Felicidade, agora, será discutida em sala de aula na UFSM. A partir do segundo semestre de 2018, a Disciplina Complementar de Graduação (DCG) Ética e felicidade: lições da filosofia para uma vida boa será ofertada a toda comunidade acadêmica, que pode inscrever-se até o dia 10 de agosto, na sala 2214 do prédio 74 A. A UFSM é a segunda instituição do país a criar a disciplina, já ministrada na Universidade de Brasília (UnB), com inspiração em modelos de universidades norte-americanas.
Dejalma Cremonese, professor do departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Sociais e Humanas (CCSH) da UFSM, é o criador e responsável pela disciplina. Mestre em Filosofia e doutor em Política, Dejalma dedicou dez anos em uma pesquisa sobre a existência humana. Para ele, “nunca é demais conhecer a si próprio”. Pensando nisso, buscou em teóricos da filosofia formas de entender e promover discussões que proporcionem melhorias pessoais no atual cenário do pós-modernismo. A partir dos estudos, o professor publicou um livro com o mesmo nome da disciplina, utilizado na bibliografia trabalhada em sala de aula.
A equipe da revista Arco conversou com o professor Dejalma, que contou sobre a criação, as expectativas e a didática da disciplinas. Confira:
ARCO: Como surgiu a ideia de criar uma disciplina sobre felicidade?
Dejalma: Esta disciplina, na verdade, não é nova. Ela já vinha sendo oferecida nos últimos seis anos pelo curso de Ciências Sociais da UFSM, bacharelado e licenciatura, com o nome Introdução à Filosofia. Após uma reestruturação curricular do bacharelado, a disciplina passou a se chamar Ética e felicidade: lições da filosofia para uma vida boa, e tornou-se DCG. Para tratar do tema, fiz a releitura da filosofia antiga e abstraí lições que podem ajudar a pensar sobre a existência humana, pois percebo que nossos alunos têm uma carência muito grande dessa discussão.
ARCO: Com base nas experiências dos anos anteriores, como é trabalhar a temática da felicidade em sala de aula?
Dejalma: Nestes seis anos, tive em média dez alunos por turma. Foi uma experiência bonita, mas a nomenclatura não chamava a atenção das pessoas. Agora, viram no nome a palavra felicidade, e o interesse cresceu. Pessoas até de fora da UFSM gostariam de participar. Isso pode ser um indício de que estamos muito infelizes e tentando buscar algo que nos ajude.
ARCO: Como acontecem e o que se espera dos debates propostos em aula?
Dejalma: Nós não temos receita. Não se trata de um convertimento religioso e ideológico. Nós vamos apresentar um debate com uma leitura filosófica, começando pelos mitos gregos, com algumas lições da ética, virtude e felicidade. Depois, discutiremos o que é filosofia como uma vida boa. Seguimos por Sócrates, sobre o autoconhecimento. Passamos pelos helenísticos: Estoicos, Cínicos e Céticos. Depois, trabalharemos o que é ética, moral e felicidade nesse período em que vivemos. Será que felicidade é aparecer nas redes sociais, viajar e consumir? O meu objetivo é que, livremente, os alunos percorram o caminho para dentro de si. Nas últimas duas aulas, talvez os alunos apresentem um projeto piloto do que sentiram durante o semestre. Pessoalmente eles vão anotar o que lhes fizeram felizes naquele dia. No final, eles terão que apresentar um “modelo” próprio de felicidade, a partir das suas experimentações. Vai ser algo mais leve e tranquilo, e ao mesmo tempo reflexivo de uma forma pessoal.
ARCO: A felicidade sempre foi entendida da mesma forma ao longo dos anos?
Dejalma: Na filosofia, o objetivo é ajudar a descobrir dentro de si próprio o caminho a ser percorrido e o que traz felicidade. Podem ser pequenas coisas, como um pôr do sol, uma amizade, um abraço carinhoso. Tem um autor argentino chamado Facundo Cabral, que fala que o problema hoje não é o estresse e nem a angústia, e sim, a distração. Estamos muito distraídos para o que é essencial na vida.
Os gregos já entendiam a felicidade não como um momento de êxtase, mas como algo silenciado e continuado, conforme Aristóteles, na ética nicômaca. É uma questão muito subjetiva. Muita vezes não é expressando a felicidade que você sente ela. Os gregos, dois mil e quinhentos anos atrás, acreditavam na felicidade como o direito ao silêncio, a privacidade na solidão, no bom sentido. A psicologia, a religião, a sociologia, contribuem para entender a felicidade e a filosofia pode contribuir para isso também. Não é uma filosofia acadêmica, mas com questões práticas da vida.
Atualmente, a felicidade ganhou outras formas. Se você vai para Gramado, Canela, Miami, a viagem em si não tem importância, e sim, que as pessoas tenham consciência de que você está fazendo essa viagem. Você se produz, se arruma para uma festa ou para uma malhação, e posta nas redes sociais. Cem curtidas te dá um elemento químico no cérebro de satisfação como se tivesse comido um chocolate ou ingerido uma bebida. A rede social é um grande espelho narcísico pós-moderno, que faz as pessoas se reafirmarem com o respaldo do outro. Na verdade, é uma auto-afirmação. Nós não precisamos de nada disso para sermos felizes.
ARCO: Durante muitos anos você estudou a existência humana. Como foi esse processo?
Dejalma: Dos meus 25 aos 40 anos eu passei muito cansaço e estresse, de não ver o mundo e o detalhe, e acabei acometido por ansiedade crônica de síndrome de pânico. É um momento de morte e de perda. Eu comecei a ressignificar a minha vida fazendo leituras filosóficas. A partir dessas leituras, nesses dez anos, surgiu uma pesquisa longe da exigência da academia e que virou um livro. Foi um renascer da minha própria existência. Hoje eu tenho tempo para mim. Se quero descansar, faço sem peso na consciência. O Eduardo Galeano, escritor que faleceu há pouco no Uruguai, dizia: “Triste é morrer e não ver o crepúsculo jamais”, ou seja, não poder admirar o pôr do sol para ele é uma das grandes perdas para sua existência. Para nós pode ser algo trivial, mas para ele o pôr do sol tinha sentido. Rubens Alves fala em um livro sobre a feira dos prazeres, no qual você tem que buscar um amor, uma música, um sabor. Vamos buscar a feira dos prazeres, pois amanhã é silêncio e esquecimento, o tempo passa e não vivemos. Eu sofri quando corri atrás da graduação, do mestrado e doutorado e deixei de viver. Eu perdi no mínimo 25 anos da minha existência vivendo de uma maneira autômata. Perdi a minha subjetividade, sempre correndo atrás da vida e perdendo o momento de juventude. O importante é o processo da vida. Os gregos e os estoicos tinham essa noção de viver o momento presente intensamente, mas não como o Carpe Diem, que leva isso como beber, fumar, se drogar. Viver o momento presente com reflexão e satisfação.
ARCO: Que fatores são levados em consideração para estudar felicidade?
Dejalma: A filosofia é a mãe de todas. Através do aspecto de reflexão de alguns pensadores, eu vou confrontar essas ideias com a realidade na pós-modernidade. Além disso, vou propor a experiência de durante o semestre prestar atenção em si mesmo e nas coisas que rodeiam. Vai ser uma desconstrução ou uma construção da pessoa em si, como, também, pode ser uma leitura de clássicos, que já ajuda bastante. Grande parte de quem está na universidade hoje veio cedo para cá, com 17 e 18 anos, sem os pais, migram de curso, evadem, ou estão aqui por pressão da família e sociedade. Então, por que não trabalhar com essas pessoas sobre a existência? A educação na Paideia grega levava em conta o cognitivismo, o conhecimento racional, a música, poesia, a beleza física – que eles adoravam -, a medicina do corpo e da alma. Não era só o cognitivo, como a universidade hoje está amparada.
ARCO: Quais foram as conclusões da pesquisa?
Dejalma: Primeiro, felicidade não significa sorriso nos lábios, ela é subjetiva. Trabalhar essa temática não significa que o professor seja inteiramente feliz, pois temos perdas emocionais, afetivas, medos, saudades, dor, angústia… Temos que encontrar algo dentro de nós que nos realize. Felicidade é viver uma vida simples, desprendida de tudo, até da própria vida. É estar disposto também a aceitar a morte com consciência para naturalizá-la. Viver o momento presente. Viver moderadamente, como diziam os gregos: “viver o meio termo”. Não afrontar a divindade, a natureza, o que eles chamam de hybris. Buscar uma vida virtuosa, regrada e racional. Epicuro disse que para ser feliz você tem que ter três coisas: saúde, amigos e reflexão. Nós matamos a alma, pois vivemos em uma sociedade do cansaço, da culpa e do individualismo. Estamos morrendo de infarto da alma. São várias conclusões depois de uma pesquisa existência de dez anos.
ARCO: Dentro das percepções de mudanças nos hábitos, o que podemos fazer?
Dejalma: Algumas pessoas vão atrás do budismo, por exemplo. Estamos vivendo a era do esoterismo, tem questões que são racionais que contribuem com sua filosofia oriental, por exemplo o budismo. Mas temos que ter cuidado para não cair em um caminho religioso mercadológico. Muitas vezes, precisamos de racionalidade para certas coisas. Tem gente acreditando em pedras, árvores, metais, pirâmides, gnomos, horóscopo. Vivemos uma miscelânia, pois há o desespero total, tanto que entre os cinco livros vendidos no mundo, um é de auto-ajuda. É uma tentativa desenfreada de procurar soluções mágicas que não temos. A filosofia faz perguntas e questionamentos, mas não dá respostas. Você vai ter que encontrá-las dentro de si. Muito cuidado para não cair na armadilha de que tudo pode ajudar. Tem que ter racionalidade para isso também. Se a literatura pode ajudar, ótimo, só que para minha compreensão, não é dando respostas para as pessoas que elas vão melhorar de vida. Se você se motivar endogenamente, você vai descobrir dentro de ti motivações que fazem você viver. Não existe modelo para a existência humana.
Reportagem: Bibiana Pinheiro
Edição: Andressa Motter, acadêmica de Jornalismo
Fotografias: Rafael Happke