insetos, o pano deve ser colocado verticalmente na entrelinha da cultura, e as plantas da fileira devem ser sacudidas contra a superfície do pano, a fim de que ocorra a queda das lagartas e outros insetos no pano, para se realizar a quantificação destes.
Esse procedimento deve ser realizado em 15 pontos amostrais distribuídos na lavoura, para ser representativo da situação populacional de pragas que ocorrem na área.
Repórter: Augusto Vasconcelos