O Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), desde 2016, instituiu o Programa de Doação Voluntária de Corpos, que busca garantir a continuidade dos estudos científicos com corpos humanos através da conscientização do sentido altruístico da doação. O Programa é coordenado pelo professor de anatomia humana do Departamento, Carlos Eduardo Seyfert, e disponibiliza informações aos possíveis doadores no encaminhamento da documentação necessária para a legalização do ato.
Laura Betina Lopes Pinheiro, 22 anos, natural de Três Passos (RS), é estudante do quinto semestre de Odontologia da UFSM e, no início deste ano, decidiu encaminhar a documentação para se cadastrar no Programa de Doação Voluntária de Corpos da Universidade. Na entrevista abaixo, Laura conta como foi o processo que despertou nela o interesse em doar o próprio corpo para a ciência:
ARCO: Por que você escolheu fazer faculdade de Odontologia?
Laura Betina: Na verdade, foi um pouco por teimosia. Eu fui secretária em um consultório odontológico e o dentista sempre dizia “Eu, se fosse começar de novo, não faria Odonto”. Aí, eu fiquei com isso na cabeça. A minha sobrinha também é dentista. Então, com um pouco de influência e um pouco de teimosia, eu resolvi fazer Odonto. E agora eu gosto, gosto bastante, sempre quis e estou bem realizada, bem feliz com o que encontro aqui.
A: O contato com o material humano influenciou na decisão de doar o corpo?
L: Durante o ensino médio, a gente fez algumas visitas em universidades. Mas foi na PUC e na UFRGS; a minha região [Três Passos] ficava mais perto de Porto Alegre e, por isso, a gente não veio pra cá [UFSM]. Ali, eu já tive contato com os laboratórios de anatomia, mas eu sabia que a gente teria contato com as peças [corpos] no curso de Odonto. Então, na faculdade, eu tive dois semestres da disciplina básica de anatomia geral e depois a disciplina de anatomia aplicada à Odontologia [que utilizou material humano para estudo]. Mas foi bem tranquilo. E isso [a doação] foi mais pela deficiência que a gente tem. Porque as nossas peças, os nossos cadáveres são muito antigos e, com a manipulação que a gente tem (tira do tanque, põe na mesa, leva pro laboratório, os alunos mexem, manipulam) acaba estragando. Mesmo que seja utilizado com todo cuidado, acaba estragando com o tempo, porque é muito frágil. Apesar de a gente ter tecnologia para fazer bonecos de plástico, não é a mesma coisa que ‘de verdade’. Então, eu pensei ‘poxa, não é certo da minha parte vir aqui, usar e depois não retornar para ciência’. Foi uma escolha bem pela ciência. Até porque enterrar, hoje em dia, não dá; os cemitérios estão superlotados, não existe mais lugar; e cremação, vai fazer o que com aquelas cinzas?
A minha primeira escolha, na verdade, é a doação de órgãos. Se eu puder doar, eu quero doar os órgãos e depois o resto do meu corpo pode ficar pra universidade. O porém é que a gente só pode doar os órgãos se for com morte encefálica então, na maioria dos casos, não se pode doar os órgãos.
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A: E como foi a reação da tua família quando soube da decisão de doar o corpo?
L: A família… a mãe não gostou muito. A gente perdeu o pai cedo e a mãe ainda não superou. É bem difícil. Mas depois de várias conversas, eu disse ‘mãe, você precisa assinar, está ciente de que se acontecer alguma coisa…’. E a gente foi conversando, e conversando, devagar… e aí ela aceitou. Tenho amigas também que pretendem fazer Medicina, estão no cursinho e que apoiam. Disseram: ‘Ah Laura, quando a gente entrar também vai fazer [o cadastro para doação]’.
A: Você pretende doar para a UFSM?
L: Sim, pra UFSM. O termo de doação já está assinado, só que está na minha cidade, eu ainda não trouxe pra Universidade. Porque são três vias, uma para mim, uma pra família e outra pra Universidade. Inclusive eu conversei com o professor que era da disciplina, o professor Dorival; a gente conversou bastante antes, teve uma conversa bem séria. Ele me agradeceu.
Entrevista: Maria Helena da Silva
Texto: Claudine Freiberger Friedrich
Fotografia: Rafael Happke