“Assim que você passar pela casa verde, dobre na próxima esquina, seu destino fica no prédio rosa”. “Quando for ao mercado, quero que traga um tomate bem vermelho”. “Para efetuar o pagamento, basta pressionar o botão verde”. “Pegue a caneta azul naquele estojo amarelo”. São grandes as chances de você já ter ouvido frases como essas em algum momento da sua vida ao realizar tarefas cotidianas.
Utilizar a cor para informar detalhes e especificações costuma ser uma alternativa de simplificar o que se deseja comunicar. Entretanto, para indivíduos que não percebem as cores do mesmo modo que a maioria das pessoas, essas situações podem provocar muita insegurança e ansiedade – especialmente quando não há acessibilidade em relação às cores na maneira como produtos, serviços e metodologias são construídos. Entender as informações das placas de trânsito, observar o semáforo ao atravessar a rua, escolher tintas para a decoração da casa, interpretar alguma questão de prova que apresenta legendas em cores, selecionar frutas no supermercado, e observar a palidez da pele de um paciente em um atendimento médico são alguns dos exemplos.
O daltonismo, também chamado de discromatopsia ou até mesmo de deficiência visual das cores, refere-se à dificuldade de identificar e diferenciar certos intervalos de cores. De acordo com o Conselho Federal de Medicina, cerca de 5% da população mundial possui algum tipo de daltonismo. Você achou pouco? Isso representa aproximadamente 390 milhões de pessoas no planeta. Há quem tenha daltonismo em decorrência de fatores genéticos – mais comum -, e ainda quem adquira ao longo da vida, principalmente em razão de doenças e lesões, entre outros motivos. No que se refere à classificação, existem oito tipos de daltonismo, além da presença de certos graus, como leve, moderado e severo.
No olho humano de quem não possui daltonismo, há o funcionamento de três tipos de células capazes de “perceber” a cor. Esses tipos de células são conhecidos como “cones” e são denominados de acordo com o tipo de luz que são capazes de captar – como vermelha, verde e azul. Quem tem algum tipo de deficiência parcial em alguma dessas células pode possuir três tipos de daltonismo: protanomalia (em relação ao cone vermelho), deuteranomalia (em relação ao cone verde) e tritanomalia (em relação ao cone azul). Esses são os tipos de daltonismo com o grau mais leve, já que, embora haja alguma deficiência em um dos cones, a pessoa possui os três tipos de célula. A seguir, repare, respectivamente, a simulação de algumas frutas e legumes para pessoas sem daltonismo e pessoas com protanomalia, deuteranomalia e tritanomalia:
Já para aquelas pessoas com deficiência total ou até mesmo a ausência de algum dos cones, há outros três tipos de daltonismo: protanopia (em relação ao vermelho), deuteranopia (em relação ao verde) e tritanopia (em relação ao azul). Nesses casos, pela ausência do funcionamento dos cones, os graus são considerados mais elevados e certas cores podem ser percebidas como outras bem diferentes ou serem vistas como tons de cinza, dependendo de cada tipo. Sendo assim, note agora a comparação de algumas frutas e legumes para pessoas sem daltonismo e pessoas com protanopia, deuteranopia e tritanopia:
Por fim, há ainda os tipos de daltonismo chamados de monocromáticos/acromáticos, quando há apenas um cone sem deficiência ou todas as células fotossensíveis com algum tipo de deficiência ou ausência. São divididos em dois tipos: monocromacia atípica/monocromacia do cone azul, quando há apenas o funcionamento do cone sensível à luz azul, e monocromacia típica/acromatopsia, tipo de daltonismo que vê somente em escala de cinza. A seguir, observe, respectivamente, também a simulação de algumas frutas e legumes para pessoas sem daltonismo e pessoas com monocromacia do cone azul e acromatopsia:
Embora haja uma complexidade muito grande em relação à visão humana, especialmente à visão colorida, ainda há uma extrema desinformação sobre o daltonismo. Entre os mitos mais difundidos, estão os de que pessoas com daltonismo veem somente em preto e branco e de que apenas homens podem ter tal limitação visual. Além disso, há uma enorme carência de pesquisas acadêmicas sobre o assunto nas mais diversas áreas do conhecimento, como na medicina, na pedagogia e, sobretudo, na comunicação e no design – o que contribui para a falta de informação sobre como criar com acessibilidade.
Justamente em vista disso, durante a minha graduação em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda na UFSM, me debrucei a pesquisar sobre perspectivas de inclusão e acessibilidade em projetos e produtos comunicacionais para pessoas com daltonismo, já que também sou uma pessoa daltônica que tem sua vida pessoal, acadêmica e profissional impactada por barreiras geradas pela falta de acessibilidade. Como minha pesquisa consiste na entrega de um produto, tomei a iniciativa de desenvolver um guia de boas práticas, intitulado “Guia de Acessibilidade Cromática para Daltonismo”, voltado a profissionais da indústria criativa que, de alguma maneira, trabalham com a utilização das cores no dia a dia – como designers, publicitários, desenvolvedores, produtores editoriais e arquitetos. O material propõe auxiliar e facilitar o ensino e o exercício prático no que diz respeito ao desenvolvimento de projetos plenamente acessíveis em relação às cores.
Além de 20 soluções de acessibilidade mapeadas, um dos principais resultados do estudo, de fato, foi a criação de um modelo de princípios de acessibilidade, nomeados de ‘princípios de acessibilidade cromática’, que, quando interseccionados adequadamente a uma dada circunstância, asseguram que todo e qualquer projeto ou produto comunicacional seja acessível em relação às cores. Para validar as recomendações presentes no material, foram realizados grupos de avaliação com a presença de pessoas com diferentes tipos de daltonismo, profissões e faixa etárias de cidades do Brasil e da Espanha.
A fim de tornar o guia de boas práticas o mais acessível possível e garantir autonomia e segurança a profissionais que, porventura, possam ter algum tipo de deficiência, o projeto conta com o apoio do ColorADD, um sistema de identificação de cores único, inclusivo, universal e transversal, criado pelo designer português Miguel Neiva, que associa um determinado símbolo gráfico a uma cor. Dessa maneira, torna-se possível que a cor de cada página do material possa ser identificada facilmente por pessoas com daltonismo.
Caso você tenha interesse em conhecer um pouco mais sobre estudo e entender como a acessibilidade em relação às cores pode ser aplicada no dia a dia e em projetos e produtos comunicacionais, o “Guia de Acessibilidade Cromática para Daltonismo” foi lançado de maneira digital, pública e gratuita no dia 17 de outubro. O guia pretende contribuir para que projetos tornem-se, de fato, mais acessíveis para pessoas que possuem algum tipo de daltonismo.
*Texto por Thiovane Pereira. Thiovane possui daltonismo, é publicitário pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pesquisa sobre acessibilidade em relação às cores. Além de trabalhar como diretor de arte, presta serviços de consultoria sobre como tornar seus projetos mais acessíveis para pessoas com daltonismo. É idealizador do projeto “Guia de Acessibilidade Cromática para Daltonismo”.
Expediente
Ilustração: Luiz Figueiró, acadêmico de Desenho Industrial e voluntário
Mídia Social: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Eloíze Moraes, estagiária de Jornalismo e bolsista; e Caroline de Souza, acadêmica de Jornalismo e voluntária
Edição de Produção: Esther Klein, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas