Redução do nível de produção e consumo, queda das taxas de lucro e aumento do desemprego: essas são características de uma crise econômica. Ao longo da história, já aconteceram muitos períodos de crise, como a Grande Depressão de 1929 nos Estados Unidos ou a Crise Imobiliária de 2008, que atingiu o mundo inteiro. Da mesma maneira que apresenta fases de crescimento contínuo, o sistema de produção capitalista também tem momentos de recessão. A última década brasileira foi marcada por crises econômicas e políticas que impactaram o mercado de trabalho. Assim como no restante do país, a economia de Santa Maria também sentiu os efeitos desses momentos de instabilidade.
Um relatório feito por pesquisadores da UFSM traçou um panorama geral do mercado formal de trabalho no município de Santa Maria entre 2010 e 2019. O estudo tem ênfase sobre os empregos qualificados, aqueles que exigem mais capacitações profissionais e técnico-científicas, os quais incorporam trabalhadores com maior ganho de produtividade, assim como, melhor remuneração salarial. Além disso, traz informações importantes da última década e compreende dados sobre gênero, faixas salariais, idade e experiência. Os resultados podem ser utilizados como base para políticas públicas e setoriais voltadas para questões como a qualificação profissional ou promoção de igualdade de gênero. “O trabalho foi pensado para beneficiar a todos os cidadãos de Santa Maria e outros que se interessam pela temática do emprego”, comenta Lázaro Dias, mestre em Economia e Desenvolvimento pela UFSM e coautor da pesquisa.
O estudo é fruto do esforço coletivo do grupo de pesquisa Dinâmica Industrial, Instituições e Desenvolvimento (DEID), vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Estruturada em dois pilares principais, o levantamento traz estatísticas da produção e do emprego no município e propõe uma análise dos empregos formais.
A base do estudo foi a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Previdência. A RAIS é um registro administrativo nacional que apresenta informações e estatísticas sobre o mercado formal de trabalho. Possui uma cobertura de aproximadamente 97% do cenário de empregos no país. Entre seus objetivos estão subsidiar as políticas de formação de mão de obra e salarial. A pesquisa utiliza classificações como o porte das empresas de Santa Maria, estoque de empregos e características individuais dos empregados. São separadas três categorias de atividades com aspectos importantes para o crescimento e desenvolvimento econômico local: operacionais, nível técnico e área tecnológica.
O relatório mostrou que a quantidade de empregos formais em Santa Maria teve um crescimento de 22,5% entre os anos estudados, apesar de algumas oscilações nesse período. Os dados coletados são do período pré-pandêmico. A seguir, a Revista Arco apresenta outras informações sobre as mudanças na última década que estão disponíveis no estudo produzido pelo DEID.
Mais empregos formais no início da década
Entre os anos de 2010 e 2014, houve um aumento de 19,5% no total de empregos formais no município, crescimento que vai ao encontro de uma tendência nacional. Entre as muitas razões que explicam esse progresso, uma delas é que entre 2000 e 2014 ocorreu o “boom das commodities”, um período de alta nos preços de grande parte das matérias primas no mundo – tais como alimentos, petróleo, metais e energia. O aumento na procura por commodities aconteceu graças à ascensão de países em desenvolvimento, como a China. Esse ciclo trouxe benefícios, principalmente, para países da América do Sul e da África, grandes exportadores de matérias primas.
Nesse cenário, a economia brasileira, liderada pela venda de commodities, teve um aumento significativo nas exportações. A receita gerada no período resultou em investimentos públicos em setores estratégicos e na expansão do setor de serviços, o que colaborou com um ciclo virtuoso de empregos.
Entretanto, a partir do ano de 2015, houve uma baixa no número de trabalhos formais em Santa Maria e no Brasil. O ciclo recessivo também aconteceu devido aos efeitos da Nova Matriz Econômica, um plano criado em 2011 para minimizar a intervenção e participação do setor público na economia do país, que seria compensada pelo setor privado, tido como suficiente e capaz de promover investimentos que impulsionariam a economia. “A ideia seria aumentar a margem de lucro das indústrias para que o capital fosse reinvestido e gerasse renda e emprego. Infelizmente, o setor privado, apesar dos bônus – como subsídios e desonerações fiscais – não levou à frente os diversos projetos de investimentos na economia brasileira”, explica Valdinei das Chagas, mestrando em Economia e Desenvolvimento pela UFSM e coautor do relatório.
Os anos a partir de 2015, foram marcados por incertezas geradas no campo político do país. Fatores como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e, em seguida, as medidas de cortes na economia, como a Emenda do Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, promulgadas no governo de Michel Temer, desestimularam contratações e investimentos e o mercado formal de trabalho encolheu.
Fuga de cérebros
Ao longo da década, o número de empregos em nível superior aumentou em Santa Maria. Em 2010, eram 10.689 empregados; em 2015, 13.602 trabalhadores; e em 2019, eram 14.733. Também há um crescimento no número de contratados com pós-graduação. Contudo, mesmo com o aumento no número de oferta de empregos, a porcentagem de vagas para nível superior caiu de 20% para 18%. Para pós-graduação, a queda foi de 5% para 1,6%.
A falta de oportunidades de trabalho para profissionais com graduação, mestrado ou doutorado em Santa Maria, pode acarretar no fenômeno chamado fuga de cérebros. “A cidade mantém-se como um polo de qualificação e especialização profissional, mas, assim que terminam os estudos, os indivíduos vão para outras localidades que eventualmente lhes oferecem melhores empregos e salários mais altos”, explica Lázaro Dias.
O estudo não abrange a explicação para o fenômeno complexo, mas deixa indícios que podem ser investigados por pesquisas futuras sobre o assunto. “Esse é um aspecto negativo, e precisaria ser melhor investigado pela equipe de pesquisa em estudos futuros, para entendermos se e como ocorre”, complementa Lázaro.
Mudanças no perfil da remuneração média dos empregos
No decorrer do período analisado, também houve aumento na participação relativa dos empregados remunerados entre 1,5 e 2,0 salários mínimos, que passaram de 18,8% em 2010 para 26,6% em 2019. Na faixa seguinte, 2,01 a 3,00 salários mínimos, também há acréscimo. Em 2010 eram 14,8% e em 2019, 17,4%. Andressa Neis, Mestre em Economia e Desenvolvimento pela UFSM e coautora da pesquisa, esclarece que esse é um processo significativo e muito importante. “Os trabalhadores dessas faixas comprometem parte relevante da sua renda com consumo – alimentação, moradia, saúde e educação – e os impostos, quando bem aplicados, são revertidos em políticas públicas de saúde, educação e segurança pública”.
A elevação nas faixas salariais pode ter relação com mudanças estruturais, já que parte dos empregos operacionais de nível escolar básico foram gradualmente diminuídos ao longo da década. O contexto mostrou que houve aumento na escolaridade da força de trabalho, de nível médio e superior. Andressa afirma que o fenômeno vai ao encontro da Teoria do Capital Humano, que propõe que a educação torna as pessoas mais produtivas, tende a valorizar os seus salários e pode influenciar o progresso econômico.
Nos dois extremos da tabela, isto é, as faixas salariais de até 0,5 salários mínimos e mais de 20 salários, o índice percentual continuou praticamente o mesmo, 0,7% e 1,0%, respectivamente.
Previsões futuras não indicam melhora
O estudo mostrou que Santa Maria tem sofrido impactos negativos na geração de postos de trabalho no período, isto é, o município acompanhou o ciclo de crescimento econômico da economia brasileira que, até meados de 2014, teve um significativo aumento no número de empregados e depois apresentou um recuo. Atualmente, a economia do município, bem como a economia brasileira, ainda sofre os efeitos de políticas macroeconômicas guiadas desde 2012. “Alguns colegas economistas já sinalizam que, até o ano de 2030, a economia brasileira não recupera totalmente ao patamar de 2010, devido a retrocessos, sobretudo sociais, além da forte desindustrialização e falências de empresas, em especial as micro e pequenas, que tiveram seu ciclo ainda mais afetados pela pandemia”, revela Valdinei.
Desde 2020, com a crise da pandemia de Covid-19, houve uma acelerada perda nas ocupações no Brasil. O Rio Grande do Sul, bem como Santa Maria, seguiu a tendência nacional. O DEID produziu um estudo complementar com informações sobre o emprego formal no contexto da pandemia.
Expediente
Reportagem: Luís Gustavo Santos, acadêmico de Jornalismo e voluntário
Design Gráfico: Luiz Figueiró e Cristielle Luise, acadêmicos de Desenho Industrial e bolsistas
Mídia Social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Alice Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e voluntária; e Martina Pozzebon, acadêmica de Jornalismo e estagiária
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas